Não Vivo, Só Sobrevivo

2307 Words
JULES MONTEZ — Anda, levanta dessa cama, hoje tem a inauguração da nova loja da Santorine vinhos e você vai! — Ela puxa minhas cobertas. — Por favor, mamãe! Eu não quero ir! — Reclamo, mas é em vão. —Eu não estou afim de sair e também estou sem ânimo até pra levantar dessa cama. Quero dormir mais, aliás eu nem dormi ainda —digo bocejando. — Jules, você não precisa ficar presa ao passado pelo resto da vida. Isso já acabou — minha mãe acaricia minha cabeça. — Mãe, eu estou tentando, mas eu simplesmente não consigo parar de sonhar com isso! —Digo pensando nos pesadelos que me atormentam. — Você precisa apagar aquele maldito vídeo e parar de olhar aquilo. Jules, você só faz isso para se torturar, você gosta de ter insônia, de ter pesadelos, ter crise de pânico, do contrário você não ficaria olhando aquela porcaria até hoje. Dez anos, dez anos já passaram, Jules! Está na hora de seguir em frente e perdoar a si mesma. Nós pagamos uma indenização milionária para a família dela, você fez sua parte. Eu ouço as palavras da minha mãe, sei que de alguma forma ela tem razão, mas eu destruí a vida da Sara Adams, eu sou uma assassina mesmo que indiretamente. Ela me olha e bufa. — Eu já marquei um salão pra você, e às treze horas a Marina vai passar aqui para te pegar. Você precisa fazer unha, cabelo, uma massagem modeladora, você está péssima, por isso não arruma um namorado… –Continua tagarelando enquanto abre as cortinas. Eu não consigo resistir e acabo rindo, minha mãe sempre tenta levantar meu astral assim, com salão e compras. Ela gosta de gastar viu. Eu me chamo Jules Montez agora, tenho vinte e seis anos e trabalho como CEO da empresa da nossa família, a Construtora Montez. Eu deveria ter uma vida feliz, pois cresci em um lar confortável e com pais que sempre me apoiaram, tive de tudo do amor incondicional ao conforto e luxo que o dinheiro pode comprar, mas não é nada disso. Dez anos atrás eu fiz algo horrível, aliás, eu era uma pessoa horrível… depois da merda* que eu fiz tudo mudou. Nós tivemos que mudar o nosso sobrenome, tivemos que mudar de cidade, hoje moramos no Rio de Janeiro, nós recomeçamos, mas nunca mais fomos os mesmos. Meu pai morreu há três anos, morreu sem conversar comigo, ele nunca me perdoou por ter sujado o nome da nossa família. Depois da sua morte, eu tive que assumir os negócios, que até então eram um sucesso, mas depois que assumi, com todos os meus problemas e a minha incompetência, os negócios estão em queda, estamos passando apertado e os acionistas estão me pressionando bastante. Eu vivo no automático, me levanto da cama, me alimento, vou trabalhar, faço tudo porque sou obrigada, se pudesse nem abri meus olhos era um alívio. Eu não vivo, só sobrevivo, essa é a minha realidade. E pensar que dez anos atrás eu sonhava com uma vida totalmente diferente, eu queria ser uma grande advogada e trabalhar com meu pai. Mas olha só pra mim hoje, sou um completo fracasso, vivo a base de remédios, não terminei a faculdade e ainda estou levando a empresa da minha família à falência. Que patético. Como minha mãe disse, a Marina veio me buscar, na verdade ela praticamente me arrastou junto com ela até o spa. Depois de longas seis horas, estamos prontas, agora só falta passar em casa colocar um vestido de festa para a inauguração. Meu ânimo está pedindo socorro, mas se eu não ir, minha mãe vai falar na minha cabeça até me deixar mais maluca do que já sou. Assim que chegamos na frente do salão, fomos recebidos por uma multidão de jornalistas. Fomos fotografados e respondemos às perguntas de sempre: "O que acham da nova loja de vinhos, Santorine?" "Estão animadas para a grande noite?" "O Grupo Montez também vai se tornar um dos acionistas?"