ALGUNS DIAS DEPOIS...
— Não, cara. Essa mesa tem que ir para o outro lado do salão — opino quando Charles, um dos ajudantes, a traz para perto de mim.
Hoje é o aniversário do Marcos e estamos organizando uma festa para ele. Em minhas mãos, eu carrego uma prancheta com os pontos que precisamos alinhar antes do início da festa, e sinto vontade de sumir sempre que me deparo com o tanto de coisas que ainda não estão prontas.
Na verdade, eu sequer devia estar aqui, contratamos pessoas que sei que são extremamente capazes para fazê-lo, mas uma parte de mim insiste em querer ficar e garantir que tudo ficará perfeito.
Talvez a mesma parte que precisa de uma distração porque minha mãe está ficando cada vez pior e não há nada que eu possa fazer a não ser esperar.
— Maitê, finalmente te achei.
A voz de Marjorie soa, e eu balanço a cabeça trazendo-me de volta à realidade. Charles já está carregando a mesa com a ajuda do barman para longe daqui, e eu suspiro aliviada. Viro-me a tempo de ver a ruiva caminhar em minha direção e sua euforia deixa-me em alerta.
Que Pilar esteja bem. Que Pilar esteja bem. Que Pilar esteja…
— O que houve? Pilar está bem? — Sequer respiro entre uma pergunta e outra quando ela coloca-se à minha frente. Ela me olha preocupada e eu me apavoro ainda mais. — Diz logo!
— Calma, ela tá bem, mas eu não diria o mesmo sobre você. — Reviro os olhos e volto a fitar minha prancheta, marcando um "x" na tarefa que se refere a mesa de petiscos e salgados. — Maitê...
— Eu estou bem — corto-a.
— Quantas horas você dormiu na noite passada? Qual foi a última vez que comeu? — Abro a boca para lhe responder, mas não sei como. Então ela puxa o objeto de minhas mãos e entrelaça os dedos da mão livre nos meus. — Vamos para casa, você tá um caco.
Anuo, mesmo contra minha vontade, e não reajo enquanto ela me guia para fora dali, deixando a prancheta em uma das mesas durante o caminho.
A casa de Pilar não fica longe do lugar onde ocorrerá o evento e não percebo quando minutos depois chegamos.
— Eu vou subir para me arrumar, ok? — digo, com os pés em cima do tapete com letras cursivas de boas-vindas, enquanto Marjorie fecha a porta atrás de mim.
Ela arqueia uma de suas sobrancelhas.
— E você comprou alguma roupa?
Ia dizer que sim, mas o tempo em que fico em silêncio é o suficiente para que ela perceba que não e revire os olhos, pegando minha mão e me puxando escadarias acima.
Essa é uma das primeiras vezes em que Marjorie está se preocupando em agir minimamente como uma irmã, assim como é uma das primeiras em que ela me tem em seu quarto por vontade própria.
Agora, com mais calma, eu o observo. Seus móveis são pretos, mas diferentemente do que a cor traz não há nenhum peso nele; nesse instante, a decoração me remete apenas a modernidade. O tom entra em contraste com o verde das plantas e com uma parede cheia de quadros e fotos polaroids coladas.
Aproximo-me, observando cada uma delas. Em algumas ela está com seus amigos e sua família, enquanto outras são fotos de paisagens. Abaixo disso há uma mesa com papéis e lápis espalhados, demonstrando o caos de uma aluna de arquitetura. Isso me faz sorrir.
— Podemos nos arrumar ou você vai ficar mexendo nas minhas coisas?
— Mexer nas suas coisas é mais divertido — respondo, virando-me para ela. — Mas acho que não tenho essa opção.
— Não mesmo. — Ela se aproxima de seu closet, abrindo-o e saindo de lá com algumas peças e dois saltos. — Toma, esse é o seu.
Ela joga duas peças pratas brilhantes para mim, uma blusa e uma saia. Estendo as duas na altura de meus olhos, analisando-as. A peça superior possui a alça fina e fica alguns centímetros acima do umbigo. Ela tem um decote, em que o tecido recai na frente ficando bem solto. Já a peça inferior é curta e as laterais são abertas até a cintura, sendo o que a segura no lugar apenas a costura da barra.
Eu arregalo meus olhos, abaixando-as e fitando Marjorie.
— Você enlouqueceu? Nem em um bilhão de anos vou usar isso.
— Em um bilhão de anos não mesmo, vai ser hoje mesmo. E anda que eu não tenho paciência para isso, pode usar meu banheiro, eu tomo banho em outro. — E assim ela deixa o quarto com seu tecido dourado e uma lingerie em mãos.
Estendo a roupa novamente e dou risada, balançando minha cabeça negativamente. É, ela realmente enlouqueceu. Eu não vou usar isso.
[...]
Faz cerca de cinco minutos que eu estou me olhando no espelho e analisando o projeto de roupa em meu corpo. Ele não cobre muito mais do que uma lingerie cobriria e o receio de que rasgue a qualquer momento e me deixe nua na festa me atinge.
— Uau — diz Isabel, adentrando o quarto, e cutucando Marjorie. — Quem é essa e o que você fez com a Maitê culta de Costa Rica?
— Ah, está vendo? — Giro os calcanhares, ficando de frente para eles, e cruzando os braços a altura do peito. — Eu não vou usar isso, todos vão me olhar assim.
— É claro que vão e que bom, porque você precisa urgentemente beijar alguém, conhecer novas línguas. — Isabel me lança uma piscadela e sinto meu rosto esquentar. — E além disso, isso é normal aqui no Brasil e você está linda. Não seja boba.
