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2055 Words
Nem acredito que hoje são as provas finais da minha graduação em contabilidade, foram longos quatro anos. Eu e Kathy passamos por tantas coisas. Kathy é a minha melhor amiga, uma irmã na verdade, mesmo depois que terminamos nosso "namoro", não diria bem um namoro, nossa tentativa de termos um relacionamento, ainda bem que não atrapalhou a nossa amizade. Quando começamos a faculdade optamos por dividir um pequeno apartamento que fica ao lado dos alojamentos da faculdade, ele é simples, dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Não precisamos de muito já que em breve iremos nos mudar. Temos muito em comum, principalmente nossos traumas de infância e repulsa por homens. Quando tinha 10 anos o padrasto de Kathy tentou abusar dela, se não fosse sua mãe ter ouvido seus gritos o pior teria acontecido. A mãe de Kathy se separou e o cafajeste foi preso. Elas se mudaram para Seattle desde então. Sua mãe nunca mais se casou, sempre dizia: filha os homens não prestam, estude, seja independente, não dependa desses trastes para viver. Kathy nunca quis se relacionar com homens, ela tinha verdadeira repulsa, teve uma namoradinha no colegial, mas não durou muito. Meu caso foi um tanto mais grave, mas igualmente traumático. Morava sozinha com minha mãe em Montesano, não temos família, minha mãe era órfã e meu pai nos abandonou quando ela ainda estava grávida. Estava vindo da escola quando tinha 8 anos, sempre gostei de caminhar, como a escola era perto de casa ia e voltava a pé sem a minha mãe saber. Até que um dia estava fazendo muito frio e um carro parou na estrada, um senhor de aparentemente 40 anos de idade me ofereceu uma carona recusei, mas ele desceu do carro, me agarrou e jogou com brutalidade dentro do caro, bati minha cabeça no vidro da janela que trincou. Atordoada e sem muita reação, percebi que paramos em um despenhadeiro perto de um lago congelado, o homem veio para cima de mim para me atacar, me agarrou pelos braços, rasgou minha blusa, agarrou minha i********e com a mão de forma bruta e agoniante, mas mesmo com muita dor na cabeça consegui chutar seu rosto, ele havia deixado o carro solto sem freio, em pouco tempo o carro começou a descer e em segundos caímos dentro do lago. Acordei no hospital com muita dor de cabeça dois dias depois, minha mãe chorava muito, não conseguia escutar direito, fiquei sabendo naquela momento que meu ouvido esquerdo foi afetado e que provavelmente ficaria com 80% sem audição. Desde então tenho nojo de homens, sei que todos não são iguais, mas o medo não me permite deixá-los se aproximar. — Boooo!!! – Kathy me assusta. — Ai que susto Kathy! – digo com o coração quase saindo pela boca. — Está no mundo da lua amiga? – diz divertida. — Não, só pensando nos nossos problemas. – digo pensativa. Então me vem uma ideia desafiadora e tentadora. Vou propor a Kathy um desafio para nós duas superarmos nossos traumas. Kathy está tentando fazer um bolo para mim, já que meu aniversário é na próxima semana. Minha mãe e a mãe de Kathy, vem para a nossa "comemoração quarteto" como chamamos, já que ambas não temos parentes mais próximos (os avós de Kathy faleceram em um acidente de carro e sua mãe é filha única) nossas mães moram juntas assim como nós duas, passaram a ser amigas depois que começamos a faculdade, acho que se aproximaram até demais... — Kathy estava pensando, acho que já está na hora de superarmos nossos traumas. – Digo enquanto Kathy está comigo sentada no sofá. — Como assim Ana? – pergunta virando de frente para mim. — Você já teve uma namorada, tentamos ficarmos juntas, coisa que não deu muito certo. Amo muito você, mas como uma irmã e grande amiga. – digo. — Eu também Ana, te amo muito como minha irmã – diz Kathy com um leve sorriso no rosto. — Então, não sei se a nossa "praia" são mulheres, me entende? – falo certo receio