Capítulo 4

3015 Words
Gabriela    Beberico um pouco da bebida ainda quente e doce que parece acalentar meu coração. Falamos sobre coisas alegres. Histórias de escola e rimos. Me sinto leve. Feliz como a muito tempo não me sentia. Acho que é a primeira vez que não choro até cair no sono no meu aniversário. Ao contrário. Não paro de sorrir desde que encontrei com o senhor Giovanni. Terminamos o chocolate e ainda assim continuamos a conversar sobre banalidades da vida. Gosto como ele parece realmente atento a tudo o que falo. O tempo passa que nem mesmo percebo as horas correndo.    _ Está ficando tarde. - Falo olhando surpresa para as horas no relógio pendurado na parede da cozinha. - Amanhã eu tenho que trabalhar cedo e não posso me atrasar. – Digo levantando do banquinho. – Vou só lavar e guardar essa louça e então vou embora.     _ Nada disso. – Ele segura a minha mão e sinto algo correr pelo meu corpo. Nunca senti nada parecido. Ele toca meu rosto e fecho os olhos aproveitando a caricia. Borboletas parecem voar enlouquecidas em minha barriga. – Como consegue ser assim tão linda? – Questiona e nossos olhares se encontram.    Ele se aproxima lentamente e nossos halitos se misturam. Meu olhar recaí até seus lábios entre abertos e depois volta para encontrar novamente o infinito azul dos seus olhos. E então sem que eu espere ele me beija de surpresa. O beijo que começa tranquilo e tímido agora ganha mais intensidade. Nossas línguas dançam juntas em um ritmo lento e sincronisado. Minhas mãos que espalmavam seu peito deslizam envolvendo seu pescoço enquanto as mãos dele pousam em minha cintura me puxando cada vez mais para perto colando nossos corpos.    _ Isso não devia ter acontecido. – Falo quando nos separamos um pouco em busca de ar. Suas mãos ainda pousam em minhas costas e minhas mãos ainda lhe envolvem o pescoço. – Já está tarde. - Digo buscando força para me desvencilhar dele. - Preciso ir. – Digo consegundo me afastar dele por completo mesmo com meus instintos gritando para ficar e beijá-lo mais e mais.    Praticamente corro para casa sem olhar para trás com medo de desistir de ir embora e volta para os seus braços. Vou direto para o banheiro e me enfio debaixo do chuveiro tentando fazer com que a água quente tranquilize meu coração que se n**a a bater no ritmo correto. Meus lábios, assim como meu corpo, ainda queimam por conta do beijo e o cheiro dele ainda está vivo em minhas narinas. Não sei onde estava com a cabeça quando aceitei o convite de Giovanni. Eu deveria ter recusado e vindo direto para cá. Mas lógico que a garota carente que vive em mim ficou maravilhada por ter companhia nesse dia que deveria ser repleto de alegria e que há dez anos vem sendo cheio de dor e sofrimento. Desligo o chuveiro com um suspiro cansado e sigo para o quarto enrolada em uma toalha.    Visto o meu pijama e me deito olhando para o teto ainda pensando nos olhos de Giovanni a me encararem enquanto ele me ouvia atento. Checo o meu celular para ver se Hélio me mandou alguma mensagem, mas não tem nada. Não sei se a ausência de notícias é um bom ou m*l sinal. De qualquer forma é melhor mante a cautela. Nunca se deve confiar nas atitudes desses dois malucos. Deixo o aparelho de lado e me enfio debaixo das cobertas e durmo um sono sem sonhos. Apenas me deixo ser vencida pelo cansaço do dia corrido.    Os dias vão passando rápido. Já faz uma semana que estou trabalhando para os D'Angelo e que fugi da casa de tia Joana. Aliás, fugir tem se tornado um novo hábito meu já que tenho fugido de Giovanni desde que nos beijamos naquela noite e não tenho falado mais que o essencial com ele. Sempre que ele se aproxima eu o corto e me afasto. Sei que por mais que ele seja lindo, engraçado e um ótimo tio. Ele pode apenas estar querendo brincar comigo. Ou sentiu pena de como eu estava aquela noite e por isso me beijou naquela noite. As duas opções me causam uma dor inimaginável. Mas preciso ser realista. Um homem como ele nunca olharia para uma garota como eu.    