Aquela manhã tinha um cheiro diferente. Nyssa sentiu isso assim que seus olhos pesados começaram a se abrir, encontrando a figura adormecida do marido. Ela amava aquela visão — o grande homem de cabelos castanhos curtos e encaracolados ao seu lado, os olhos fechados, a mandíbula firme e perfeitamente desenhada travada em um tom sério.
Suas pequenas mãos deslizaram pelo peito exposto dele, contornando os pelos bem distribuídos com carinho. O toque o fez despertar, e quando seus olhos azuis — profundos como o oceano — encontraram os dela, ela sorriu e se aconchegou no corpo quente, num abraço longo e silencioso, retribuído com ternura.
— Bom dia, minha rainha — sua voz grave e rouca sussurrou ao ouvido dela, provocando um arrepio que percorreu toda a sua pele.
— Bom dia, Anjo. Dormiu bem? — o apelido o fez rir, apertando-a um pouco mais contra si.
— É impossível não dormir bem ao seu lado. Toma banho comigo essa manhã?
Ela assentiu, e juntos seguiram para o banheiro, onde dividiram um daqueles banhos demorados. Tocavam um ao outro como se fosse a primeira vez, mesmo já conhecendo cada curva, cada sussurro, cada silêncio.
Mais tarde, já vestidos — Christiel pronto para o trabalho, e Nyssa para cuidar dos gêmeos recém-nascidos —, ela ajeitava a gravata preta do marido com delicadeza quando uma sensação r**m a invadiu. Estremeceu. Era como se algo terrível estivesse prestes a acontecer. E ela sabia... não poderia impedir.
— Deveria ficar em casa hoje. Poderíamos levar os gêmeos ao parque... O dia está tão bonito. — ela sugeriu, ajustando o terno dele.
— Sabe que, se pudesse, eu ficaria. Mas estamos no fim do ano, as reuniões se acumulam... Eu volto mais cedo. Prometo.
No fundo, ela sabia que não seria suficiente. Mas apenas sorriu, acompanhando-o até a porta da frente.
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Naquela tarde, depois de colocar os gêmeos para dormir, Nyssa desceu as escadas calmamente até a cozinha. Preparava um pudim para a sobremesa do jantar que seria o preferido do marido, quando um cheiro estranho começou a invadir a casa. O pressentimento sombrio voltou com força, arrancando o ar de seus pulmões violentamente.
Sem hesitar, subiu as escadas de volta — e o que encontrou no quarto das crianças foi sangue.
Desesperada.
O cheiro a guiou até o próprio quarto, e ali encontrou seus filhos desfalecidos sobre o tapete felpudo. O contraste de cores e bagunça do que deveriam ser apenas crianças era... impossível de descrever.
A deusa, carregada de ódio e dor, gritou com tamanha fúria que os vidros da casa trincaram. As sombras sob seu domínio se agitaram, batendo contra as paredes, refletindo a dor dilacerante da senhora delas. Nyssa caiu de joelhos e puxou os corpos pequenos para si, abraçando-os, chorando sobre aquilo que, há poucos minutos, era vida. Era parte sua e do homem que amava.
Então, viu. Um esquadrão de Serafins armados estava diante dela, encarando-a com olhos frios e decididos.
Suas asas — negras com fios dourados — se abriram, prontas para o contra-ataque.
Mas eles estavam preparados. Arpões cravaram-se em suas asas, puxando-as para trás. As sombras avançaram em fúria, mas foram contidas. Cordas inibidoras prenderam seus pulsos e tornozelos. Seus poderes foram drenados até que restasse apenas uma alada frágil, deitada e imobilizada sobre a cama.
A tortura começou.
Questionavam-na sobre o passado, sobre seus dons, sua essência. Diante do silêncio, lâminas de ferro celestial rasgavam sua pele, acompanhadas de descargas elétricas.
Mas Nyssa se refugiava em suas lembranças.
Pensou na primeira vez que se deitou com Christiel — no jeito como ele a segurou no colo, sentando-se com ela no sofá do apartamento. O toque quente de seus dedos subindo pela coxa, acariciando a virilha por cima da calcinha de renda... os lábios encontrando os dela num ritmo quase divino. O carinho pelos pelos do peitoral dele, a descida pelo abdômen... outro choque.
Pensou no pedido de namoro feito sobre a cama, nas asas abertas dele formando a visão mais linda que ela já teve ao atingir o ápice. Ele era sua bonança. E ela... a tempestade.
O pensamento foi interrompido pela lâmina que rasgou sua barriga. Ela sentiu cada centímetro arrastar-se por dentro de si. Gritou.
O útero foi retirado ali — uma punição c***l. Uma mensagem de que celestiais não deveriam se misturar aos impuros. Mas eles não sabiam... a deusa também tinha sangue celestial.
Ela se lembrou do pedido de casamento. Christiel ajoelhado, asas abertas, olhos cheios de amor. O anel marcando sua linhagem. Mas não era o anel que carregava sua alma. Era o colar — um par de asas envolvendo uma pérola. O símbolo que guardava sua essência. Quando ele colocou aquilo em seu pescoço, entregou-lhe tudo: corpo, alma, luz.
Nyssa abriu os olhos. As palavras do casamento ecoavam em sua mente, abafando as vozes dos Serafins.
“A eternidade é o nosso lar, e ainda que o meu coração pare de bater, existirá uma parte de mim, mesmo que pequena, que vai continuar te amando. Meu Anjo.”
Ela repetiu aquilo num sussurro fraco, no exato momento em que a lâmina perfurou seu peito.
Chorou.
Uma mão atravessou seu corpo, arrancando o coração.
Mas, ao contrário do que esperavam... luz.
O coração de Nyssa brilhou, faiscando em dourado. Era puro. Limpo.
A culpa caiu sobre os ombros dos Serafins. Haviam cometido um erro irreversível. Mataram inocentes.
A essência da deusa sussurrou, suave, nos ouvidos do seu consorte.
— Eu vou voltar, Meu Anjo... eu sempre vou voltar para você...