Heloisa
Depois do abraço reconfortante que trocamos, tinha finalmente chego a hora das perguntas. Eu nem mesmo precisava que eles abrissem a boca para que eu soubesse que ambos estavam atrás de resposta de como aquilo aconteceu. Não foi nada fácil reviver o curto momento de pânico que eu passei com o assaltante tentando fazer com que eu saísse da moto, enquanto eu estava congelada em cima dela. E quando finalmente cheguei na parte onde eu falava sobre a perda do bebê, descobri que não era nada fácil. Eu não sabia se eu estava sensível demais com tudo o que aconteceu, ou se era emoção por finalmente estarmos juntos quando achei que tudo estava acabado. Eu só sei que eu não estava conseguindo controlar as minhas lágrimas.
Podia parecer loucura – e provavelmente era –. Podia parecer cedo, e mais uma vez, – provavelmente era –. Mas eu queria ter tido a chance de ter aquele bebê. Talvez fossem os tais dos hormônios falando por mim naquele momento, mas eu estava desolada por não ter conseguido manter e proteger aquele pedacinho de gente dentro de mim. Era uma coisa nossa. Tínhamos feito algo nosso. E por mais louco que fosse, por mais cedo que fosse, eu queria ter tido a oportunidade de segura-lo em meus braços e ama-lo. Era um pedacinho nosso. Era um pedacinho deles...
— Amor... — eu ainda estava me acostumando a ser chamada assim, mas nem mesmo a voz gostosa de Gáb foi o suficiente para me tirar daquela tristeza.
Naquela altura do campeonato eu nem mesmo conseguia falar mais. Eu só me lembrava do pânico ao sentir a vida do nosso bebê se esvaindo junto ao sangue que escorria pelas minhas pernas. Talvez tivesse sido melhor eu ter desmaiado, assim eu não teria visto tudo o que acontecia, mas eu nem mesmo tive tempo de me despedir. De processar tudo aquilo. Pois quando a enfermeira me contou o que tinha acontecido eu entrei em um transe tão fodido que eu nem mesmo parecia estar ali. E agora, tentando finalmente entender aquela perda e ao mesmo tempo explicar para eles o que tinha acontecido, eu não conseguia continuar fazendo com que as palavras saíssem de minha boca. Doía demais.
— Eu só... — sussurrei deitada na cama entre eles. Meus olhos totalmente fechados, enquanto eu me machucava ainda mais ao imaginar uma vida onde formávamos uma família. Eu não conseguia evitar. — Eu sei que é loucura. Eu nunca parei para pensar realmente em ter filhos. Mas eu queria esse. — coloquei para fora, pois não fazia sentido mentir. Eu não queria mentir. — Está doendo ter perdido o nosso bebê.
— Ah, princesa... — fui abraçada apertado por Bernardo, e naquele momento me agarrei aos seus braços como se eu estivesse me afogando e ele fosse o meu bote salva vidas. Tentar respirar enquanto ele me apertava em um abraço de urso também ajudava, pois eu me concentrava unicamente naquilo. Embora, eventualmente, ele teria que me soltar e eu ficaria com os meus pensamentos dolorosos novamente. Deus do céu... O que seria quando eles precisassem ir? Eu não queria ficar sozinha. — Eu sei que dói. Estou sentindo essa dor também. Podemos não ter tido tanto tempo assim juntos, mas um filho com vocês seria uma felicidade que eu não consigo nem mesmo por em palavras. Eu sinto muito, amor. Me parte o coração te ver desse jeito...
— As vezes a gente não entende os planos de Deus. Perguntamos o porquê e não aceitamos, pois muitas das vezes dói muito. — funguei sobre o peito de Bernardo ao sentir Gáb se aproximar por trás de mim e murmurar com seus lábios próximos a minha bochecha. Nossas mãos estavam entrelaçadas, a minha e as deles, e pousavam juntas em cima do meu ventre plano e agora sem quaisquer indícios de ter um hospede. — Mas precisamos ter fé. Está doendo bastante agora, mas eventualmente vai passar, e vamos estar com você nesse momento e em todos os outros. Eu prometo. — tentei me apegar as suas palavras, enquanto colocava para fora em soluços, toda a dor em meu coração. — Está tudo bem, meu amor. Pode chorar... Estamos aqui, vamos te segurar e não iremos a lugar algum.
