Abraham deixou Marcus sozinho com seus pensamentos enquanto dirigia para a propriedade. Marcus teve que admirar o homem que sempre sabia quando falar e quando ficar em silêncio. Ele não conseguia evitar a tensão que se instalava nele conforme eles se aproximavam de casa. Já haviam se passado cinco anos desde que ele colocou os pés aqui e ele não estava ansioso por isso. Ele ainda se lembrava do dia em que seu avô o confrontou. Isso se repetia em sua mente sem parar.
* * *
"Mestre Marcus", cumprimentou Abraham quando ele chegou em casa cambaleando e só meio se lembrando do que havia feito na noite anterior.
"E aí, Abby!", Marcus riu. "Você poderia preparar um banho para mim? Não sei se vou sentar nele ou bebê-lo. Eu decido mais tarde."
"Uma xícara de café seria melhor", Abraham franziu a testa. "Seu avô te chamou. Ele queria saber assim que você voltasse para casa depois do seu último... passeio."
Essas palavras sozinhas deixaram Marcus sóbrio quase instantaneamente. Não era frequente seu avô chamá-lo e ainda menos quando era para algo oficial. Com um aceno de compreensão, ele se dirigiu ao escritório. Lá ele encontrou seu avô atrás da mesa lendo um relatório.
"Sente-se", ele disse sem levantar o olhar.
Miles Avery era um homem calmo e geralmente educado, mas isso escondia uma personalidade bastante temível quando escolhia exercer sua autoridade. Seu cabelo que antes era escuro agora era cinza-prateado, embora ainda fosse espesso, o que confortava Marcus, pois ele se lembrava que seu pai ficou careca bastante cedo.
Assim como os Worthingtons, a fortuna dos Avery estava especializada em um setor: a medicina. Tudo começou com o bisavô de Miles, que era médico e construiu uma prática próspera. A tendência continuou com seu filho e netos, expandindo-a de uma simples prática particular para múltiplos hospitais por toda a cidade. Os Avery passaram então a ditar a outros médicos para realizar os tratamentos propriamente ditos e passaram a cuidar da administração. Eles expandiram seu domínio financiando pesquisas médicas e investindo em novas tecnologias, mas o foco sempre foi fornecer cuidados médicos acessíveis e de última geração.
Marcus se sentou, ousando não dizer uma palavra enquanto estudava seu avô. Para a maioria das pessoas, ele era uma figura formidável, severa, porém justa. No entanto, na memória de Marcus, ele era um homem caloroso e cuidadoso. Seu avô nunca tinha uma palavra dura para ele e geralmente era um cúmplice quando se tratava de frustrar as tentativas de sua mãe de impor regras ainda mais rígidas.
Mas aquela calma estava ausente agora, enquanto Miles colocava o relatório que lhe fora entregue apenas uma hora atrás. Sem tirar os olhos do trabalho, ele perguntou: “Quanto tempo faz desde o seu aniversário?”
Marcus hesitou. Quanto tempo fazia mesmo? "Ah... três meses."
Miles assentiu: "Bem, agora você tem vinte e sete anos. O que você aprendeu?"
Marcus franzia a testa. Não era a primeira vez que as perguntas de seu avô pareciam surgir do nada. Desde que Marcus era pequeno, seu avô gostava de desafiá-lo a pensar sobre as coisas de uma perspectiva diferente. Dessa vez, ele não tinha certeza do que seu avô pretendia, então não sabia qual resposta o satisfaria.
"... Não tenho certeza..."
Miles de repente bateu com o punho na mesa. O barulho alto ecoou pelo ambiente e Marcus ficou atento. O olhar furioso de seu avô fixou-se nele. Era a primeira vez que ele enfrentava a verdadeira raiva de seu avô.
"Por quanto tempo você pretende se fazer de vítima?", Miles exigiu. "Você perdeu seu pai muito jovem. Eu sei disso! Mas isso é motivo para viver assim? Um garoto que se recusa a crescer! Álcool? Festas? Devassidão?"