... e por aí vai. Pelo menos ainda temos algum nome na cidade. A Marina acompanhou a tia para cumprimentar os convidados e eu fui me sentar em um cantinho no bar. — Acho que encontrei alguém tão animada quanto eu por aqui — ouço uma voz rouca atrás de mim. — Não está curtindo a festa? — Se senta ao meu lado, me obrigando a olhá-lo. Eu perco o ar quando vejo aquela figura, o homem é um deus grego, perfeito demais! — Prazer, eu sou o Samuel Miller. — Eu sou a Jules, Jules Montez — respondi apertando sua mão. O deus grego sorri, e que sorriso ele tem. É tão perfeito quanto o resto do corpo. Ele é alto, deve ter um metro e noventa e cinco de altura no mínimo, cabelos louros, ombros largos, pelo porte deve ter belos músculos embaixo desse terno feito sob medida. Quando eu saí de casa hoje, não imaginei que poderia me interessar por algo nessa festa, mas até que eu estou gostando agora. Ele pede uma bebida para me acompanhar, sem tirar os olhos de mim, e que lindos olhos verdes. — Então, a Jules Montez, faz o que na vida? — Sou CEO da Construtora Montez, e você? — Que interessante. Então temos uma mulher de negócios aqui — ele fala de um jeito que faz a gente ficar encarada nele, tudo nesse homem é sexy — eu sou o CEO do Grupo Miller. — Grupo Miller? — Falo meio ansiosa demais — aquele Grupo Miller de Nova Iorque? — Sim —sorri. —Eu resolvi que chegou o momento de investir no meu país, vou fechar alguns negócios por aqui, já até mudei meu escritório para o Rio de Janeiro, por um tempo. Acabei de assinar um contrato com o Grupo Santorine. Eu ouço ele falando e fico cada vez mais empolgada, principalmente quando ouço um elogio a minha administração, mesmo que seja só para gerar assunto, porque quem conhece de negócios sabe que estou indo *m*l. Eu bebo mais algumas taças de vinho enquanto conversamos. — Então, você tem quantos anos, Samuel Miller? — Pergunto falando seu nome lentamente. — Tenho trinta anos — Respondeu com um sorriso — e você Jules Montez, quantos anos tem? Eu não sei explicar, mas parece que todas as vezes que ele fala o meu nome é entre os dentes, soa meio frio, sei lá. Mas isso com certeza é impressão minha, deve ser efeito do vinho que estou bebendo demais. — Eu tenho vinte e seis anos. Você veio só, ou a família Miller veio também? Eu pergunto e ele não me responde imediatamente, ele olha o copo de Whisky em suas mãos e o gira algumas vezes. — Algum problema? — Pergunto. — Não, nenhum. Eu estou sozinho aqui, pelo menos por enquanto. Minha mãe e o resto da família estão em Nova Iorque, não gostam muito do Brasil — sorri. — Por que? — Oi? — Pergunta. Ele parece meio distante agora. — Por que sua família não gosta do Brasil? — Faço minha pergunta novamente. — É muito violento aqui. Eles não querem nem mesmo visitar. — Que pena —digo sinceramente. — Realmente é uma pena. Eu tomo mais uma taça de vinho e sinto minha cabeça começar a rodar, faz tempo que não bebo álcool e acabei exagerando. — Eu acho que preciso ir ao banheiro — digo enquanto me levanto. Eu tento me manter ereta, mas falho miseravelmente — me desculpe! — Digo totalmente constrangida, pois tive que me apoiar nele para não cair de cara no chão. — Sem problemas — sorri me estendendo a mão — eu ajudo você. O vinho em excesso já está fazendo efeito. —Diz com um sorriso divertido. Eu só queria um buraco para me enfiar dentro depois desse comentário dele. Que vexame. Eu agradeço, tento recusar a ajuda, mas ele insiste e eu acabo aceitando, estou mesmo um pouco tonta e esses saltos não estão ajudando nada no meu equilíbrio, da próxima vez eu não deixo a Marina escolher nada pra mim, não mesmo. — Obrigada pela ajuda — digo assim que saio do banheiro. — Foi um prazer! — Ele responde com seu belo sorriso. — Nossa, que vexame o meu, né? Eu não bebo assim sempre, quero dizer, eu… — tento diminuir minha vergonha, mas acabo piorando ainda mais. — Tudo bem, foi divertido. Então, vamos voltar para a festa? — Pergunta me estendendo sua mão. Sabe quando a gente sente aquele frio na barriga e parece que tem uma corrente elétrica subindo e percorrendo o corpo inteiro? Foi assim, eu não sei o que esse homem me causou e só com um simples toque, faz muito tempo que não sinto isso e quando digo muito tempo, é muito tempo mesmo. Depois de tudo que me aconteceu no passado, o Edu me deixou, eu nunca mais fui a mesma, até tentei seguir em frente e me relacionar com alguns caras aí, mas não deu, eu não senti nada, mesmo que eram bonitos e chamassem a atenção, eu não senti nada perto do que estou sentindo agora, essa atração, essa química que tem, pelo menos da minha parte. Nós caminhamos pelo extenso corredor até