E então eu chorei. Chorei como nunca tinha feito antes. Chorei confiando em suas palavras. Chorei pedindo forças e querendo ter a fé que Gáb tinha falado, pois senão eu sentia que iria acabar enlouquecendo por não conseguir entender o quão c***l tudo aquilo podia ser. Eu nem mesmo tive a chance de aceitar aquele presente, e ele estava sendo tirado de mim daquela forma tão horrível.
E eles me seguraram. Limitando-se a me abraçarem e aceitar o aperto dos meus dedos sobre os deles quando a dor em meu coração ficava tão forte que parecia que eu estava sofrendo aquilo sobre o meu corpo. Até que eventualmente eu me acalmei, como Gáb mesmo disse. Não passou, no entanto. A dor ainda estava lá, somente contida, mas eu sentia que não tinha mais lagrimas. O que me restou foi um cansaço imenso, uma dor de cabeça forte e o nariz congestionado.
— Como está? — o sussurro de Gáb chegou até mim, e eu notei pela voz rouca dele o quão emocionado ele também estava. Me senti um pouco egoísta naquele momento, pois ambos estavam deixando suas dores de lado para ficarem a minha disposição. E embora eu não tivesse a coragem de dizer qualquer coisa quanto aquilo, me forcei manter-me o mais controlada possível, pois eu queria ver se ambos estavam bem também.
— Melhor. — pigarrei virando-me de costas na cama e me arrastando pela mesma, até que eu estivesse sentada contra a cabeceira. Notei que ambos tinham os olhos avermelhados quando os olhei, e aquilo me partiu o coração. — Eu sinto...
— Shh... — Bernardo nem mesmo me deixou terminar, pegando em minha mão e entrelaçando nossos dedos. Gáb fez o mesmo com a minha outra mão, e os dois se aproximaram um pouco mais, deitando suas cabeças em minha barriga e deixando um beijo ali. Meus olhos quiseram marejar com aquele gesto, mas eu segurei.
— Vocês podem ficar hoje? — embora eu precisasse deles comigo naquele momento, eu não tinha a intenção de fazer a pergunta, pois eu sabia que eles tinham coisas para fazer, trabalho para dar conta e suas vidas para seguirem. Mas me vi não conseguindo manter a boca fechada e fazendo a pergunta, desejando no mais intimo do meu ser que a resposta fosse positiva.
— Não pretendemos ir a lugar algum. Embora talvez a gente precise pedir para a sua mãe primeiro. — foi Gáb quem respondeu, acalmando o meu coração angustiado. Eu sabia que minha mãe nunca os expulsaria, desde que tinha sido ela quem foi atrás deles, mas eu não pude deixar de ficar apreensiva sobre ela os deixando dormir aqui.
— Ela vai deixar... — me peguei murmurando, mesmo sem tanta convicção na voz. Somente um desejo mais profundo, enquanto os apertava um pouco mais contra mim. Como se aquilo fosse o suficiente para faze-los ficar ali para sempre.
— Já venho. — Bernardo se levantou, de repente, e saiu do quarto depois de deixar um selinho em meus lábios e nos de Gáb. Observamos ele sair do quarto e deixar a porta entreaberta. Logo as vozes dele e de minha mãe ecoavam, mas não o suficiente para que pudéssemos escutar o que estava rolando.
— Se ela não deixar, eu irei com vocês. Eu não quero dormir sozinha. — sentenciei, ainda de orelhas em pé tentando escutar o que estava rolando lá na cozinha. — Ele está demorando...
