Capítulo 1

2120 Words
Dona Ana Eu não pude deixar de espiar, enquanto me revezava entre mexer a sopa que estava no fogo e olhar o que acontecia naquele quarto. Não que eu não confiasse em minha menina, ou até mesmo desconfiasse que aqueles dois rapazes fossem capaz de machuca-la de alguma forma. Não. Eu pude ver em suas expressões o quanto eles ficaram desesperados ao me ver aparecer de surpresa na porta de sua casa. E enquanto caminhávamos até Helô, eu pude notar que a preocupação era somente com o bem estar dela. Se eu tinha alguma duvida quanto aos sentimentos daqueles três, aquilo caiu por terra no momento em que os observei compartilharem um abraço apertado. Confesso que nunca foi do meu feitio ser bisbilhoteira, mas no momento em que eles entraram naquele quarto e os soluços de Heloisa ecoaram, chegando até mim na cozinha, a minha preocupação venceu e eu precisei ver como ela estava. Eu não tinha a pretensão de escutar o desabafo da minha filha, mas acabei escutando. E o meu coração de mãe se apertava cada vez mais, enquanto eu me perguntava se eu tinha mesmo feito o certo ao levar aqueles dois até ela. Não posso mentir... Passou sim pela minha cabeça que aqueles dois talvez estivessem somente usando a minha menina para sexo ou qualquer outro tipo de depravação. Mas eu me enganei ao ver suas expressões preocupadas e suas perguntas sobre o bem estar dela. E me enganei novamente ao ser telespectadora do abraço apertado e das juras de amor que os três trocavam baixinho entre o choro aliviado. Meus olhos estavam marejados quando me afastei dali de vez e voltei para as minhas panelas. Eu estava mais do que pensativa, pois embora eu pudesse ver o que aqueles três sentiam, embora eu pudesse aceitar e concordar com aquilo unicamente porque eu amava Heloisa e a queria bem. Eu também não conseguia deixar de imaginar o quão difícil seria a jornada que aqueles três trilhariam. Bairro pequeno. Bastante gente com uma criação antiquada, e o pior... Muita, muita fofoca. Eu nem mesmo queria imaginar as conversas que rolariam e que envolveriam o nome daqueles três. Ai Heloisa... — Mãe? — por um momento eu tinha até me esquecido que Paula ainda estava acordada. Limpei o canto dos olhos disfarçadamente e continuei a mexer a sopa com a colher de p*u que Paula deixou dentro de um prato de vidro. — Tá tudo bem? A senhora não vai brigar com a Helô, vai? A encarei naquele momento e não foi espanto algum notar que ela não estava achando nada daquilo uma novidade estranha. Eu sabia que minhas filhas eram amigas e confidentes, mas eu não imaginei que Helô iria abrir aquele segredo tão intimo para a sua irmã. Eu conhecia cada uma das minhas crias, e no caso de Heloisa, eu sabia o quão reservada ela era. — Você sabia disso? — ao invés de responde-la, eu somente inclinei a cabeça em direção ao quarto de Heloisa, enquanto fazia a minha pergunta. Paula ainda hesitou por um momento, seus olhos se perdendo em direção ao corredor, onde Helô ainda estava com aqueles dois rapazes. Mas por fim ela suspirou e assentiu. — Por que não me contou, Paula? — Não era o meu segredo para contar, mãe. — respondeu tão logo eu perguntei, sentando-se a mesa da cozinha e me encarando com atenção. — Helô é maior de idade, sabe o que faz. Ela é mais ajuizada até mesmo do que nós duas. Eu não vi nada de errado naquilo. Estavam se divertindo e ninguém tem que se meter. — abri a minha boca ao ouvir aquilo. — Nem mesmo a senhora. Com todo o respeito, é claro. — bufei com o seu sorrisinho descarado. — Você não vai brigar com ela, vai? Está toda triste ai... Eu vi, não adianta disfarçar. Por que chamou eles, se não concorda? — Não é que eu não concorde, Paula. Obvio que isso não é o que eu escolheria para Heloisa, se eu pudesse escolher alguma coisa. — lancei mais um olhar em direção ao quarto, antes de respirar profundamente e voltar para a minha panela no fogo. Mexi o