— Esta é a srta. Bond, sr. Cedric. Ela pediu para vê-lo com urgência. — O mordomo quebrou o silêncio reinante na sala, anunciando-a.
— Marielle Bond... — Cedric deu alguns passos, demonstrando curiosidade. Sua voz era autoritária, própria daqueles acostumados ao poder. — Sou Cedric Greenleaf.
Greenleaf, Cedric Greenleaf... Já havia ouvido esse nome antes, pensou. Onde? Ah! Claro! Lembrava-se, ao ler o jornal pela manhã, de ter visto uma reportagem sobre ele. Cedric havia doado uma fonte luminosa de água para a cidade de San Diego. Era o proprietário da Companhia de Doces Greenleaf, uma das mais refinadas fábricas de chocolates da Califórnia.
— Marielle Bond, gostaria que conhecesse minha tia Agatha e o marido dela, Willy Greenleaf. — Cedric demonstrava uma polidez artificial.
Marielle cumprimentou-os mecanicamente. Estava impressionada com o fausto de tudo aquilo. Era em mansões como aquela que os milionários tradicionais moravam? Então, preferia seu pequeno apartamento decorado com simplicidade porém limpo e claro.
— Desculpe-me, sr. Greenleaf, mas o assunto é particular.
Por que pedia desculpas? Não havia motivo para se sentir inferiorizada. Afinal o que aquela gente tinha limitava-se a dinheiro e tradição. Faltava-lhes, ao que tudo parecia indicar, alegria de viver. Agatha levantou-se, seguida pelo marido, despedindo-se com formalidade. Marielle continuou imóvel, sem saber por onde começar. Desprezava homens que abandonavam a família. Mais que isso, enojava-se deles. Talvez por ter passado pela mesma experiência amarga. O seu pai tinha largado a mulher quando Marielle ainda era uma criança de colo. Sem ao menos dizer adeus.
— Poderíamos ficar aqui a noite inteira, srta. Bond. — Um tom de impaciência e sarcasmo misturou-se à voz de Cedric. — Mas estou cansado e pretendo me deitar logo. Portanto, diga o que quer.
— O que eu quero? — Marielle sentiu o sangue gelar nas veias.
Ele era grosseiro e prepotente.
— Acho que não veio até aqui para ficar me olhando com este aspecto abobalhado, não é?
Outra vez, ela se intimidou diante da agressividade de Cedric e, quando falou, a voz saiu amedrontada:
— Eu... não sei por onde começo... — ela engasgou. Antes, parecia tão simples! — Estava voltando do trabalho...
— Onde trabalha? — Cedric não deixou que prosseguisse.
— No Sun Studios.
Ele a olhou de alto a baixo, medindo cada parte do corpo marcado pela malha amarela.
— Conheço o lugar. Ouvi dizer que é uma das melhores academias de ginástica da cidade.
— Sim, mas... bem, é melhor voltar ao assunto. Eu estava voltando para casa e... — procurando ser sucinta, Marielle relatou o acidente. Cedric escutava atento, sem dizer nada. — Então — Marielle concluiu — prometi encontrar você e levá-lo ao hospital ainda hoje.
Cedric continuava impassível. A mesma expressão severa, de antes o envolvia.
— O que mais? — ele finalmente perguntou.
— Mais? — Marielle não entendeu.
Já havia dito tudo. O que mais esperava?
— Quanto você e sua amiga querem? Ê uma questão de preço, eu sei. Por isso veio me importunar a esta hora. Pois bem, o que me diz de cinquenta mil dólares? Vinte e cinco para cada uma.
— O quê? — As mãos de Marielle tremiam e as pernas pareciam fracas. — Você ficou maluco?
— Conheço gente como vocês. Não precisa se fazer de inocente. Pegue logo o dinheiro e suma da minha frente!
— Deirdre está no hospital. Vai ter um bebê!
— Creio que sim. Sua cúmplice não tem condições de sustentar a criança, não é? E achou a solução mandando-a me chantagear. — Cedric bateu a mão na mesa, com revolta e violência. — É o que acontece, quando os jornais fazem essas reportagens estúpidas. Toda publicidade acaba nisso!