chegar de volta ao grande salão, assim que passamos pela porta avisto minha mãe que se aproxima assim que nos vê. — Vejo que você arrumou uma companhia, minha querida — diz medindo o homem ao meu lado de cima a baixo, depois ela ainda pisca pra mim de forma sugestiva. A minha mãe quer me matar* de vergonha. — Oi mãe, esse é o Samuel Miller, acabei de conhecê-lo — digo forçando um sorriso. Claro, eu também fico torcendo interiormente para minha mãe ler nas entrelinhas e perceber que estou pedindo para ela não falar nada vergonhoso, ou que passe a ideia que estou desesperada por um macho. — Acabou de conhecer, é? — Pisca novamente e ainda completa com um: — Seei… safadinhos! — Certo, preciso encontrar uma ponte pra me jogar de lá, a senhora Janete Montez, acabou de aumentar meu vexame. — Não liga para as besteiras que minha mãe diz, ela alucina às vezes — faço uma careta divertida na tentativa de descontrair e deixar esse momento menos vexatório. — Tudo bem, eu não ligo e até achei ela divertida — sorri. Nós conversamos mais alguns minutos até que chegam alguns amigos de negócios dele e ele vai atendê-los. Tirando os momentos vergonhosos que passei, minha noite foi maravilhosa, e isso é uma novidade, pois faz tempo que não me divirto assim. E aquele homem não saiu da minha cabeça, passei boa parte do tempo pensando nele. — Bom dia, minha filha! — Minha mãe diz assim que me sento para tomar meu café da manhã — e o gato, como ficaram? Marcaram um jantar? Eu olho pra ela e minha vontade é xingar ou esganar, mas me contenho, afinal ela é minha mãe, respiro fundo e apenas olho de cara feia. — Mãe, a senhora sabia que quase me matou de vergonha. — Por que? Ah, fica calma, minha querida, pelo sorriso dele, ele gostou da ideia — diz empolgada. Desisto, essa aí é um caso perdido — Samuel Miller, que chique você está! — Diz o nome dele com um brilho nos olhos. Eu apenas dou risada dos delírios da minha mãe, ela já está imaginando até meu noivado com o homem, se bem que não seria nada *m*l ter um noivo gostoso daquele, claro, isso se eu estivesse procurando um, mas não estou, meu foco é outro. Quarenta minutos depois, eu entro pela porta da empresa. Hoje teremos uma reunião para tentar resolver alguns problemas inesperados com um contrato que assinei meses atrás, pior é que mesmo que não estejamos em crise ainda, os acionistas estão me pressionando, aqueles abutres estão torcendo pra eu cair. — Bom dia, senhorita Montez — o homem de meia idade diz. — Bom dia, senhor Durval. Então, me diz que vai conseguir finalizar o projeto do prédio residencial e do ginásio. — Digo pegando a pasta de documentos que ele me entrega. — Eu sinto muito, sinto muito mesmo, mas eu acabei de declarar falência —diz envergonhado. — Como é que é?! — Pergunto nervosa — como assim declarou falência? O senhor tem noção de quantos milhões foram investidos naquele projeto? Senhor Durval, o que eu vou fazer para explicar aos investidores que eles não vão receber pelo que pagaram? Esse homem só pode estar de brincadeira com minha cara. Depois de meio ano de espera, milhões de reais investidos ele vem dizer que não pode concluir?! Como vou explicar isso para os investidores? Ou melhor, como vou cobrir os gastos disso? Só pode ser um pesadelo. — Eu sinto muito, senhorita, eu tentei reverter a situação, mas não consegui. — Senhor Durval, eu entendo, sério, eu entendo, mas eu não posso ter prejuízo, entende? Eu não tenho caixa para cobrir tudo que foi investido nesse projeto, eu não posso arcar com isso! — Digo e o homem apenas abaixa a cabeça. — Que droga! — Grito depois que o homem sai. Agora é que aqueles abutres dos acionistas vão pedir minha cabeça. Eu pego o telefone e chamo a Camila até minha sala. — Sim, senhorita Jules — ela entra depois de bater na porta. — Camila, marque uma reunião com todos os acionistas para amanhã, por favor. — Sim, senhorita. — Camila, eu já disse que não precisa dessa formalidade, por favor, me chama apenas de Jules, ok? —Ok. —sorri. Agora é tudo ou nada, vamos ver o que vão decidir. Mas uma coisa é certa, eles não vão me tirar da presidência da minha empresa, não mesmo! Continua...
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