Eu amo Manhattan no verão.
O clima quente e seco não se parece nem um pouco com o clima das nevascas dos finais de ano em Nova Iorque.
Por isso que eu amo os meses no meio do ano. Amo o sol e apesar de amar minha cidade, que está longe de me proporcionar tudo isso, ainda sim considero NY a melhor cidade do meu país.
Esse ano eu não verei a neve, prometi a minha mãe que vou visitá-la na Itália.
Minha mãe mora na Sicília há 10 anos. O que é ótimo, lá é seco e faz calor a maior parte do ano. Bom, pelo menos não neva tanto.
Ela se casou pela segunda vez, depois de 19 anos sem ninguém. Finalmente ela se permitiu ser feliz de novo.
Fico contente por ela. Luigi, meu padrasto, é apaixonado. Tudo bem que é espalhafatoso como todo legítimo siciliano, mas um amor de pessoa.
Sem contar que trata minha mãe como uma rainha. Só por isso já o amo e ele tem todos os pontos comigo.
Suspiro quando penso que verei minha mãe em breve.
Faltam 4 meses para ser exata.
Não a vejo a quantos?
Acho que tem uns 9 meses que não estamos juntas fisicamente, apesar de nos falarmos todos os dias.
Giro minha cadeira de couro branca em direção a grande vidraça da minha sala e percebo como o dia está lindo lá fora.
Meu Deus! Devia ser proibido trabalhar em um dia como esse.
O central Park deve estar lotado de famílias brincando e pessoas pegando sol.
Eu deveria dar folga para todo mundo hoje. Todo mundo deveria ter o direito de aproveitar um dia como esse.
- Emma? – ouço uma voz familiar me chamando e giro minha cadeira de volta, em direção a grande mesa branca a minha frente.
- Conseguiu as passagens? – pergunto a Reese.
Ela assente animada enquanto entra na minha sala e me mostra duas folhas de papel, que estavam escondidas atrás do seu corpo.
- Comprou a sua, não é? – torço meus lábios.
Reese é minha melhor amiga desde sempre e meu braço direito também.
Estamos juntas desde a faculdade, temos a mesma idade e o mesmo gosto para quase todas as coisas. Ela é mais alta do que eu e bem mais magra. Seus olhos verdes me dizem tudo, só de olhá-los eu já sei o que se passa e seu cabelo castanho claro, que agora está mais curto, ondula para todos os lados.
Além de não conseguir viver sem ela, por todas as questões emocionais e profissionais, não sei se sobreviveria sem ela na Sicília.
Vai ser uma virada de ano, qual é?
Mamãe e Luigi já não estão mais na idade de curtição.
Se eu não levar Reese comigo jantaremos às 20h e dormiremos antes de meia noite.
Eu tive um ano incrível, preciso comemorá-lo e cumprir todas as superstições possíveis para que o ano que vem seja ainda melhor.
- Emma? – Reese me chama ao mesmo tempo que estala os dedos a minha frente. – Ouviu o que eu disse?
- Não, desculpa. – ela ri. – O que disse?
- Disse que comprei as duas. A minha e a sua. – ela me entrega o papel quando senta na cadeira a frente da minha mesa.
- Ótimo. – pego os papéis e dou uma olhada. – Quando embarcaremos?
- Dia 20. – ela diz empolgada. – Ficaremos 15 dias. – a encaro. – Achei o suficiente, não?
- Sim, claro. – assinto. – Vejo minha mãe, passamos a virada do ano e... – levanto o indicador. – o aniversário dela com ela e ainda conseguimos aproveitar os italianos. Está ótimo!
- Maravilha. – ela levanta e junta as mãos, quase batendo uma palma. – Já conversou com Christian?
- Não. – fiz uma careta. – Essa é a pior parte, mas de qualquer forma ele tem que aceitar. Não é como se ele tivesse uma alternativa.
- Você é má. – ela ri. – Isso que dá ser a chefe.
- A gente se esforça. – brinco e ergo minhas sobrancelhas.
- Vejo você no almoço.
Reese se despede de mim e deixa a minha sala em seguida.
Olho em volta e percebo tudo que conquistei ao longo de muitos anos de um trabalho árduo e suado. Recebi muitos nãos nessa trajetória, ouvi diversas vezes que eu era louca e que não daria certo. Ninguém acreditava na minha ideia.
Hoje eu sou proprietária e presidente de uma das revistas em maior ascensão do país.