"Melhor me matar de trabalho, eu suponho!" Marcus retrucou, surpreso por sua própria raiva.
"Claro que não", Miles rebateu, para o choque de Marcus. "Mas, droga, tinha que existir um meio-termo!"
Marcus abriu a boca para responder, mas a fechou sem dizer uma palavra. Ele não conseguia se lembrar da última vez em que tinha ouvido seu avô xingar. A dor e angústia nos olhos de Miles eram muito reais. Havia muitas coisas que Marcus poderia suportar, mas a decepção de seu avô não era uma delas.
"Você é inteligente. Você tem tanto potencial", Miles continuou: "Eu tenho observado e esperado que você perceba isso, mas não consigo assistir a essa... essa depravação mais. Eu não estou ficando mais jovem e você é meu único herdeiro."
"Sempre tem a Elizabeth... ela quer isso."
Miles bufou: "Não diga esse nome para mim."
Marcus se sobressaltou com as p************s de seu avô. Elizabeth Quenn era filha de amigos próximos de sua mãe. Eles cresceram juntos e, desde pequenos, Elizabeth declarou com orgulho que seria a mulher mais poderosa de Nova York. Não era segredo que sua mãe pretendia que eles se casassem, mas Marcus não sentia atração alguma por ela. Isso não mudou à medida que cresciam. Se algo, seu desprezo por ela apenas aumentou.
"Essa criança não tem um osso compassivo em seu corpo. Ela não está apta a ser responsável por uma torradeira, quanto mais um hospital."
"Desde quando você precisa de compaixão para ganhar dinheiro?"
"Não é sobre o dinheiro, garoto. É sobre as pessoas. Talvez não sejamos médicos, mas não podemos esquecer das pessoas que dependem de nós. Vidas dependem de nós. As pessoas são mais importantes do que o lucro. Essa mulher e sua mãe podem pensar que eu a farei minha sucessora, mas elas estão completamente enganadas."
"Então o que você vai fazer?"
"Estou te dando a chance de provar seu potencial", disse Miles depois de um momento. Ele pegou um envelope e jogou-o sobre a mesa.
Marcus o pegou e abriu hesitante. Dentro havia uma passagem de avião de primeira classe e seu passaporte. Franzindo a testa, ele olhou para o avô.
"Eu pedi um favor de um velho amigo meu, um dos meus companheiros de guerra", disse Miles. "Ele concordou em te aceitar como estagiário em seus escritórios europeus."
"Escritórios? Não um hospital?"
"Administração é administração. Haverá tempo suficiente para aprender os detalhes da administração hospitalar depois. Isso é sobre colocar sua cabeça no lugar", Miles acenou com a mão em sinal de desdém. "Você tem cinco anos para provar que é digno de ser meu sucessor."
"E se eu não conseguir?"
"Eu encontrarei outra pessoa. Pela primeira vez desde a sua fundação, um Avery não estará no nosso Conselho de Diretores. Mas eu não comprometerei nossa missão por um nome. Cinco anos, garoto."
Marcus abanou a cabeça. E aqui ele pensava que Donovan Worthington levava o prêmio com sua competição ridícula entre seus filhos. Aparentemente ele não tinha nada perto de Miles Avery. Marcus se levantou quando seu avô veio ao redor da mesa apoiando-se pesadamente em sua bengala. Miles colocou uma mão no ombro de seu neto e apertou.
"Você só precisa acreditar em si mesmo como eu sempre acreditei em você. Mas não se engane, Julius é um mestre rigoroso e eu disse a ele para não pegar leve com você."
Marcus sentiu um frio passar por seu corpo. Seu avô não poderia querer dizer quem ele achava que ele queria dizer. Os DaLair não eram uma família para ser levada de forma leviana. Será que seu avô realmente fez um acordo com eles? Será que ele realmente conhecia Augustus DaLair? Ele disse que eram companheiros de guerra.
"Eu sugiro que você tome um banho e arrume suas coisas. Você tem quatro horas antes do seu avião partir. Me faça orgulhoso."