de magoar Kathy. — Entendi Ana, você quer descobrir se somos assexuais ou heterossexuais, já que descobrimos que não somos lésbicas. É isso? – fala com um tom engraçado, mas serio ao mesmo tempo. — Nossa Kathy! Como você é direta. – falo exasperada. — Como vamos fazer isso Ana? O que você sugere? Está pensando em sair com homens? Ai meu deus Ana!? – Kathy começa a falar alto e rir ao mesmo tempo. — Acha que é loucura? Para Kathy! Estou ficando sem graça. – falo envergonhada. — Não desculpa! Eu estava pensando a mesma coisa, mas não tinha coragem de te falar. – fala aos risos, com a mão na barriga. Não vejo graça, pelo contrário, estou com vergonha. — Ana e que tal se formos a uma boate? Nunca entramos em uma boate, tenho curiosidade de conhecer. – diz entusiasmada. — Não, imagina o que aconteceria comigo dentro de uma boate, poderia até colocar fogo sem querer, não lembra como sou desastrada. Vou pisar nos pés de quantas pessoas? Quebrar quantos copos? Não, temos que achar outra opção Kathy. – digo irritada. — Não sei Ana, vamos pensar em algo então. Não seja exagerada, você não é tão desastrada. – diz tentando me consolar. Kathy gosta de tampar o sol com a peneira, ela sabe como sou distraída e desastrada, na escola me chamavam de D&D, não gosto nem de lembrar. Era proibida na escola de entrar na biblioteca, qualquer livro que eu quisesse tinha que pegar na porta. Uma vez estava lendo um livro e fui ao banheiro, esbarrei em uma das prateleira que ficavam uma frente a outra, bastou uma cair e todas as outras foram caindo. Levaram mais de 3 dias para arrumar tudo no lugar. Isso foi o ápice da minha vergonha! — Kathy que cheiro horrível de borracha queimada é esse vindo da cozinha? — Ai meu Deus! Deixei a luva dentro do forno. - saiu correndo para a cozinha. — Meu Deus! – digo rindo. Mais tarde ainda em nosso apartamento, cada uma em seu quarto estudando para as provas finais da faculdade recebi uma ligação urgente do meu chefe, Dr. Adam (trabalhava em um escritório de contabilidade como faturista), que havia me dado folga naquele dia para estudar mais um pouco para as provas. — Ana, desculpe te ligar, sei que está de folga para estudar, mas será que amanhã de manhã poderá vir ao escritório me ajudar com o caso de um cliente, porque houve divergência na nota que você faturou ontem à tarde. – fala em um tom preocupado. — Mas Dr. Adam, amanhã é sábado, não pode ficar para segunda? – digo preguiçosamente, já que amanhã Kathy e eu combinamos de dormir até mais tarde. — Por favor Ana é urgente. – diz ainda mais preocupado. — Ok, amanhã as 9h estarei no escritório. - digo — Obrigado Ana, até amanhã. – despede-se mais aliviado. Estranhei a ligação do Dr. Adam, para que tanta urgência? Espero que não seja nada grave. Vamos voltar aos estudos. Matemática Financeira, amo! Terei meu próprio escritório de contabilidade daqui a alguns anos, com atendimento diferenciado, irei colocar em prática minha tese sobre análise de redução de custos para empresas de modo geral, com assinaturas desnecessárias de economistas e contabilistas do meu setor de formação. Sei que farei muitos inimigos no meu setor, mas é injusto as empresas pagarem assinaturas desnecessárias, sendo que poderiam estar investindo mais no conforto de seus funcionários, como creches para funcionárias e mães solteiras, entre outros. — Ana! – escuto bem baixinho e longe. Kathy toca em meu ombro com meu aparelho auditivo nas mãos. — Vamos Ana, coloque seu aparelho, já está na hora de irmos. – diz em tom mais alto. — Calma! Fala baixo, não precisa gritar! – digo incomodada. — Não precisaria se você usasse seu aparelho devidamente. – diz me repreendendo repreensão. — Ok! Vamos, não podemos chegar atrasadas. – digo recolhendo minha bolsa e saindo junto com Kathy. As provas foram tranquilas, confesso que ficarei com saudades dos meus professores e colegas de classe, mas tudo na vida