— Não estou entendendo! — Marielle estava cada vez mais perplexa.
— Dê o fora — Cedric ordenou, furioso.
— Você é um crápula! — Marielle se recuperou. A raiva lhe dava forças para reagir. — Como pôde fazer o que fez e depois abandonar aquela garota tão jovem e inexperiente? Deirdre está lá, sozinha e desamparada, carregando na barriga um filho. Seu filho! Tudo o que ela precisa é de carinho e compreensão. Mas você é incapaz de um gesto humanitário, não é? Usou a menina para divertir-se, engravidou-a e agora foge da responsabilidade acusando-a de chantagista. Você não passa de um cafajeste!
— Pense o que quiser — Cedric disse com desprezo.
— Nunca conheci ninguém tão cínico quanto você. — Marielle estava fora de controle.
— Agora já chega! Cale a boca!
— Não vou me calar! — ela berrou mais alto. — Você tem que escutar umas verdades, sr. Greenleaf. Seu dinheiro não compra minha dignidade e meu caráter. Aquela garota está no hospital, implorando por sua presença. Talvez a criança até já tenha nascido. Não será doando um milhão de fontes luminosas para a cidade que o senhor ficará em paz com sua consciência.
— No momento, eu doaria várias delas para me ver livre de você.
Pelo visto, Cedric não tinha escrúpulos ou não se importava com as palavras de Marielle. Então, ela tentou sensibilizá-lo.
— Deirdre é muito carente — baixou o tom de voz. — Precisa de você. Ela o ama.
— Chantagistas costumam ser doces e meigas. Porém, ao contrário do que está dizendo, não amam ninguém, a não ser a si próprios, a não ser o dinheiro e as vantagens que possam sugar dos outros.
Marielle desistiu. Aquele homem era egocêntrico, insensível e mesquinho. Que fosse para o inferno, o miserável! Ia voltar para o hospital e enfrentar a decepção de Deirdre. Pobrezinha... tinha... caído na ilusão criada por aquele tratante. Havia vivido um sonho de Cinderela e hoje estava naquele estado, abandonada e sozinha.
— Qual é o nome do mordomo de vocês? — Marielle perguntou, empinando o nariz.
— Sylvester — Cedric respondeu, estranhando a pergunta.
Então, ela encheu os pulmões e gritou com toda a força:
— Sylvester!
Era maravilhoso destruir com um simples berro a austeridade hipócrita daquela casa. Desde que pusera os pés ali dentro era a primeira vez que sentia satisfação e bem-estar.
— Sim, senhorita...
Com certeza, o velho estava na sala ao lado, para atender tão rápido, pois não levou mais de um segundo para aparecer.
— Meu casaco, por favor.
— Pois não, senhorita.
Pouco depois, ela colocava o manto sobre as costas, recusando qualquer ajuda.
— E não é preciso me acompanhar; conheço o caminho de volta. — Virou-se e saiu, sem se despedir.
A cada passo, convencia-se de que o tal Cedric Greenleaf era mesmo um canalha. Doar uma fonte à cidade... É claro que procurava popularidade e parecer bonzinho. Talvez pretendesse se candidatar a algum cargo público. Coitada da Deirdre... que infelicidade para ela amar um homem como Cedric! Ia raciocinando enquanto tentava escapar daquele labirinto. Abriu a última porta, certa de chegar ao hall, porém deparou-se com um enorme salão de festas totalmente vazio. Minha nossa, pensou, onde ficava a saída? Tentando manter o sangue-frio deu meia-volta. Como se podia andar numa casa escura? Por que não acendiam as luzes?
Que situação constrangedora! Abrir e fechar portas, correr salas, apalpar móveis no escuro. Ela tinha que achar o caminho de volta sozinha. A última coisa que faria era solicitar ajuda. Não daria esse gosto a Cedric Greenleaf! Confusa, Marielle abriu outra porta. Ao sentir o vento frio da noite acariciando seu rosto, respirou aliviada. Mas a alegria foi momentânea. Estava num jardim interno, cercado de mais paredes e janelas. O que fazer? Precisava admitir que estava completamente perdida.