Minha revista, a Indie, é focada em moda alternativa. Voltada para o estilo Boho chic, casual. Moda sem engessamento e fora dos padrões que a sociedade impõe.
Eu faço questão de abordar todos os assuntos, minhas pautas são sempre bem ecléticas e políticas. Falamos desde moda e sapatos a feminismo e diversidades.
Tenho muito orgulho da minha revista, da minha editora.
Conheço todos que trabalham aqui, chamo todos pelo nome.
Desde Amélia, que nos dá suporte na limpeza do primeiro andar, até o diretor executivo, no caso o Christian.
A Indie é a minha vida e é por ela que eu vivo. De segunda a segunda eu respiro meu trabalho.
Minha inspiração para pautas novas vem de todos os lugares.
Tenho ideias tomando um café em uma tarde ensolarada ou vendo um casal se aquecer no ponto de ônibus enquanto esperam o coletivo na chuva.
Claro que as pautas com causas sociais são as minhas preferidas. Adoro ver minha equipe mobilizada por questões como o combate ao racismo ou a gordofobia.
Paro de viajar nas lembranças e alcanço meu celular em cima da mesa.
Disco o número da minha mãe e coloco o celular no aparador em cima da mesa para que ela me veja quando atender.
- Ciao Bella! – sua voz soa animada quando ela atende e se movimenta pela cozinha da sua casa.
- Ciao mamma. – a cumprimento também. – Tudo bem?
- Si, si. E você?
- Bem também. Reese comprou as passagens. – escuto seu grito animado quando falo das passagens, mas não a vejo no aparelho. – Embarcamos dia 20 de dezembro.
- Não pode ser antes? – ela choraminga.
- Mamma, quero estar com você no seu aniversário. – digo. – Além do mais ainda não preparei o Christian para ficar 15 dias aqui sozinho. Ele vai pirar.
- Ele sempre pira. – ela observa e nós rimos juntas.
- Como está o Luigi? – pergunto.
- Bem, bem. Vamos fazer uns exames do coração na próxima semana. Ele anda muito cansado. – ela aparece no vídeo e seu semblante é de preocupação. Seu tom de voz mudou de repente.
Eu a conheço tão bem quanto ela me conhece, ela está escondendo algo de mim.
Isso é uma coisa terrível que minha mãe faz. Ela tem o costume de esconder coisas que ela acha que vai me machucar.
Nunca vou me esquecer quando meu pastor alemão caiu duro no quintal de casa, ele já estava morto, mas ela só me contou 3 anos depois. Eu tinha 14 anos quando ele morreu. Mamãe sempre me dizia que ele estava internado quando eu perguntava por ele, até o dia que parei de perguntar... foi quando ela me contou que ele tinha tido um infarto fulminante e morreu naquele dia mesmo, no quintal de casa.
Eu não a culpo, é uma maneira de me proteger e me poupar, mas às vezes pode ser extremamente estressante e agonizante essa omissão dela.
- Mamma, o que o Luigi tem? – pergunto séria. Ela suspira e antes que possa mentir eu continuo... – Não me diga que não é nada, porque sei que está mentindo.
Ela inspira e para na frente da câmera do celular.
- Ele enfartou semana passada, filha. – ela praticamente cospe as palavras. – Não falei nada para não te preocupar. Ele fez um cateterismo e está ótimo, de verdade. Vamos ao médico só para revisão.
Inspiro fundo tentando controlar a raiva que sinto quando ela me esconde esse tipo de coisa.
- Mãe, não pode passar por uma coisa dessa sozinha. Devia ter me ligado. – digo aborrecida. – Poxa vida, só temos uma a outra.
- Desculpa, biscotto. – sorrio para o apelido que ela me chama desde criança e aquilo derrete meu coração.
- Cadê o Luigi? Preciso vê-lo, não confio em você. – tento soar como brincadeira, mas na verdade eu estava preocupada de verdade com ele.
Minha mãe pega o celular e se move pela casa com o aparelho na mão.
Reconheço o cômodo, ela está em seu quarto.
Meu coração só acalma quando ela aponta a câmera do celular para o Luigi, que está deitado na cama assistindo televisão.
- Ciao bella Emma.
Converso um pouco com o meu padrasto. Meu italiano é perfeito, o único idioma que sei falar. Minha mãe me ensinou com o passar dos anos. Vou a Itália pelo menos uma vez ao ano, precisei aprender.
Desligo o telefone quando me certifico, pessoalmente, que Luigi está bem e me levanto para encarar a próxima fera.
Christian, meu diretor executivo.
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