caldeirão de ferro para que a sopa não grudasse no fundo e depois me afastei para me sentar em frente a minha filha mais nova. — Eu só não quero que Helô se machuque. E ela vai. — A gente nunca machucaria ela, dona Ana. — por um momento me assustei com a voz grave soando atrás de mim. Olhei sob o ombro, mesmo que nem precisasse para saber quem era. — Desculpe, eu não queria ficar ouvindo, mas eu estava saindo e acabei escutando essa ultima parte. — Bernardo se desculpou ao se aproximar de nós duas. — Eu imagino que esteja preocupada com a Helô, mas não estamos brincando com os sentimentos da sua filha. É difícil aceitar isso tudo, eu sei, mas acredite em mim quando eu digo que a amamos. Engoli em seco ao ouvir o seu tom sério. Homens em geral não se mostravam tão abertos a revelarem seus sentimentos à terceiros. Mas Bernardo não tinha aquele problema, e me encarava nos olhos ao dizer aquilo. Pigarrei desviando o olhar e encontrando Paula encarando-o toda embasbacada e com um sorriso no canto dos lábios. Bufei para aquilo e lhe dei um tapa na nuca, arrancando o sorriso pateta de sua boca e um franzir irritado de testa. — O que? — grunhiu em minha direção e eu rolei os olhos. — Para de babar no namorado da sua irmã. — falei aquilo brincando, somente para lhe fazer corar, embora eu precisasse admitir que era estranho. Um dos namorados. — Eu não estou preocupada com os sentimentos de vocês, Bernardo. Estou preocupada com o que vai ser quando isso tudo estourar. Ou pretendem manter em segredo? — não consegui evitar o tom acido na minha voz, e quando o olhei, foi a vez dele de desviar desconfortável. — Eu não quero esconder. Acredito que Gáb também não queira. Mas iremos fazer o que a Helô decidir. — sua resposta me pegou de surpresa por um momento. — Por quê? — ele deu de ombros quando acabei perguntando. — Porque ela é importante demais para nós, para que a chateássemos por isso. Eu estou ciente que terá conversa, que seremos assunto na boca desse povo. Gáb e eu sabemos como é isso tudo. E se Helô não estiver pronta para expor o nosso relacionamento, tudo bem também. Só queremos o bem dela, dona Ana. — Eu sei. — precisei concordar naquele momento. Eu não tinha argumentos para ir contra ele, e nem mesmo queria. O abraço que os três tinham compartilhado com a minha filha naquele quarto ainda estava vivido em minha memória. — Você precisa de algo? A Helô já decidiu comer? Ela precisa. — reforcei nessa ultima parte, porque não faria m*l algum ter um aliado na tarefa de alimentar aquela menina teimosa. — Ela vai. — me garantiu, e apesar de não gostar do seu tom mandão, eu me calei, pois naquele momento estávamos do mesmo lado. — Eu não quero abusar da sua boa vontade, mas eu queria saber se poderíamos ficar hoje. Aquela foi a minha vez de piscar embasbacada. A minha boca só não se abriu em choque, porque eu trinquei os dentes com força. Era isso. Estava realmente acontecendo. Parecia que a ficha ainda não tinha caído. Aquele rapaz, que muitas vezes julguei ser tão bonito e um desperdício para jogar no time dos homens, estava ali na minha frente pedindo para dormir em minha casa, pois queria ficar perto da minha filha. Diversas vezes quando eu olhava para Bernardo, já o associava a Gabriel, e agora eu precisaria aprender a associa-los a Heloisa. Aquilo era tão estranho... E como se soubesse o teor dos meus pensamentos, o outro rapaz veio saindo pelo corredor dos quartos. Os olhos verdes se cravando em mim no exato momento em que se fez presente na cozinha. — Tudo bem por aqui? — a testa de Gabriel se franziu em direção a Bernardo, até que ele voltou sua atenção para mim e respirou fundo. — Dona Ana, gostaríamos de passar a noite com a Helô. Tudo bem para a senhora? — Gabriel! — a voz de Bernardo soando irritada foi o que me tirou do torpor. — O que? Vocês três estavam ai quietos, eu nem sabia se você já tinha pedido. Resolvi ir