XII

1566 Words
[•••] O ambiente estava abafado e úmido, como se aquele lugar fosse um recesso isolado, fora do tempo e da percepção normal. A música e as vozes distantes da boate soavam surreais, como ecos distantes de uma realidade que parecia já não fazer parte daquelas paredes. Luce tentava controlar o pânico crescente dentro de si, mas o homem ao seu lado não demonstrava qualquer reação diante das suas tentativas de resistência. Ele mantinha o aperto firme em seu braço, sem dizer uma palavra. O silêncio entre os dois era pesado, carregado de uma tensão que Luce não conseguia decifrar. Finalmente, o homem a soltou, empurrando-a levemente para a frente, apenas a devorava com os olhos como se estivesse se preparando para dizer algo importante. Luce deu um passo atrás, acabando por encostar suas costas nuas na parede fria soltou um baixo gemido, seus braços levantando-se instintivamente em posição de defesa. Mas seus dedos tremiam de ansiedade. Seus olhos, tentando se ajustar à escuridão, apenas conseguiam distinguir a silhueta imponente do homem, cujas feições pareciam borradas, como se algo sobrenatural o envolvesse, uma névoa invisível que o tornava ainda mais enigmático. Ele a observava agora com calma, seus olhos profundos como a noite, impenetráveis, analisando cada minucioso centímetro daquele corpo e Luce sentiu um calafrio percorrer sua espinha. O ar ao redor deles parecia denso, carregado de algo metálico e antigo, como se ela estivesse diante de uma força primordial, algo antigo e perigoso. Luce sabia que aquele homem não era normal, algo nele estava errado, mas o que exatamente ela não conseguia entender. Havia algo em sua presença que a fazia sentir sua alma sendo puxada na direção dele, ao mesmo tempo em que um instinto profundo lhe dizia para correr, para fugir e nunca mais olhar para trás. ── O que você quer de mim? ── Luce perguntou, forçando sua voz a permanecer firme, embora sua garganta estivesse apertada pela tensão. Ela tentou não pensar em Kiernan. Ele já a havia avisado, já a havia alertado sobre o perigo, havia implorado pra que permanecesse em casa mas ali estava ela, presa em uma situação que não sabia como controlar. O homem não respondeu imediatamente. Em vez disso, deu um passo à frente, e Luce, instintivamente, tentou dar um pequeno passo para trás mas já estava no limite. Cada fibra de seu corpo vibrava de tensão. Quando ele finalmente falou, sua voz foi suave, mas carregada de uma autoridade inconfundível que fez o coração de Luce bater mais rápido. ── Você não tem ideia do que Ele é, por que ainda está ao lado dele? ── A pergunta parecia simples, mas a intensidade com que foi proferida fez Luce gelar. Ela franziu a testa, tentando processar o que ouvira. "Ele"? Quem era esse "Ele"? O que ele queria dizer? A mente de Luce se agitou, uma série de nomes, rostos e possibilidades cruzaram sua mente, mas uma figura em especial se destacou... Kiernan. ── Kiernan? ── Luce perguntou, o tom da voz mais baixo, mas carregado de uma curiosidade angustiante. Nesse momento, ela desejou com todas as suas forças que ele estivesse ali. O homem sorriu, mas não era um sorriso de humor. Era um sorriso sombrio, como se soubesse algo que Luce ainda não compreendia. ── Kiernan... ── ele repetiu como se tentando o nome, saboreando aquela mentira doce ── Kiernan, então é assim que ele se apresenta a você? Você acha que ele vai te salvar? Pode gritar por ele se quiser, eu sei que deseja muito que ele estivesse aqui agora. ── O homem se aproximou ainda mais, e Luce sentiu o peso de sua presença de maneira opressiva, como se ele estivesse envolto em uma aura densa e ameaçadora. ── Uma pena, não? O destino brincar com aquela pobre criança... Ele não sente o que você é... Está tão cego pela vingança que não nota. Seria mais fácil se ele notasse. Ficaria mais... divertida a nossa brincadeira... ── a mão do ser enigmático se estendeu tocando o rosto quente de Anarom, a mesma se mostrando tão impotente não conseguia mover um músculo mesmo que tentasse, mas a criatura se aproximou sussurrando contra os lábios vermelhos dela: ── E você... ah, você está mais envolvida do que imagina. Mais do que qualquer um sabe e não pode fugir disso. As palavras dele a atingiram como um golpe físico. Kiernan? Estaria ele mentindo? Ou talvez... talvez ele não fosse o que ela pensava? "Ele está tão cego pela vingança que não nota..." os olhos da garota começaram a arder e o nó em sua garganta somente se fez aumentar. ── Mas... mesmo que ele não