Capítulo 2 - Chiara

1464 Words
Saio da caixa metálica distraída procurando as chaves na bolsa quando bato a cabeça em algo duro que me faz perder o equilíbrio e só não fiquei esparramada no chão como a minha bolsa porque mãos fortes envolveram a minha cintura e impediram a minha queda. Levanto a cabeça e para a minha surpresa um homem lindo, alto, cabelos cor de mel, barba bem aparada, tatuagens pelo pescoço e com cara de mau encara-me intensamente. Estremeço ao sentir a sua respiração no meu rosto e fico desconcertada com a nossa proximidade, aprumo-me rapidamente e dou um passo para trás para me recompor do susto e assim, voltar ao controle das minhas emoções. — Perdoe-me, senhor. A culpa é toda minha, estava distraída. – Desvio o olhar para falar e em seguida me abaixo para pegar as minhas coisas. — Eu que fui descuidado, espero que esteja tudo bem com a senhorita. – A voz grossa e rouca corta o silêncio do corredor e as sensações que esse timbre tem no meu corpo são inéditas para mim. Ergo-me rapidamente já me preparando para entrar em casa e fugir desta situação constrangedora quando o homem estende a mão. — Ruslan Ivanovich Petrov – Olho para a mão grande estendida e consigo ver o início de uma tatuagem que não está totalmente visível devido às mangas compridas da sua camisa. — Chiara Rossi – Aceito o cumprimento e percebo que ele aperta o maxilar. — Imagino que seja a moradora. – Ele aponta para o meu apartamento. — Sim, sou. – Respondo de forma sucinta. — Que bom conhecer a minha vizinha logo no primeiro dia. – Abro um sorriso sem mostrar os dentes e fico incomodada por saber que perdi a exclusividade do andar. — Seja bem-vindo, senhor. – Digo apenas isto, pois quero que ele abra caminho para que eu possa passar. — Me chame de Ruslan. – Ele parece dar uma ordem e imediatamente vejo-me repetindo o seu nome com a voz baixa. — Ruslan. – Os meus olhos estão presos aos do novo vizinho que ao me ouvir falar o seu nome, abre a sombra de um sorriso. Desvio o olhar, pois não compreendo as minhas reações diante desse estranho e ao mirar a minha porta, solto um suspiro frustrado por perceber que será impossível entrar em casa, pois há várias caixas enormes que impedem a minha passagem. — O pessoal da mudança que fez isso, mas já providenciei para virem arrumar toda essa bagunça. – Ele percebe o meu incômodo e se explica, tenho vontade de perguntar onde encontrou uma empresa desse tipo, mas contenho-me. — Tudo bem. – Hoje definitivamente não é o meu dia de sorte, penso. — Vi que tem uma cafeteira na esquina. Gostaria de me acompanhar enquanto esperamos? – Mesmo com esse espécime raro e lindo na minha frente, as chances de sair novamente são nulas. — Eu agradeço a gentileza, mas prefiro esperar no terraço, lá é mais silencioso e tem menos gente do que na cafeteria. Até mais. – Explico, despeço-me e viro o meu corpo na direção das escadas para subir até a área que agora terei que compartilhar com esse deus grego. — Tudo bem. – A sua voz soa irritada, imagino que seja porque m*l chegou e já incomodou outra pessoa. Sigo para o terraço sem olhar para trás, subo as escadas e assim que atravesso as portas de vidro, deixo a minha bolsa sobre a mesa da entrada, depois ando devagar até uma cadeira mais distante onde me sento e encho os pulmões de ar. Fico sentada numa das espreguiçadeiras na área da piscina, a virei para apreciar a vista enquanto o vento gelado que bate no meu rosto faz-me fechar os olhos e sinto o calor agradável que os raios solares proporcionam à minha pele. Abro os olhos e fito o horizonte com a mente focada em apenas aproveitar esse instante. — Vejo que gosta daqui. – Dou um pulo no lugar pelo susto e sinto o meu coração acelerado no peito. — Perdoe-me, fiquei tão absorto pela paisagem que não percebi que não me viu chegar. – O meu vizinho se desculpa e logo coloca uma das mãos nas minhas costas fazendo um carinho para me confortar. Não compreendo como não percebi a sua aproximação, mas foco em acalmar o meu interior que se agitou pela