Capítulo 16

1681 Words
QUANDO SOMOS COLOCADOS em situações diferentes das que enfrentamos em nosso cotidiano, é a adrenalina quem age em nosso sangue para que nós corramos, choremos de medo ou enfrentemos e lutemos pela nossa sobrevivência de alguma forma. Ela nos força a reagir e podemos ver sua ação em nossos corpos a partir do aumento da pressão arterial, das pupilas e da frequência cardíaca.    É mais ou menos isso que acontece quando eu me levanto acompanhada pelo homem, que descobri a pouco se chamar Alex, e adentro a sala de provas. Uma sala vazia, cujo o único som a ser escutado é o do meu salto batendo contra o piso bem encerado, gélida e escura.     Encolho-me diante o ar condicionado, arrependendo-me instantaneamente por ter colocado uma camiseta tão fina. Ouço o interruptor ser ligado e as luzes se acendem, iluminando o local amplamente. No centro há uma mesa de vidro e três cadeiras ao redor da mesma, enquanto nas laterais há uma combinação de quadros, vasos e sofás aparentemente confortáveis.    — Pode se sentar, Maitê. — Anuo ao seu comando, caminhando em direção a mesa e puxando uma cadeira. O homem realiza o mesmo ato que eu, sentando-se a minha frente e colocando uma pasta que carregava em mãos acima da mesa após abri-la e retirar um papel branco. — Você deve ter notado que a entrevista foi bem curta, certo?    — Notei, sim.    Durante o trajeto de vinda para cá, não posso negar que me perguntei diversas vezes se eu havia feito algo errado, já que foram apenas duas perguntas e a entrevistadora não se importou em me tratar melhor do que trataria uma mosca.    — Aquilo foi apenas uma introdução para ver se sua conduta se encaixa com a nossa escola, daremos continuidade a partir daqui. Preciso que você preencha essa ficha com alguns campos sobre você.    — Tudo bem.    Ele desliza o papel sobre a mesa e eu o capturo em minhas mãos, focando no título em negrito e em seguida nas perguntas. Tratam-se de campos referente a percurso até aqui e outras informações relevantes para a contratação. Preencho-os rapidamente com a caneta preta que ele me entrega e minutos depois já estou devolvendo o papel em suas mãos.    — E essa é a sua prova. — Novamente ele desliza o papel pela mesa e eu o pego. — Irei deixa-la sozinha para que fique à vontade e daqui uns minutos eu retorno.    — Ok, obrigada. — Abro um sorriso, e ele acena retribuindo-o.    Ele se levanta e deixa a sala, deixando-me nem tão sozinha assim, pois por mais que não exista ninguém respirando perto de mim, ainda há minha mente e meus sentimentos, que afloram cada canto de minha pele e me fazem paralisar. Minha mente se torna um grande borrão branco e eu preciso ler a primeira pergunta uma, duas, três vezes; nenhuma é o suficiente para que eu entenda a mensagem de fato.     Não sei quanto tempo se passa, mas como em um passe de mágica, eu reajo e entendo que é a adrenalina, me forçando a espantar a ansiedade e acabar logo com isso. Eu pressiono a caneta na folha pela primeira vez respondendo uma das questões. São perguntas de conhecimentos gerais e algumas específicas, não deixo nenhuma sem resposta, mesmo as que fiquei em dúvida.    Estou repassando as respostas em minha mente quando o aplicador entra na sala novamente, com a ficha que preenchi mais cedo em mãos.    — Conseguiu responder? — Ele puxa a cadeira, sentando-se novamente a minha frente.    — Sim, senhor — respondo, entregando-lhe a prova com um sorriso simpático.    — Obrigado. Me fale um pouco mais sobre você, Maitê, vi que chegou no Brasil há pouco tempo, está visitando?    Nego com a cabeça, apesar de não ter certeza da resposta.    — A minha mãe está doente, então eu pretendo continuar aqui por alguns anos, até ela estar melhor ou... — Meu sorriso vacila, pensando no pior. — Além disso, iniciei minha faculdade esse ano e estou criando alguns laços aqui, por tanto voltar para Costa Rica não é uma opção por agora.    Ele assente, enquanto anota em uma prancheta.    — Costa Rica... — menciona, pensativo. — Estou curioso, você fala português muito bem, onde aprendeu?    — O meu pai é brasileiro, então eu cresci falando português e espanhol.    — Sério? Que bacana. E seus pais trabalham em que?    — Eles são empresários.    — E como eles reagiram a sua decisão de ser professora?     Ele arqueia uma de suas sobrancelhas quando sorrio amarelo.    — Meu pai reagiu super bem, ele me apoia em tudo, já minha mãe... digamos que ela ainda não sabe.    — Por que não?    — Ela queria que eu fizesse administração, para assumir a empresa, e não tenho uma boa relação com ela.    — E mesmo não tendo uma boa relação você ainda veio para o Brasil?    Dessa vez sou eu quem arqueio a sobrancelha, confusa. Do que ele está falando? Repasso sua pergunta na minha mente. Ah! Ele não sabe.    — Ah, perdão, eu tenho duas mães. A mãe que mora no Brasil é ótima, também me apoia em tudo. Ela é advogada. — Sorrio, orgulhosa.    — Que confusão — ele diz, rindo. — Que tipo de profissional você se imagina no futuro?    — Eu sou um pouco gananciosa nessa parte — brinco, ganhando sua atenção. — Eu penso em inserir um método de ensino pautado principalmente na saúde mental de nossas crianças. Nós vivemos em um século em que saúde mental ainda é tratada como frescura e em que as decepções de uma criança são facilmente deixadas de lado, futuramente essa mesma criança torna-se um adulto frustrado, ansioso e depressivo. Acredito que precisamos cuidar delas desde pequenas e eu quero ser a profissional que vai fazer isso.    — É uma boa perspectiva e se quiser saber, às vezes um pouco de ganância cai bem. — Ele pisca o olho para mim. — Última pergunta: qual seu maior sonho?    Abaixo o olhar para a mesa, pensativa. Eu nunca me questionei sobre isso, então é difícil refletir agora, principalmente com tamanha pressão. Porém quando eu me pergunto o que eu mais quero no mundo nesse momento, a resposta sai com uma facilidade inimaginável:    — Não sei se eu tenho um sonho a longo prazo, mas a curto eu só queria que Pilar ficasse bem.    Abro um meio sorriso e ele assente, colocando-se de pé. Faço o mesmo quando ele manuseia a cabeça me orientando.    — Eu não diria que isso é um sonho, sonhos são difíceis de realizar, mas ela vai ficar bem, estarei torcendo por ela.    Sorrio com suas palavras de conforto. Diferentemente da primeira moça que me atendeu, Alex é um homem extremamente simpático e se eu precisasse chutar, diria que divertido também.    — Obrigada, Alex.    Ele me conduz para fora da sala e fecha a porta atrás de nós.     — Imagina. Vou te levar para conhecer os alunos e esse é um ótimo momento para que me mostre como aplicaria a sua metodologia.    — Sério? — Meu peito vibra em euforia quando ele assente, meu coração pulando em minha caixa toráxica como se participasse de uma escola de samba. — Hoje é o dia mais feliz da minha vida.    — Não diga isso até ver os alunos — ele brinca e eu dou risada.    — Não podem ser tão ruins — comento ao pararmos no corredor. Alex está segurando a maçaneta de uma porta. — Nem estão fazendo barulho.    — Então veja por si só.    E basta que ele abra a porta para que os gritos e conversas invada o corredor, fazendo-me fazer uma careta. Ele entra a minha frente e eu encosto no batente da porta, observando a sala que sequer nota a presença do homem. Uma mulher, provavelmente professora, se aproxima de mim, estendendo-me a mão.    — Olá. Me chamo Carla Ferreira, professora de matemática, e você?    Ela é tão bonita que parece uma Barbie. Seu corpo é alto, curvilíneo e delicado. Seus lábios são finos e rosados, e seus olhos são verdes. Sua pele é tão branca quanto a neve e seu cabelo é longo e loiro, com algumas ondulações devido o babyliss.    — Sou Maitê González, vim para uma entrevista — dito isso, quando vou pegar em sua mão ela se afasta, com um sorriso falso e me olhando de cima a baixo. Era só o que me faltava.    — Crianças, silêncio — ela grita indo até o centro da sala, e todos arregalam os olhos com o susto, encolhendo-se em suas cadeiras e ficando em silêncio. — Alex quer falar alguma coisa.    — Obrigado, Carla. Essa é a Maitê — eu me aproximo, ficando ao seu lado —, ela irá fazer uma atividade com vocês.    — Oi, Maitê — a turma diz em uníssono, e vejo Carla se aproximando.    — Atividade agora? Eu estava passando lição para eles.    Sem querer meu olhar percorre o quadro que está vazio e eu arqueio uma de minhas sobrancelhas.    — Não vou lhe tomar muito tempo, só preciso da chamada com o nome dos alunos, por favor — peço, e Carla puxa um prontuário de sua mesa. — Obrigada.    — A sala é toda sua — Alex diz, e eu sorrio em gratidão.    Caminho até a mesa do professor, sentando-me nela com o olhar de Carla sobre mim, mas a ignoro. Ambos se sentam em cadeiras dos alunos disponiveis. Eu abro a chamada, deparando-me com o primeiro nome, e chamo dócil e baixo. — Ana Beatriz. — Presente. — Ergo o olhar e uma criança de cabelo castanho preso e bochechas grandes me responde. Sorrio. — Alguém tem algum elogio para a Ana hoje? — Ela é inteligente e muito bonita — dessa vez quem me responde é uma menina de cachos pretos.  Prossigo com a brincadeira, até que na metade da lista, visualizo a cabeleira loira se levantar e dizer, com estresse notavel na voz: — Já chega, isso aqui não é circo e eu já perdi tempo demais com isso. Os dois para fora da minha sala agora! E assim fazemos.
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