lembre, ele sente que algo os conecta. Nós sentimos e vemos por ele. E faremos com que ele a perca novamente. Que sofra tanto quanto da primeira vez. ── O homem concluiu com uma frieza que congelou o sangue de Luce. O medo tomou uma forma mais palpável dentro dela, um nó apertado na garganta, enquanto as palavras do homem a envolviam como uma teia. Ela se lembrou das palavras de Kiernan. Do cuidado que ele tentava transmitir, da maneira como sempre parecia saber mais do que dizia, das pistas que deixava escapar sem querer. Mas quem era aquele homem para falar assim? Quem era ele para ameaçá-la daquela maneira? ── Eu não sei o que você está falando! ── Luce tentou parecer mais confiante, mas as dúvidas começaram a corroer suas palavras, e sua voz falhou no final. O homem não respondeu de imediato. Ele a observava com um olhar penetrante, que trilhavam caminho dos olhos até os belos lábios e dali percorriam todo o corpo como se estivesse desnudando sua alma. Então, com uma suavidade desconcertante, ele falou, como se soubesse que suas palavras haviam encontrado um terreno fértil de incertezas em Luce. ── Você vai entender logo. Quando o véu cair, tudo fará sentido. Até lá, você será apenas uma peça neste tabuleiro... e o caminho de volta será mais complicado do que imagina. ── As palavras dele a atingiram em cheio. Luce sentiu suas pernas fraquejarem. Algo estava profundamente errado no ar. Havia algo se enroscando ao seu redor, algo que distorcia tudo o que ela sabia sobre sua vida. Quem era aquele homem? O que ele queria de fato? E o que significava aquela conversa sobre "véu" e "tabuleiro"? Antes que ela pudesse questioná-lo mais, o homem se afastou. Ele deu-lhe um último olhar penetrante, como se já soubesse todas as respostas para as dúvidas que ainda rondavam sua mente, e disse, como se fosse uma despedida definitiva: ── Nos vemos em breve. E lembre-se: tudo tem um preço. Até mesmo você, querida Luce. Luce não teve tempo de protestar ou reagir. O homem virou as costas e desapareceu na escuridão. Ela ficou ali, sozinha, com o som distante da boate agora parecendo uma melodia distante e irrelevante. Tudo o que restou foi a sensação angustiante de estar presa em um caminho sem volta. Kiernan estava certo em se preocupar. O problema era que, agora, Luce não sabia mais em quem confiar. [•••] momentos antes... Khaos estava em pé, nas sombras do quarto de Luce, imerso em uma quietude que só ele, a entidade ancestral que era, poderia compreender. O ambiente ao seu redor estava carregado de uma energia densa, as sombras dançando suavemente sob a fraca luz do quarto. Os ecos de um passado distante se entrelaçavam com o presente, criando uma sensação de que o tempo e a realidade estavam se desfazendo. Ele sentia a presença de Luce, mesmo sem vê-la. O fio invisível que os conectava era inquebrantável, um laço mais forte do que qualquer coisa que ele já conhecera ou temesse. Esse fio dourado era sua maldição e sua redenção. Ele e Luce estavam entrelaçados pelo destino, mas ele ainda não sabia o que isso significava, e ele tampouco compreendia a profundidade da conexão. Ele não via o que realmente era aquilo ou simplesmente ignorava. O de fios negros agora estava deitado sobre a cama rolando uma lasca de graphenium entre os dedos, seu olhar perdido no vazio, como se buscasse uma parte de si mesmo que havia sido arrancada. Sua mente o arrastava para um lugar sombrio e desolado, cercado pelas lembranças do passado que não podiam ser esquecidas. A dor da perda de sua doce amada ainda era uma ferida aberta, latejante. Mesmo após o passar do tempo, as imagens daquela noite horrível ainda estavam nítidas em sua memória, como se estivessem gravadas a fogo. O som dos gritos de Morana, os ossos se quebrando sob a tortura, as súplicas ignoradas por todos aqueles presentes, enquanto ele era forçado a assistir, impotente. A lembrança da sua própria impotência era o que mais o atormentava. Forçado a sentir a dor de Morana, a sentir a sua própria incapacidade de salvá-la. O peso da culpa e da raiva ainda o esmagava, tornando difícil respirar. Khaos fechou os olhos, tentando afastar as imagens, os sons, mas elas persistiam, ecoando em sua mente como um lamento. Ele sabia que precisava encontrar uma maneira de superar a dor, de encontrar uma forma de se livrar do laço. Mas, por enquanto, apenas podia se permitir sentir a dor do passado, e esperar que um dia encontrasse a brecha para se vingar. [•••]
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