Assinto, me deixando levar. Todos estarão bêbados demais para reparar em como estou vestida, não é?
— Obrigada, você é a melhor.
Puxo a garota pelo braço para fora do quarto de Marjorie e adentro o meu, ainda não havia escolhido o que eu iria calçar, mas para combinar com os pedaços de panos que minha irmã escolheu por mim, procuro pelos meus coturnos e pego duas opções. Um coturno preto de cano baixo de salto e um coturno branco de cano longo de salto. Me viro pra Isabel e mostro os calçados para que ela pudesse me ajudar.
— Acho que o preto vai combinar mais — ela diz com uma pitada de dúvida, fazendo-me erguer a sobrancelha. — Não, eu tenho certeza. O preto.
Volto para o closet e devolvo o coturno branco. De volta ao meu quarto, sento-me na cama, pego um par de meias pretas transparentes na gaveta ao lado e visto-as, calçando os coturnos em seguida. Quando finalizo, vejo Marjorie invadir meu quarto.
— Ótimo, você se vestiu. Vamos indo? Daqui a pouco Marcos chega.
Ela está parada frente a porta do quarto e com isso, aproveito para vislumbrar sua vestimenta. Seu vestido é dourado e completamente brilhante, bem apertado em sua silhueta, alças finas e tem um decote em formato de V que deixam seus s***s bem visíveis, também há um pequeno corte na saia, dando-lhe um ar sexy e jovial.
— Você tá linda, mas estou me perguntando porquê eu fiquei com os pedaços de pano e você não? — Um bico é visível em meus lábios e ela revira os olhos.
— Porque quem está precisando beijar não sou eu.
E vira as costas saindo pelos corredores com o seu salto fazendo um barulho estridente.
— Eu odeio ela!
— É, eu sei — Bel, que observava tudo calada, se pronuncia. — Mas vamos combinar que ela não está errada, e você sabe bem.
Ela cutuca minha cintura e eu reviro meus olhos.
— Vamos logo.
Saio do quarto e ela me acompanha após fechar a porta. Ao descer as escadas, Marjorie está parada frente a ela enquanto nos espera. Iremos juntas para terminar de organizar os demais detalhes antes que o aniversariante chegue.
Caminhamos uma ao lado da outra até o local do evento. Ainda está vazio, e o pessoal que contratamos andam de um lado para o outro para terminar de ajeitar tudo. Quando estou prestes a pegar meu celular, a mão de Isabel bate sobre o dorso da minha pele.
— Ai, quanta agressividade.
— Precisamos resolver algumas pendências.
— Que pendências?
Tento pensar no que estava faltando, mas nada vem a minha mente.
— As músicas que vão tocar na festa, Maitê — diz, exasperada.
Gente, mas são só músicas.
Isabel pega a prancheta que eu estava utilizando e em um papel branco, começa anotar algumas coisas. Reviro os olhos e lhe deixo sozinha em sua tarefa super importante. Caminho até Marjorie que conversa com o homem, chefe da organização.
— Já está tudo certo? — pergunto em relação aos últimos detalhes.
— Sim. Você conseguiu mandar mensagem para o Marcos? Os convidados já estão chegando.
Ainda me pergunto o motivo de ter convidado tanta gente. Aposto que metade delas são pessoas que sequer conhecemos.
— Não consegui, Isabel me interrompeu.
— Ah, ótimo. — Marjorie tem sua feição estressada e pega no seu celular digitando algo. — Já mandei, irei beber porque estou precisando. — Vira as costas para mim e quando está prestes a sair, se vira novamente. — Vai recebendo os convidados, e quando Marcos chegar me encontrem no bar, estarei com Isabel.
— Ok, estressadinha.
Debocho e ela revira os olhos saindo pisando duro com seu salto estridente.
[...]
Já fazia cerca de vinte minutos, se não mais, que começaram a chegar os convidados e nada do aniversariante. Estou em pé próximo a entrada e já me cansei de falar com pessoas que eu sequer conheço. Desisto de ficar esperando Marcos chegar e vou até as garotas que estão no bar bebendo, sei lá, talvez a décima dose de bebida.
— Por favor, uma água sem gás — peço e me sento no banquinho ali. Para minha sorte, meu coturno é super confortável.
— Água? — as duas maravilhosas questionam em uníssono. — Não, cancela a água dela. Traz uma caipirinha — Isabel interrompe meu pedido, e eu bufo.
— Ei, qual que é? Eu não curto muito beber. Por favor, traz água mesmo.
— Não, Maitê. Isso é uma festa, se quer estar em um velório, lugar errado. É noite para se divertir e você está precisando muito disso.
Bel passa seus dedos pelo meu rosto e leva uma mecha do meu cacho caído sobre minha visão para trás da minha orelha. Sussurro um obrigada e me dou por vencida.
— Se eu passar m*l, vocês terão que cuidar de mim — aviso enquanto o bartender me entrega a taça com a bebida. — Aliás, a ideia do bar foi de quem?
— Nossa — as duas almas gêmeas de farras respondem.
O que será de mim saindo com essas duas garotas juntas, meu pai?
Ajeito minha posição na cadeira e olho para a entrada da festa no exato momento que Marcos atravessou ela. Ele já sabia sobre a festa, só não sabia como seria a organização dela.
Uma música cantando parabéns ao som de funk começa a tocar e Isabel puxa eu e Marjorie para irmos até nosso amigo. Bel vai dançando pelo caminho super animada, e talvez bêbada, e quando chegamos próximo ao Marcos ela grita:
— Feliz aniversário, seu lindo!