logo direto ao assunto. A risada escandalosa de Paula ecoou por toda a cozinha, e eu respirei fundo, me descongelando. Voltei a mexer em minha panela, enquanto tentava digerir que agora Heloisa estava com aqueles dois, e que por mais estranho isso fosse, eu teria que aceitar se quisesse o bem da minha filha. Pelo menos alguém estava se divertindo com aquilo. — Eu já tinha pedido, Gáb. Só estava esperando a resposta da mãe dela. — Bernardo ainda soava irritado ao responde-lo. E por mais louco que aquilo fosse, naquele momento tudo o que eu me perguntava era como ficava tudo aquilo com Helô entrando no relacionamento deles. Eles não eram gays? — Ok. Me desculpe. Eu sei que provavelmente a senhora deve estar querendo uma explicação. Mas nesse momento eu só quero ficar do lado dela. Não consigo nem imaginar o quão assustada ela ficou com tudo isso. Por favor, dona Ana. Eu sei que tudo isso é diferente para a senhora, mas eu juro pela minha vida que não estamos brincando com a sua filha. — Gáb falou aquilo tudo tão rápido que eu quase não entendi. Eles não precisavam afirmar nada para mim, eu podia ver aquilo. A única coisa que ainda me deixava preocupada era em como a cabeça e o coração de Helô ficariam no decorrer dos dias. Era o amanha que eu temia. — Eu não queria move-la depois de tudo o que aconteceu, mas se a senhor não estiver se sentindo confortável conosco aqui, podemos leva-la... — Vocês podem ficar, meninos. — desliguei o fogo e passei a colher de p*u uma ultima vez dentro da panela, certificando-me de que tudo estava muito bem cozido e nada queimado. — Eu acredito em vocês quando dizem que amam a Heloisa. E sim, isso é bem... Diferente. — respirei fundo uma única vez, virando-me para eles e travando o meu olhar em seus olhos bem menos preocupados agora. — Quando eu disse que Heloisa iria sofrer, eu estava me referindo ao povo descobrindo sobre tudo isso. — olhei diretamente para Bernardo ao dizer aquilo. — Tenham em mente isso. Ela pode se fazer de forte, mas é sensível. Ela vai ligar sim, para os comentários do povo. — Sabemos. — Gáb estava com o semblante triste e preocupado ao confessar aquilo. — Podem ficar hoje. Eu não tenho nada contra o relacionamento de vocês, ou até mesmo contra vocês. Só estou preocupada com a Helô. — também confessei triste, deixando-os a par das minhas preocupações. — Bem vindos a família. — tentei sorrir no final da frase. Era certo que teríamos que se acostumar com eles, assim como eles teriam que se acostumar conosco. Evitei de pensar no resto da família e no bando de marmanjos que eu chamava de sobrinhos e que foram criados antiquadamente ou eu teria uma dor de cabeça antes do tempo. — Me ajudem a convencer Heloisa a comer e sintam-se em casa. — me voltei para a pia para começar a lavar as minhas sujeiras, mas não sem antes ver os sorrisos aliviados em ambos os rostos. — Mas não muito! — me voltei para eles, de repente, lançando-lhes meu olhar severo e vendo-os desviarem os olhos de mim. Paula riu novamente e os enxotou para o quarto de Heloisa. Ela ainda tinha a sombra de um sorriso em seu rosto, quando seu olhar se cruzou com o meu. Uma piscadela foi lançava em minha direção e eu rolei meus olhos para ela, mania essa que tinha ganhado dela mesma. Eu poderia brigar, me opor e no final, somente arrumar uma briga e uma completa dor de cabeça em relação a isso com a minha filha. Minhas filhas, pois eu sabia que Paula ficaria do lado de Heloisa. E eu não queria aquilo. Eu não queria brigas entre nós. Minhas filhas eram a minha vida e elas tinham sorte por eu ser mais mente aberta do que deixava transparecer. Então naquele momento só me restou terminar de lavar a minha louça e pedir mentalmente a Deus para que aqueles rapazes ficassem ao lado da minha Helô quando aquilo finalmente estourasse e ela caísse na boca daquele povo. 
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