surpresa. Ele não parece ser acostumado a fazer algum afago, pois usa uma força maior do que a necessária para esse gesto. Porém, a sua palma passeando pelas minhas costas, mesmo que por cima da blusa, acende algo novo na minha i********e, uma sensação quente que não sei explicar. — Estou bem, obrigada. – Me afasto do toque que mexeu tanto comigo. O meu novo vizinho pega outra espreguiçadeira, a posiciona de frente para mim, se senta na minha frente e estende-me um copo, olho ressabiada para o objeto e antes que eu o pegue, a sua voz chama a minha atenção. — Trouxe um café para me desculpar pelas caixas, mas agora que lhe dei esse susto, preciso encontrar outra maneira de tirar a má impressão que tenho deixado. – As palavras gentis parecem bem escolhidas, mas não combinam com a postura dominante desse homem. — Agradeço pela gentileza e não se preocupe, você não causou nenhuma impressão desagradável. – Falo uma meia verdade, porque não sei exatamente o que pensar a seu respeito. Levo o copo a boca e quando as minhas papilas gustativas sentem o adocicado do caramelo arregalo os olhos surpresa por ele acertar o sabor do meu café. — Espero que goste, não sabia o que escolher, então, peguei algo mais doce. – Ele explica. — Acertou precisamente, esse é o meu preferido. – Abro um sorriso sincero, pois eu realmente amo a mistura do café, leite e caramelo. — Fico feliz por acertar. – Ele leva o seu copo à boca e fico curiosa para saber qual tipo ele bebe, mas não me sinto à vontade para perguntar. — Você não é daqui? – Pergunto após um silêncio constrangedor em que ele me analisa sem disfarçar. — Sou russo, nascido e criado em Moscou. – Fala com orgulho. — Você tem um sotaque carregado, mas fala muito bem o inglês. O que o trouxe aqui? – Ele franze a testa e vejo que fui muito invasiva. — Desculpe-me, fui indiscreta, às vezes perco alguns filtros. – Sinto o meu rosto corar pela vergonha. — Tudo bem, não me importo em responder. Vim a trabalho, mas como ficarei um período maior, decidi alugar um apartamento para ter mais privacidade. – Esse homem é sério e parece muito inteligente, gostaria de saber no que trabalha, mas manterei a minha boca fechada para não arriscar ser desagradável. — E você? Soube que assim como eu, está sozinha no apartamento, pensei que alguém tão nova ainda moraria com os pais. – Me pergunto como ele já tenha informações a meu respeito e lembro-me que o nosso porteiro é um fofoqueiro de primeira. — A minha mãe faleceu há seis meses num acidente de trânsito. – Falo e imediatamente sinto-me triste. — Sinto pela sua perda. – Ele fala de forma fria e robótica. — Obrigada. – Respondo e solto um longo suspiro. — Não tem outros parentes? – Ele pergunta. — Não, éramos apenas eu e a minha mãe. – Novamente vejo o grandalhão travar a mandíbula. Os meus olhos seguem para o horizonte enquanto degusto o meu café e apenas o barulho do vento chega aos meus ouvidos. Quando viro o último gole e o vento muda a sua direção, um cheiro delicioso chega ao meu nariz me lembrando que não estou sozinha. Olho para o meu vizinho que está sentado na mesma posição de antes e com os olhos grudados em mim, sinto-me exposta com o seu escrutínio e logo ergo-me. — Será que já consigo entrar em casa? – Ele fica de pé na minha frente e parece se erguer em câmera lenta. — Sim, o corredor já foi liberado, subi aqui para te avisar, mas acabei distraindo-me. – A minha pulsação acelera. — Obrigada pelo café e por vir avisar-me. Até mais, Ruslan. – Falo e viro-me para sair. — Estou ao seu dispor, Chiara. – Ouvir o meu nome nessa voz, traz uma sensação quente ao meu corpo e apresso os passos para que ele não perceba o quanto estou afetada. Desço os degraus rapidamente e quando chego na minha porta, vejo que tremo inteira, olho para trás para me certificar que o meu vizinho não me seguiu e espero que ele não tenha percebido o meu estado. Entro rapidamente na minha casa e o silêncio que encontro abraça-me e traz a paz que tanto preciso.
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