— Já venho. — Gáb também se levantou, deixando sobre meus lábios um selinho rápido antes de desaparecer pela porta que ele fechou atrás de si ao passar. Meeeerda. Daquela forma as vozes não chegavam até mim, nem mesmo abafadas, e eu estava me roendo de ansiedade e curiosidade. Ao mesmo tempo que eu queria saber o que a minha mãe achava de tudo aquilo, eu também temia. Era certo que eu queria ficar com eles, ter um relacionamento e tudo o que vinha no combo. Mas eu seguiria com aquilo mesmo com a desaprovação de dona Ana? Eu só podia torcer para que ela não desaprovasse.
Antes que eu pulasse da cama e fosse atrás deles e de respostas, a porta se abriu novamente e por ela passaram Gáb e Bernardo. Esse ultimo carregando uma bandeja com um prato fundo cheio de sopa fumegante. Meu estomago deu um salto naquele momento, pois embora eu não sentisse fome, eu sabia que eu seria obrigada por eles e pela minha mãe.
— A condição foi essa. — foi tudo o que Bernardo disse ao se sentar, segurar a bandeja com uma mão só, equilibrando o prato de vidro, e estender uma colher cheia de sopa em minha direção.
Eu nem mesmo protestei, enquanto abria a minha boca e aceitava o caldo quente, fazendo-o descer pela minha garganta. Eu não sentia um pingo de fome, mas se aquilo era o trato para que eles ficassem comigo, eu aceitaria de bom grado.
— Me ajudem com isso. É muito. — precisei insistir um pouco, mas Bernardo e Gabriel aceitaram algumas colheradas, e juntos acabamos com o prato de sopa rapidamente.
Minha mãe sempre comprou pacotes com várias escovas de dentes por ser mais barato, e naquele momento eu agradeci por aquilo. Escovamos os dentes no banheiro sem encontrar minha mãe ou Paula pelo caminho, e quando finalmente terminamos, eu tomei um banho rápido, troquei a roupa que eu estava por um pijama com vários desenhos de coração e me enfiei na cama, observando-os retirarem suas blusas e calças e esperando para que os corpos grandes e quentinhos me aquecessem.
A cama era de casal, mas não tinha sido feita para três pessoas. Porém quando me aconcheguei entre eles, eu não me importei nem um pouco com aquilo. Estávamos apertados, mas estávamos juntos. E aquilo parecia tão certo quanto respirar ar fresco. Eu só esperava que o amanhã fosse um pouco melhor, pois passado a euforia de finalmente perceber que nos amávamos e que tudo aquilo poderia ter sido evitado se eu tivesse sido franca quanto aos meus sentimentos, eu agora começava a pensar nas consequências que aquilo teria para nós.
Eu os queria e estava certa disso, mas não poderia deixar de temer com o que viria a seguir. Eu só esperava ser tão forte quanto eu achava que era. Eu tinha a intenção de deixar para lá qualquer tipo de comentário negativo referente a nós, mas eu sabia que desejar era diferente de fazer, mas me restava ser confiante.
E naquele momento, enquanto eu me aconchegava em seus corpos duros e quentes, eu prometi a mim mesma que não me magoaria com ninguém que não valesse a pena. Eles estavam fazendo aquilo por mim, deixando seu sossego e a sua paz de espirito para assumirmos um relacionamento. O mínimo que eu poderia fazer era ser tão forte e corajosa quanto eles estavam sendo. E eu seria.
As únicas opiniões que me importavam eram as de Paula e minha mãe, e elas pareciam estar bem quanto aquilo. Então eu não pensaria duas vezes em dar as costas para aqueles que não estivessem felizes com a minha escolha de vida. Doeria me afastar, mas eu não queria ninguém ao meu lado que não estivesse contente pela minha escolha e felicidade.
Os abracei mais apertado e finalmente me deixei levar pelo sono. Entretanto não deixei de desejar que o amanhã fosse melhor que o hoje.