Tem dias que eu preferia não precisar sair da minha cama, mas hoje tive que enfrentar o movimento caótico do centro e ir ao banco atender ao chamado do meu gerente que tenho enrolado há vários dias com a promessa de que em breve iria encontrá-lo.
Faz um mês que o homem gorducho espera-me na agência bancária para explicar um erro na conta da minha mãe e só fui até lá, porque o meu cartão foi bloqueado. Acredito que aquele infeliz fez isso de propósito para me obrigar a ir ao seu encontro, pois o homem inventou mil desculpas para não resolver o meu problema remotamente.
Agradeço internamente que pelo menos fui atendida assim que cheguei e não precisei esperar longos minutos na fila.
Mesmo com o ar condicionado ligado, o homem suava em bicas enquanto me informava que continuarei a receber o benefício da minha mãe, pois ela pagou alguma taxa a mais durante muitos anos para que eu fosse sua beneficiária mesmo após a sua morte.
Achei tudo aquilo muito estranho, pois Domênica nunca mencionou tal tópico para mim. Ela era muito controlada financeiramente e sempre fez questão de me deixar a par dessa parte da sua vida, pois dizia que é fundamental aprender educação financeira. Nos extratos que tive acesso também não constava nenhuma informação a respeito, então, fiz questão de explicar tudo detalhadamente ao gerente e foi aí que o homem fez a revelação de que a minha mãe pediu sigilo em relação a isso e que somente após a sua partida, eu deveria ser comunicada.
Não tive mais argumentos e tornei-me apenas uma ouvinte do que aconteceria a seguir. Eu ainda receberei uma compensação pelo erro do banco e fiquei satisfeita com o arranjo que fizeram, pois o valor a mais que cairá na minha conta será uma poupança que farei para usar em alguma emergência.
Trabalho desde a adolescência e tenho como manter as minhas necessidades, porém, não posso dizer que tenho um pé de meia e essa compensação será bem-vinda para me deixar confortável.
Após deixar tudo resolvido, saio do banco rapidamente e entro no primeiro táxi que encontro, preciso chegar em casa, pois já sinto o meu coração acelerado pelo excesso de interação deste dia.
Todas as vezes que preciso lidar com pessoas estranhas ou lugares cheios, sinto-me esgotada e acabo numa crise de pânico. Alguns dias após ficar completamente sozinha no mundo, fui ao supermercado e senti uma pressão tão forte no peito devido à quantidade de gente que havia no local, que paralisei e simplesmente apaguei. A minha sorte é que havia um segurança no estabelecimento que me levou para a área dos funcionários longe dos olhos curiosos e ficou ao meu lado até eu me recompor. Desde aquele dia, evito ao máximo me aventurar pelas ruas lotadas da cidade e agradeço que a tecnologia atual ajude-me muito nesse quesito.
Assim que o carro para na porta do prédio onde moro, solto o ar dos pulmões pelo alívio que me invade. Salto do veículo, passo pelo portão, atravesso o "hall" de entrada e cumprimento o porteiro que, como sempre, tenta puxar conversa.
— Fico feliz que tenha se animado a dar uma volta, senhorita. – O homem fala e abro um sorriso amarelo antes de lhe responder.
— Na verdade, fui forçada a sair, senhor Grayson. – Ele balança a cabeça e solta um sorriso desconsertado, pois sabe que o apartamento é o meu refúgio.
— Preciso ir, tenho um trabalho para finalizar. – Invento uma desculpa para seguir o meu caminho.
— Até mais. – Ele fala e agradeço que não tenha insistido na conversa, pois já gastei todas as minhas energias tentando ser simpática no banco.
Aprendi a ser mais reclusa com a minha mãe, que sempre fez de tudo para me manter afastada de todos como se algum m*l tivesse à espreita. Por diversas vezes a questionei por esse comportamento, mas ela sempre desviava do assunto e com isso, percebi que jamais seria como as outras meninas da minha idade. Perdi as contas do quanto tentei entender porque esse era o único ponto da minha vida que deixava a minha mãe fora de si e como nunca encontrei uma resposta lógica, apenas deixei o assunto de lado.