É sempre uma tortura ter que limpar o quarto dele. Sentir o seu cheiro todos os dias tão perto de mim e ter que esconder o efeito que isso me causa é sufocante. Hoje é o grande dia. Dona Camila organizou uma grande festa no meio da tarde e convidou todos os familiares, amigos e até mesmo os funcionários estão na lista para comemorar o grande prêmio que a vinícola D'Angelo ganhou. Ajudo Cida a arrumar uma grande mesa no jardim da frente que da vista para as lindas videiras. As meninas nos ajudam sorrindo e saltando de tanta alegria.    _ Animada para a festa, Gabriela? – Dona Bruna me pergunta com um enorme sorriso. Nunca imaginei que pessoas ricas pudessem ser tão simpáticas quanto os D’Angelo. Quando cheguei aqui pensei que eles fossem pessoas metidas que não ligavam para nada além do dinheiro. Mas logo que os conheci percebi que estava errada em meu jugamento.    _ Acho que não vou vir. – Digo colocando a jarra de suco sobre a mesa e evitando olhar diretamente em seus olhos. Não quero correr o risco de que descubra que estive beijando seu cunhado com a lua e as estrelas como testemunhas. – Não tenho roupa ou sapato para usar nessas ocasiões. – Tento justificar.    _ Não seja por isso. – Ela me analisa por um breve momento. – Eu posso resolver esse problema rapidinho. – Diz animada e me puxa pela mão por toda casa até o seu quarto. Me deixa parada no meio do cômodo e entra no closet saindo em seguida com um lindo vestido. – Deve servir em você já que temos praticamente o mesmo corpo. Prova. – Incentiva me estendendo o vestido. Tento argumentar, mas ela praticamente me empurra no closet para me trocar. – Tem um sapato preto aí no canto que vai ficar lindo com o vestido. Coloca e sai para eu ver como você ficou. – Grita de fora.    Tiro a minha roupa surrada e coloco dobrada em um canto ficando apenas com as peças íntimas. Visto o vestido preto que vai até acima dos joelhos e que marca um pouco a cintura. Coloco o sapato também preto de salto alto que ela me indicou e preciso me apoiar um pouco em uma coluna para me equilibrar e acostumar com o sapato. Quando me sinto mais confiante para soltar a parede noto que o salto não é tão desconfortável quanto parecia. Me olho no imenso espelho que ocupa toda a parede e admiro o resultado. Bruna entra depois de um tempo e me olha com um sorriso de aprovação.    _ Agora só precisa soltar esses cabelos e fazer uma maquiagem leve. – Me leva de volta para o quarto e me faz sentar em sua penteadeira. – Você vai ficar ainda mais linda. Vou apenas valorizar mais esses seus olhos verdes e esse seu cabelo cobre maravilhoso. – Diz soltando o elástico do meu cabelo o fazendo cair sobre meus ombros.    Ela começa a arrumando o meu cabelo e depois me faz uma maquiagem leve. Me sinto como uma boneca de porcelana em suas mãos. Ela também me empresta um brinco delicado com uma pequena pedra verde que segundo ela combina com meus olhos. Parecem até ser esmeraldas e não duvido que sejam. Quando olho o resultado final fico surpresa. Nunca me imaginei dessa maneira. Quase nem me reconheço.    _ Obrigada, Bruna. – Digo um tanto emocionada. Havia anos que não recebia qualquer tipo de ato de afeto. Ela faz um sinal de que não foi nada demais e me abraça de surpresa.    _ Já chega. – Sorri e olha a bagunça lá embaixo pela janela. – Os convidados estão chegando. Preciso ver se as crianças estão se comportando. Te espero lá embaixo. – Me beija a bochecha e então me deixa sozinha.    Não me demoro muito em seu quarto. Caminho até o jardim com certa timidez sem olhar para nada além que o chão a minha frente. A música começa a tocar animando a festa. As pessoas se juntam cada uma ao seu grupo. Todos felizes pelo mais novo prêmio da vinícola. Nessa festa não existe divisão entre patrões e funcionários. São apenas pessoas lutando pelo mesmo sonho e acho bonito essa relação entre eles. Me sento junto com as crianças. Maia e Marina se tornaram as minhas bonequinhas sempre me fazendo companhia ou me pedindo ajuda em alguns deveres de casa. Já Matheus é mais na dele e só o vejo brincando mais com o tio e o pai. Talvez esteja passando pela fase de paixões no colégio ou seja tão tímido quanto eu.    _ Meninas, cadê o meu abraço? – Nathalia pede chegando acompanhada de um rapaz alto e de semblante sério que não combina em nada com ela. As meninas correm para abraça-la e depois vão atrás de algo para comer ignorando o acompanhante da prima. – Oi, Gabi. – Me cumprimenta com um beijo no rosto. – Nossa! – Exclama. – Você está linda. - Diz me fazendo dar uma volta em torno de mim mesma.    _ E você está exagerando. – Digo completamente sem graça já sentindo as bochechas queimando.    _ Não é exagero falar a verdade. – Giovanni aparece do meu lado e tremo dos pés à cabeça ao ouvir a sua voz. – Oi, prima. Como vai? – Beija o rosto da prima e também ignora por completo o acompanhante dela.    _ Trabalhando muito. Fora isso tudo tranquilo. – Lhe sorri e escutamos dona Camila chamar por ela. – É melhor eu ir antes que a sua mãe venha me buscar. – Vai em direção a tia e a mãe junto com o acompanhante que deve ser o seu namorado.     _ Vou pegar um pouco de suco. – Digo tentando apenas me manter longe dele e do que estar perto dele me provoca.    _ Espera, Gabriela. – Ele me segura pelo braço sem apertar, mas sem me permitir me afastar. – Precisamos conversar. - Pede com ternura na voz. - Desde aquela noite você não deixa eu me aproximar e me trata como se fossemos estranhos. – Ele toca o meu rosto e coloca uma mecha de cabelo meu atrás da orelha. – Não é possível que não tenha sentido o mesmo que eu quando nos beijamos. - Tento dizer algo, mas as palavras parecem ter sumido enquanto ele se aproxima cada vez mais. Sinto nossa respiração se misturar e vejo quando seus olhos descem até meus lábios.    _ Sei que me beijou apenas por pena e... – Tento dizer, mas sem que espere ele toma meus lábios em um beijo ainda melhor que o primeiro.    A música a nossa volta parece ter sumido assim como todos os convidados. Não existe o rótulo patrão e empregada. Garota pobre e cara rico. Somos apenas dois jovens e aquele estranho sentimento que nos envolve. Uma de suas mãos ainda toca meu rosto enquanto a outra desce até a minha cintura. Me perco em seu cheiro e em seus lábios. Deixei minha mão espalmar em seu peito e quando o ar se faz necessário nos separamos um pouco, mas ainda mantemos nossas testas unidas.    _ O que foi isso? – Pergunto ainda perdida por conta do beijo e buscando controlar meu coração e a minha respiração.    _ Alguns diriam que foi um beijo. Mas agora fiquei em dúvida. – Brinca fazendo uma cara pensativa. – Acho que preciso de uma confirmação. – E lá estavam novamente seus lábios cobrindo os meus fazendo o mundo parar. – Foi mesmo um beijo e dos bons. – Continua a brincadeia agora com a boca toda manchada por conta do batom.    _ Jovem Giovanni. – Um senhor usando bengala diz ao se aproximar de onde estamos. Ele tem todos os cabelos grisalhos e um bigode bem alinhado sob o nariz. – De namorada nova? – Perguntou sem qualquer descrição e sento meu rosto queimar.     _ Não estraga a surpresa Teodoro. – Ele brinca e vai cumprimentar o homem com um aperto de mão caloroso. – Como está essa força? - Pergunta voltando para o meu lado passando o braço por minha cintura.    _ Indo meu filho. – Respondeu olhando para o céu com um suspiro saudoso. Ele tem um olhar triste. Um olhar que reconheço muito bem. É o olhar de alguém sozinho no mundo. O mesmo olhar que carrego comigo desde o dia daquele maldito acidente. – Depois que a minha Marta se foi tem sido uma luta todos os dias para deixar a cama e cuidar de tudo. Queria muito não estar tão sozinho. É engraçado como aquela imensa casa pode ser claustrofobica as vezes. – Uma nuvem n***a pousa em seus olhos já cansados da idade, mas ele logo se recompõe. – Mas assim é a vida. – Limpa a garganta. – Vou deixar vocês aí namorando e cumprimentar seus pais. Quero parabenizar ao Antônio pelo prêmio. - Diz dando um tapinha no ombro de Giovanni. - Juízo vocês dois. - Diz caminhando para longe de nós e sinto o rosto pegar fogo novamente enquanto Giovanni apenas sorri das palavras do velho amigo.    