Capítulo 07

1093 Words
QUANDO EU ERA pequena, papai costumava me dizer que das coisas ruins é possível tirarmos uma boa. Isso me ensinou a ver o lado bom da vida, desde as mais perceptíveis até as microscópicas; aquelas que apenas um olhar atento e otimista consegue enxergar. Por vezes, eu me pergunto como seria a minha relação com a família de Pilar, se tudo fosse diferente.    Nós teríamos morado no Brasil desde sempre e teríamos uma boa relação, Marjorie e eu provavelmente cresceríamos juntas, brincando no parque e empurrando o balanço uma da outra. Eu consigo ver como tudo seria... mas a realidade que me aguarda é outra, e dentre tantas incertezas sobre o passado e o futuro, a única que não trago comigo, é a ótima amizade que venho criando desde que cheguei ao Brasil.    Acabamos de chegar em uma das praias de São Paulo e assim que pisamos nossos pés na areia, a primeira coisa que meus amigos dizem é que demos sorte. Franzo o cenho, confusa, caminhando até uma área que montaríamos um espaço para nós. A sensação da areia entrando em meus dedos irrita minha pele com a novidade, mas insisto em curtir o momento.    — Sorte por que? — questiono, curiosa.    Escolhemos nos sentar em frente ao mar. Estendo a toalha esverdeada que carregava em mãos no chão e Marcos coloca uma cesta que trouxeram em seu carro em cima dela. Visualizo-o dar de ombros, enquanto Isa me responde:    — Está vazia.    Observo ao redor. Com exceção das nossas, não há uma alma viva por aqui. O céu escuro cobre a areia da praia e o luar reflete no mar. As ondas vêm e se quebram com facilidade. A brisa é suave e eriça alguns pelos de meu corpo.    — E deveríamos esperar algo diferente? — concluo, por fim.    Quem vai à praia no meio de semana e durante a noite? Só sendo desocupado e pelo visto, eu sou e muito. Dessa vez, quem dá de ombros é Isabel.    — Não, mas é bom comemorar. — Assenti, visualizando meus amigos tirarem suas vestimentas. Marcos passa a camiseta por sua cabeça e meu olhar escorrega por seu peitoral, seu abdômen definido, até alcançar o cos de sua sunga. — Você não vem?    — Vou para onde? — pergunto, desviando minha atenção de seu corpo para a morena, que já está somente de biquini, caminhando de costas vagarosamente para o mar.    O moreno já tinha deixado o ambiente e mergulhado na água salgado, e eu observo com o olhar ele passar os dedos por seus cabelos molhados.    — Nadar, boba, a não ser que prefira ficar babando pelo Marcos.    Arregalo meus olhos, percebendo que ela reparou, e trato de negar, em tom de voz exasperado:    — Não estava babando, não!    — Como não? Está até sujo aqui.    Ela aponta para o canto da boca e eu passo o indicador pelo meu em reflexo, deparando-me com a ausência de umidade.    — Eu não... — Ela me olha divertida e eu semicerro os olhos, notando seu truque. — Eu odeio você.    — Te espero lá — ela cantarola e eu bufo, vendo-a me dar as costas.    Começo a tirar meu vestido, revelando meu biquini e sentindo a ventania entrar em atrito com minha temperatura corpórea quente. Passo as mãos por meus braços, para abaixar os fios rebeldes, e largo minha vestimenta na toalha.     Caminho em direção ao mar, com o vento levando meus cachos que há muito se soltaram do coque que fiz mais cedo. Alcanço a costa e receosa, pergunto-me se devo entrar ou não. A água deve estar extremamente gelada, mas o sorriso nos rostos de meus amigos brincando ao longe, faz-me afundar um dos pés no mar. A coragem que somente o fato de eu ter me mudado do outro lado do país poderia me trazer.    As ondas se quebram em meus tornozelos, conforme vou avançando para o fundo dele, e é quando vou dar mais um passo que um bicho surge à minha frente. A figura desconhecida e turva devido ao breu noturno, faz meu coração bater forte e um grito assustado sair de minha garganta. Afasto-me do monstro marinho e corro o mais rápido que posso para longe dali, não demora até que eu escute os gritos apelativos de meus amigos atrás de mim:    — MAITÊ! — é a voz de Isabel que soa e isso detêm meus passos, alguns minutos mais tarde ela me alcança — Onde você aprendeu a correr tão rápido e o que raios aconteceu?    Marcos para ao lado dela logo depois, recuperando o folego mais do que deveria para quem é atleta, mas sequer me deixo pensar nisso por tempo demais. Encolho-me como se pudesse esconder-me dentro de mim e aponto com a mínima energia para o mar.    — T-Tem... Tem um monstro lá... Um bicho... Eu vi... — minha voz soa trêmula e não consigo formar frases que não sejam desconexas, e dentre todas as reações que eu esperava, a que meus amigos tem é de longe a mais imprevisível.    Eles começam a rir.    Sim! A rir.    Franzo o cenho, tão confusa quanto o momento em que entrei nesse lugar.    — Maitê... você... ai, meu Deus — e tornam a rir novamente.    Pisco os olhos diversas vezes.    — Prazer, o monstro marinho — uma voz grave soa atrás de mim e eu me viro rapidamente, deparando-me com um homem, que de monstro não tem nada.    Seus cabelos são loiros e ondulados. Sua pele é branca e coberta por tatuagens. Em seu corpo, apenas uma sunga preta o impede da nudez.    Meu Deus! Eu confundi esse homem com um monstro?     — Era você? — Ele assente e eu me aproximo, erguendo a cabeça mais do que deveria para fitar seus olhos claros. É notável que ele está prendendo o riso, devido sua face vermelha, assim como meus amigos que se calaram assim que ele entrou na conversa. — Mas que merda você tem na cabeça para entrar na frente de alguém assim?    — Desculpe se eu não achava que encontraria uma maluca que acredita em monstros no meio da noite.    Semicerro os olhos.    — Maluca não, uma pessoa bem informada sobre mares, mas não vou perder mais meu tempo com você.    Passo por ele e ouço os passos rápidos de meus amigos atrás de mim.    — Onde você vai?  Reviro os olhos e sinto meus pés afundarem na areia, entrando em meus dedos novamente e dessa vez, sem conter nenhuma emoção, permito-me bufar em resposta.   — Para casa, Isabel!    — Espere, nós vamos com você.
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