sempre evolui, em breve receberei minha licença de contadora e poderei assumir um cargo melhor no escritório do Dr. Adam, como ele mesmo prometeu. Vou ao bloco da Kathy para nos encontrarmos, vamos sair com o pessoal da turma dela para comemorarmos, vamos a um barzinho aqui mesmo perto da faculdade. [...] No barzinho Kathy coloca a sua mão em cima da minha enquanto fala com outra amiga, um amigo bonitão dela que nos observa desde que chegamos, Ethan ao lado de outro bonitinho pergunta: — E aí meninas, Ana e Kathy, gostariam de sair conosco amanhã para ir ao cinema, ou será que é verdade o que andam dizendo por aí sobre vocês? – diz em tom de deboche. — Como assim o que andam dizendo de nós? – Kathy pergunta séria. — Ah Kathy você me entendeu, vocês duas moram juntas, nunca desgrudam na faculdade, nunca foram vistas saindo com nenhum cara da faculdade, andam dizendo que vocês tem um relacionamento mais íntimo, se é que me entendem. – diz. — O que? Nossa vida não é da sua conta e nem de ninguém! Ora essa agora temos que dar satisfações das coisas a todo mundo. – Kathy fala em tom de revolta. Dou um gole na minha cerveja, respiro fundo e respondo: — Claro que aceitamos Ethan, que horas amanhã? – digo aproveitando a oportunidade e mudando de assunto. — Ana! – diz Kathy me repreendendo. — Lembra do que combinamos Kathy? Essa é uma boa oportunidade. – digo baixo só para ela escutar. — Ah! Claro! – diz disfarçando. Antes sair do barzinho e nos despedirmos de todos eu tinha que me levantar e derrubar a cadeira atrás de mim, causando a queda do coitado do garçom que tropeça na cadeira e cai com bandeja. — ANA! – todos na mesa gritam ao mesmo tempo e me olham descrentes. — Desculpa! – peço envergonhada e assustada com a mão no peito. Após o barzinho, fomos para casa exaustas. Acordei num sobressalto com o Kathy me acordando, me repreendendo novamente para colocar o aparelho. — Que droga Kathy, não me assusta! – digo preguiçosa e assustada. — Você não disse ontem que precisava ir ao escritório hoje? Me ligaram a pouco do hospital, Ethan não pode ir e terei que o substituir na fisioterapia hoje, vamos logo, vou sair junto com você. — É verdade, obrigada Kathy por me lembrar. – digo arrependida por ter sido grossa. Tomamos nosso café e saímos, Kathy me deixou em frente ao escritório e foi para o hospital. Combinamos de almoçarmos juntas no restaurante próximo ao seu trabalho. [...] — Ana, obrigado, não sei se teria conseguido resolver esse problema sem você, tão simples de resolver, acho que me desesperei, já que esse é um de nossos maiores clientes, o Sr. Christian Grey da grande empresa Grey Enterprises Holdings, Inc. – fala aliviado. — Imagina Dr. Adam, esse é o meu trabalho. – digo o tranquilizando. — Ok Ana, pode ir, até segunda, vou ficar para fechar o escritório e ligar o alarme. – fala se despedindo. — Obrigada, até segunda. – digo me despedindo também. Nossa algo tão simples de resolver e o Dr. Adam me faz perder parte do meu sábado. Agora pensando em ontem, será que deveríamos ter aceitado o convite do Ethan e seu amigo para irmos ao cinema essa noite? Será que essa não será uma tentativa frustrante de descobrirmos que somos assexuais? Será que não deveríamos deixar pra lá? Deixar a vida seguir o seu curso natural e as coisas acontecerem naturalmente? São tantas perguntas e poucas respostas. Nesse momento estou atravessando a rua distraída com os meus pensamentos quando escuto um barulho alto de pneu derrapando. Olho para o meu lado esquerdo, vejo um Audi R8 desviando para não me atropelar, nesse momento o carro perde o controle, bate em outro carro e capota várias vezes. Protejo minha cabeça com as mãos, mas mesmo assim consigo ver o estrago. Falo para mim mesma: - Ana de todos as suas distrações essa foi a pior consequência de todas. Meu Deus será que alguém se machucou?  
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