Acostumei-me ao estilo solitário e acredito que isso tenha contribuído para o meu interesse por livros e computadores.
A leitura sempre manteve a minha mente sã, pois era assim que eu podia imaginar-me em cenários perfeitos onde eu crescia numa família grande, feliz e cheia de irmãos protetores que faziam marcação cerrada nos meus namoricos da adolescência. Este sonho invade os meus pensamentos todas as vezes que fecho os olhos, pois sempre senti falta de mais pessoas ao meu redor.
Sou muito curiosa e ávida por aprendizado, então, para manter-me mais ocupada, ainda na adolescência me arrisquei a escrever algumas histórias e postá-las num "site" para escritores iniciantes. Escolhi um pseudônimo para não ser reconhecida e para a minha surpresa recebi diversos elogios sobre o meu trabalho. Com isso, entrei de vez no ramo literário e aos poucos comecei a receber pelas histórias que escrevia, aliei as minhas duas habilidades que adquiri sozinha e hoje a minha renda vem dos livros que vendo e dos trabalhos de programação que presto remotamente. Abro um sorriso triste ao lembrar da minha mãe que apesar da seriedade era minha incentivadora e tenho certeza de que ela amaria saber que tenho feito sucesso.
Ela era ótima e a sua perda precoce foi devastadora para mim, em vários momentos desesperei-me por não ter com quem contar ou mesmo alguém para desabafar sobre os meus medos e incertezas. Em todas essas crises nervosas, consegui aprumar-me e confesso que tem sido cansativo apenas esperar que novos episódios que se tornam cada vez mais assustadores retornem sem qualquer aviso.
Lembro-me do dia em que a perdi, ela tinha uma consulta médica e eu a acompanharia, mas tive um m*l-estar devido ao medo prévio de sair em público e quando ela voltava para casa um caminhão desgovernado bateu em cheio no carro em que estava e arrancou de mim a única pessoa que eu tinha nesse mundo. Foi um choque receber a notícia da sua morte pelos policiais e vi-me perdida num limbo até o sepultamento, mas assim que retornei para casa, percebi que não deveria entregar-me à tristeza e que daquele dia em diante eu era a única responsável por tudo.
Gostava muito do lugar onde morávamos, o apartamento era gigantesco e ficava localizado numa área nobre da cidade de Seattle, mas como eu não poderia arcar com a minha estadia ali, já que era a minha mãe quem pagava o aluguel, decidi mudar-me.
Esta foi a primeira decisão que tomei, com isso, separei algumas coisas que seriam doadas e após encaixotar tudo, foi o momento de decidir quais instituições receberiam as doações. Organizada esta parte, iniciei a busca por um novo lar, visitei dois apartamentos antes deste em que moro atualmente e quando soube que aqui não teria vizinhos tão cedo e o terraço estaria disponível exclusivamente apenas para mim, decidi que aqui era o meu lugar.
Mudei-me no dia seguinte da minha visita e agradeci que o dono do lugar deixou o imóvel decorado e pronto para entrar, assim pude vender todos os móveis do apartamento antigo para fazer um pé de meia e segui para o meu recomeço. Confesso que não continuaria naquele lugar mesmo se tivesse condições de mantê-lo, pois as recordações não me fariam bem e eu entraria num looping de sofrimento sem fim.
O ‘bip’ do elevador avisa-me que cheguei ao meu andar, então, solto um suspiro de alívio e volto os meus pensamentos para o presente. Moro no último andar de um prédio de vinte andares e agradeço pelo silêncio que sempre encontro aqui, pois o apartamento de frente está vago e as possibilidades de alugá-lo são mínimas, já que faz parte de uma herança em que os herdeiros não entram num acordo se alugam ou vendem. Só espero que esta briga permaneça na justiça por muito tempo, para que assim, eu continue a desfrutar do prazer da minha própria companhia.