Acompanho a imagem do senhor até que ele se mistura à multidão. Por um momento me pareceu que eu o conhecia de algum lugar. Sua postura e seus olhos me faziam lembrar alguém, mas não consego identificar quem. Sou tirada de meus pensamentos quando sinto o calor da mão de Giovanni enlaçando a minha. Ele a leva até os lábios e deposita um beijo delicado. Não sei se isso vai dar certo. Minha única certeza é que posso acabar muito machucada, demitida e sem um lugar para ir. Mas ainda assim não posso evitar esse sentimento nascendo em meu peito que é tão avassalador quanto um furacão.    Nos juntamos aos outros para comer e festejar. Ele me convida para tomar um pouco de vinho junto aos outros, mas recuso. Nunca bebi e não suporto estar perto de pessoas embriagadas. Sei que foi por causa de um motorista bêbado que hoje estou sem meus pais. Fora que me fazem lembrar de Damião e de tudo o que ele fazia comigo. Fico apenas no suco como as crianças. Tento ajudar a repor a bebida e comida, mas Cida se opõe e me manda dança com Giovanni. Está aí uma coisa que nunca fiz. Dançar. Sempre fui proibida pelos meus tios de ir para as festas do bairro ou até mesmo da escola. Mas ainda assim me arrisco. Depois de pisar umas três vezes no pé dele resolvemos dar uma volta. O sol já havia dado o seu lugar para a lua e as estrelas. O vento agora soprava um pouco frio. Sentamos no mesmo banco que fica de frente para a casa que agora considero como minha e admiramos as estrelas.     _ Estrelado como no dia em que nos beijamos pela primeira vez. - Giovanni fala encarando o céu sobre nós enquanto tem um braço me envolvendo os ombros. - E você está tão linda quanto naquele dia. - Diz agora me olhando no fundo dos olhos.     _ Não é para tanto, senhor Giovanni. - Falo sem graça.    _ Não precisa me chamar de senhor. - Diz acariciando meu rosto. - Por me chamar apenas de Giovanni. - Pede se aproximando mais para me beijar, mas o impurro de leve e ele não insiste.    _ Melhor voltar para casa. - Falo com as mãos ainda sobre seu peito. - Cida e Dante devem estar preocupados com o meu sumiço. Sem contar que amanhã preciso acordar cedo para ajudar a Cida com a bagunça que sobrar da festa. Também quero lavar e passar o vestido que a dona Bruna me emprestou antes de devolver. - Listo.    _ Certo. - Ele diz carinhoso. - Te acompanho até a sua casa. Não quero que corra o risco de cruzar com algum bêbado engraçadinho. - Olho em torno nervosa. Tudo o que menos quero é encontrar com um clone de Damião no meio desse paraíso. - É brincadeira. - Diz me fazendo olha-lo. - Todos aqui são bem respeitadores e nunca atacariam ninguém. Algum bêbado já tentou de agarrar? - Pergunta me analisando.    _ Lógico que não. - Falo desviando o olhar. - Vamos logo para casa que está ficando mais frio. - Levanto e caminho na frente. Logo o sinto caminhando ao meu lado.     Ele não se aproxima muito e agradeço. No momento tenho lembranças bem vivas do meu passado na casa de tia Joana me atormentando e não sei o que poderia fazer se ele tentasse me tocar. Não levamos nem cinco minutos para chegar em frente a casa de Cida. Nos despedimos com um mero aceno e então praticamente bato a porta em sua cara. A sala está vazia e passo direto para o meu quarto. Me livro dos salto e me jogo na cama chorando.    _ Por que não posso ser simplismente feliz? - Pergunto para a foto dos meus pais que tenho ao lado da cama. - Por que não posso ser como garotas normais da minha idade? Por que tinha que lembrar daquele traste quando estava tudo indo tão bem? - Pego o porta retrato e o abraço apertado enquanto me deixo levar pelas lágrimas. - Queria que estivessem aqui. Tudo seria diferente.    Aos poucos as lágrimas vão diminuindo a medida que o cansaço começa a me vencer e então caio no sono. Dessa vez não é uma noite tranquila. A cada vez que meus olhos se fecham volto ao inferno que vivia na casa de tia Joana e até mesmo posso sentir o bafo de álcool de Damião em meu pescoço. Só perto das três da manhã é que por fim consigo dormir sem ter pesadelos apenas a mais completa escuridão.
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