No dia seguinte, depois de dar a sua aula da manhã, Rosângela recebeu a visita de Telma.
- Vim saber como você está. Está mais calma?
- Se você está perguntando por causa da vinda daquela mulher aqui ontem, estou.
- O Ronaldo esteve aqui logo depois, não foi?
- Eu falei pra ele que por um pouquinho, eles não se encontravam aqui.
- E ele?
- Ficou possesso. Disse que se chegasse aqui de desse de cara com ela, não ia ser você que iria lhe dar uns tapas. Ele mesmo cuidaria disso.
- Ele é violento?
- Comigo nunca foi.
- Vai ver falou da boca pra fora.
- Também nunca vi ele jogar conversa fora. Acredito que com a raiva que ficou, poderia ter perdido a cabeça mesmo. Ele ficou vermelho de raiva, quando eu disse que ela tinha estado aqui.
- E como ele tratou as crianças?
- Do mesmo modo carinhoso de antigamente. Só que pediu para voltar pra casa. Disse novamente que estava fora de si quando se deixou envolver por aquela mulher. Tinha pensado em sair uma vez só com ela e depois esquecer, mas ela ficou perseguindo ele na saída do trabalho e conseguiu o endereço daqui, na certa seguindo ele também.
- Cruzes, essa mulher se apaixonou mesmo por ele.
- Segundo ele, o que ela queria era ter uma vida de conforto e luxo, mas a pensão das crianças, tirou a oportunidade dela ter isso e foi quando começaram a se desentender.
- Ele está reclamando de dar pensão?
- Não, pelo contrário, disse que devia estar maluco, quando se recusou a pagar.
- E você já resolveu se vai deixar ele voltar ou não?
- Ainda estou estudando o assunto.
- Cuidado pra não deixar passar tempo demais e ele se interessar por outra.
- Se isso acontecer será porque não me ama de verdade. Se for assim, é melhor continuarmos separados mesmo.
- Não acredito que você esteja pensando assim. O cara está se humilhando quase todos os dias pra você. Se isso não é amor é o que?
- Talvez queira de volta o lar tranquilo que tinha antigamente.
- Isso ele pode construir com outra pessoa. Ele te ama. Não entendo essa sua dúvida disso.
- Depois de ter sido traída, a gente duvida de tudo o que o outro disser.
- Você quer que eu pergunte no centro se vocês vão ser felizes, juntos de novo?
- Eles respondem isso também?
- Se puderem, respondem.
- Se puderem, como?
- Nem tudo eles tem permissão para falar. A vida nos manda um problema, para nos ensinar alguma coisa. Se tudo, a gente perguntar, não vamos aprender nada e não vamos evoluir.
- Quer dizer que todos os problemas são lições de vida?
- Sim. Nós só passamos, pelo que temos que passar.
- Entendi. Pergunta, se eles puderem responder, você me diz.
- Só vou lá na quarta-feira.
- E ele só deve vir no sábado. Não quer atrapalhar as minhas aulas.
- Tá bom. Duvido que ele fique uma semana longe daqui.
Assim que Telma acabou de falar, tocaram a campainha. Quando Rosângela foi ver quem era, deu com Ronaldo no portão. Falou para a amiga:
- É ele. Está aqui de novo.
- Vou embora então e deixar vocês a vontade para conversar.
- Obrigada.
Telma cumprimentou Ronaldo, que aproveitou para lhe pedir desculpas pela discussão que tinham tido.
Telma aceitou as desculpas e foi embora pra casa.
Ronaldo entrou e informou:
- Vim até aqui, te falar que começo a trabalhar amanhã.
- Arranjou emprego?
- Arranjei. Andei distribuindo currículo por aí e hoje cedo me chamaram para uma entrevista. Vou começar amanhã.
- Boa sorte. Que tudo corra bem.
- Vai correr. É uma empresa maior do que a que eu trabalhava e vou ganhar mais. Se você quiser, pode parar de dar aulas.
- Estou gostando do que faço.
- Mas você detestava dar aulas no colégio!
- Era diferente. Aqui as turmas são menores e os alunos selecionados por mim. É muito diferente. E o que ganho, também é bem mais que no colégio.
- Agora, pra minha felicidade completa, só falta você me perdoar e aceitar que eu volte pra casa.
- Eu pedi pra você não me pressionar.
- Desculpa. Só falei o que sinto.
- Eu te pedi um tempo para pensar e isso foi ontem.
- Desculpa. Posso entrar pra dar um beijo nas crianças?
- Claro. Se quiser, almoça conosco.
- Não. Quero dar a boa notícia pra minha mãe também. Não posso demorar.
- O almoço está pronto e está na hora de dar o da Regina. Depois do almoço, as crianças vão dormir e eu dou duas aulas a tarde. Aí você vai.
- Está bem. Vou lavar as mãos para dar a comida da menina.
Ronaldo se encaminhou para o banheiro, mas na porta lembrou:
- Dá licença de eu lavar as mãos.
- Claro. Fica a vontade.
Ronaldo saiu do banheiro e a mamadeira da criança estava pronta. Deu a sopinha da menina e depois que ela arrotou, devolveu a menina ao berço.
Sentou para almoçar com os meninos e Rosângela. Quando os meninos terminaram de comer foram deitar e Ronaldo ajudou Rosângela com a louça e a limpeza da cozinha.
Quando terminaram, se despediu dizendo:
- Parecia que tínhamos voltado no tempo.
- Senti a mesma coisa. Mas não me pressiona.
- Tá bom. Vou embora agora, dar a notícia pra dona Rita.
Num hábito antigo, deu um selinho em Rosângela e saiu.
Rosângela ficou tão surpresa que não disse nada. Tinha percebido que o gesto foi por hábito. Mas não podia negar que tinha gostado do beijo.
Tinha sido dado na porta, e Telma havia assistido. Correu pra falar com ela.
- Ele foi pegar as coisas dele?
- Não. Foi pra casa da mãe aonde mora.
- Mas eu vi que vocês se beijaram.
- Foi força do hábito, nada mais.
- Sei. Rosângela, porque você não assume logo que quer o teu marido de volta?
- Não tenho certeza ainda disso.
- Engraçado, eu tenho.
- Ele veio me dizer que começa a trabalhar amanhã.
- Que bom. Agora vai dar tudo certo.
- No final, foi até bom ele ter se demitido do outro. Era lá que a fulana cercava ele.
- É o ditado: Deus escreve certo, por linhas tortas.
- É verdade. Agora só vai vir nos finais de semana. Vai começar a trabalhar.
- Ou pode vir todos os dias depois do trabalho, só depende de você.
- Não me pressiona também.
- Depois, você vai se arrepender do tempo que perdeu.
- Pode ser. Mas está difícil pra eu chegar a uma decisão. E se ele fizer de novo?
- Você sabe que ele não vai fazer.
- Como posso ter essa certeza?
- A certeza, só o tempo vai te dar. Mas ele está fazendo de tudo para ganhar o seu perdão e a sua confiança. Não é o bastante, ver o arrependimento dele?
- Realmente, ele está se esforçando. Agora deixa eu arrumar o material da próxima aula.
- Não deixa a felicidade escapar por orgulho. Você pode se arrepender.
- No sábado, quando ele voltar, vou dar a resposta a ele.
- E qual vai ser?
- Isso eu ainda não tenho certeza.
- Você sabe que vai ser sim. Só não quer admitir. Não responda pra mim, mas pra você mesma e vai ver que eu tenho razão. O que você sentiu com o beijo?
- Fiquei emocionada.
- Já respondeu. É sim!