Mayla Fischer
Passei um bom tempo dentro do quarto com medo da porta ser aberta por ele, mas, logo me lembrei das minhas obrigações. Engoli o choro, limpei o rosto e troquei de roupa para trabalhar e por sorte, é aqui no segundo andar.
Coloquei uma calça bem velha de tecido mesmo, uma blusa simples de manga curta e peguei o balde e esfregão. Comecei a limpar a varanda principal que fica no final do corredor e o intuito era voltando pelo corredor, passar pelos quartos e terminar do outro lado. Claro, é impossível de eu acabar tudo sozinha em uma tarde, mas, cada dia é um cômodo e faça assim há um tempo.
Limpei bem o chão, os móveis, as paredes e na varanda, há uma sala que se junta nela e sempre é preciso limpar as prateleiras. Usei o espanador, pano húmido e esfreguei o chão e nem sei quanto tempo gastei exatamente na sala-varanda, mas ela dá muito trabalho por ser grande. Quando finalizei, confesso que senti um incômodo nas costas e nas pernas, mas a limpeza estava feita.
Guardei tudo no lugar em completo cansaço e fui diretamente para um banho que é onde estou agora. Lavo os cabelos com suavidade e até sem muitas forças nos braços. A minha vontade agora, é de encerrar esse banho e me jogar na cama, mas não posso. Eu ainda tenho aula de costura hoje e não tenho como fugir.
Nunca houve um dia de falta!
Encerro o meu banho para começar a me preparar e escovo os meus dentes antes de me vestir. No closet, procuro uma roupa confortável e opto por um vestido leve que fica nos joelhos. Ele é levemente rodado, tem alças curtas e é todo em branco com detalhes verdes. Começo a passar a escova nos cabelos, secando-o com a tolha e depois, uso perfume para sair do quarto.
Ao colocar o meu pé no primeiro degrau, peço a tudo de mais sagrado para não encontrar mais o meu pai hoje e começo a descer. Porém, meu pedido não é atendido, porque ouço a voz dele enquanto usa o celular. Odeio quando isso ocorre, porque ele pensar que quero ouvir a sua conversa. Acelero os meus passos e tento passar pela sala, porque o local da aula fica no fim do corredor.
É o suficiente para ele me ver.
— Sim, eu não demoro e vou resolver isso... — É o que ele diz e nem olho para ele. — Espere, Mayla! — Paro no mesmo instante e me viro na sua direção.
— Senhor? — Faço um leve aceno lhe dando atenção e ele me olha com a mesma indiferença.
— Soube que está livre de uma das provas finais. A sua professora me ligou! — Confesso que imaginei isso, elas ligam por qualquer coisa.
— Sim, senhor, é verdade! Ela conversou comigo hoje a respeito. — Concluo o olhando e ele pensa um pouco.
— Recebi o seu histórico completo e por ele, eu vi que não há necessidade de aulas extras. — Fico confusa quanto a isso. — Mas, prepare-se! Assim que fizer os seus dezoito anos irá se casar e como sabe, está bem perto. — Isso me deixa tensa e temerosa mesmo por desconfiar.
Imaginar é uma coisa, mas ouvir de fato é bem diferente e não me sinto preparada para isso!
— O senhor já decidiu tudo? — Pergunto curiosa, porque não faço ideia de como isso vai ocorrer.
Ele nunca diz nada e fico sempre as cegas.
— Falta pouco e não dê um passo fora da linha, Mayla! Nem faça nada do que fiz hoje no almoço. As negociações são sérias e não pode conter erros. — Engulo em seco ao notar a ameaça. — Assim que acabar as provas e fizer os seus dezoito anos, você vai se casar. — Ele avisa mais uma vez e noto bem a voz carregada.
— Sim, senhor! — Mesmo com medo, decido falar. — Eu posso saber com quem?
— Não, não pode! — Ele responde com rigidez como sempre. — Mas saberá em breve! Aproveite as últimas aulas residenciais. — Ele dá meia volta e saí pela porta da frente.
Eu sabia que era casamento envolvido, mas, será mesmo com aquele homem? Por que ele não revelou logo se já o conheci?
Não faz sentido, ou, ele quer mesmo me deixar maluca e temerosa!
Continuo o meu caminho para a sala do corredor e ao entrar, vejo tudo pronto, mas a professora ainda não chegou. Fico acomodada na máquina de costura e encaro bem a vista da enorme janela que dá a vista do jardim.
Como eu queria poder sair desses portões e ir para bem longe disso. Eu não faço ideia de como será a minha próxima vida, de como será morar com alguém que nunca vi até agora e temo que seja pior do que vivo hoje. Nas aulas de etiqueta e regras da máfia, já ouvi certas coisas que me deixaram amedrontadas.
Fiquei com tanto medo que passei dias sem dormir direito!
Nós não somos nada aqui, somos apenas um enfeite e um objeto para ser usado quando necessário. E o necessário, é na hora da gerar herdeiros. Apenas isso. Ouvi como homens podem tudo, que tem a liberdade de usar a esposa como quer e depois, pode ir ao bordel ou para qualquer lugar com outras mulheres. Ouvi que homens podem tocar, usar e fazer o que bem querem com o corpo da esposa e ela deve aceitar.
Se ousar recusar, a consequência é crüel!
Me deram exemplos de mulheres que foram presas sem comida por dias, outras já foram espancadas quase que até a morte e outras, mortas perante os funcionários depois de uma sessão de tortura. Isso fora os abusos sexüais.
— Desculpe o atraso, senhorita Fischer! — A professora chega tomando a minha atenção. — Tive um problema com o carro no caminho.
— Não tem problema! — Ela coloca a bolsa num canto e se aproxima. — Vamos terminar o último vestido vermelho? — Aceno em resposta me lembrando dele.
É um vestido longo com renda, contêm um abertüra lateral e faltam vários detalhes ainda.
Gosto dessa professora, ela é praticamente a única que fala comigo de forma cordial, simpática e que me olha com uma certa delicadeza espontânea. Ela pega a peça no armário ao lado e começamos a trabalhar no caimento dele e confesso, aos poucos, o cansaço de antes do serviço vai diminuindo e vou ficando mais leve.
Só espero que essa leveza dure mais tempo ainda.