Desanimada, sentou-se no chão. Queria chorar de ódio. Depois de um dia desastroso no trabalho, merecia uma boa noite de sono. Contudo, em vez disso, vivia momentos de angústia.
— Olá. — Marielle empalideceu de susto. O cumprimento veio de suas costas e a voz era gentil e suave. — Não recebo visitas com frequência — o homem continuou.
Ele era pouco mais velho que Willy Greenleaf e sorria.
— Não sou uma visita sua. Na verdade, estou tentando ir embora.
No entanto ele não se importou com isso e estendeu-lhe a mão:
— Paddy Greenleaf. Muito prazer!
— Paddy? — Ela apertou a mão dele.
— É um apelido carinhoso. O nome verdadeiro é Fitzpatrick. Porém é complicado demais, não acha?
— Sim... — Bem, pelo menos, existia uma pessoa agradável naquela família.
— Por que não entra um pouco? Aposto que precisa de um licor.
— Não, obrigada. Preciso ir.
— Ora, não vá! Eu a assustei, não foi? Está nervosa. Por que não relaxa um pouco e depois vai embora?
— Não sei se devo...
— Não vai decepcionar um pobre velho, vai?
Marielle sorriu. Gostou de Paddy. Era amável, um cavalheiro. E, ao que parecia, a única pessoa normal naquela casa que lhe dava calafrios.
— Está bem. Acho que uma bebida não me fará mal...
Cruzaram o pequeno jardim em silêncio. Então, Paddy abriu uma das portas, deixando que Marielle se adiantasse à sua frente. A sala não era grande nem luxuosa como as outras. O chão era de madeira, sobre o qual havia um tapete macio, todo branco. Encostado à parede oposta, ficava o sofá, ladeado por duas poltronas de espaldar alto. A lareira ocupava um dos cantos. Sobre ela, havia uma coleção de objetos de cobre. Era um lugar acolhedor e simples.
— Gostei daqui — ela comentou, pensando alto.
— É meu lugar predileto. Sente-se.
— Obrigada.
Marielle escolheu uma das poltronas. Recostou-se, jogando a cabeça para trás.
— O que prefere? — Paddy perguntou com delicadeza. — Amaretto, cherry, anizette... ?
— Amaretto.
Ela olhou para as garrafas de cristal colocadas sobre a mesinha ao lado do sofá. Contudo estranhou ao notar que havia dois cálices preparados para o uso.
— Não, eu não adivinhei que viria. — O velho riu da expressão curiosa de Marielle. — Eu e meu filho, Cedric, costumamos beber juntos de vez em quando.
Paddy era pai de Cedric. Uma pena, pois era muito simpático, bem diferente do filho. Pelo visto, Cedric não demoraria a chegar, para beber com o pai.
— Sinto muito, mas preciso ir embora. — Marielle se levantou. — Obrigada pelo convite, mas vamos deixar para outra oportunidade.
— Não precisa ter medo — Paddy leu o pensamento dela. — Cedric está ocupado, dando uns telefonemas. Não vai nos incomodar tão cedo. — Encheu os dois cálices. — Além do mais, gostaria de conversar um pouco. Você e Cedric vão ter um bebê, não?
— O quê? — Marielle sorveu o aperitivo em um grande gole. Era só o que faltava lhe acontecer. Ser confundida com Deirdre. — Não!
Paddy ficou calado e pensativo. Era bastante parecido com o filho. Não na prepotência ou no orgulho. Pelo contrário, Paddy era jovial e educado, mas os olhos eram negros e expressivos iguais aos de Cedric e os lábios também imprimiam ao rosto uma beleza rude, o que ressaltava a masculinidade de ambos.
— Isso é ruim... — Fitzpatrick retrucou.
— O que é r**m?
— O fato de você e Cedric não terem um filho. Meu maior desejo é ser avô.
Marielle ficou encabulada. Pensou um pouco. Como Paddy soubera da conversa a portas fechadas? Sem temer a indiscrição, ela indagou:
— Como descobriu? Isto é, acabei de falar com seu filho sobre...
— Sylvester me mantém informado de tudo — Paddy replicou, desfazendo a dúvida. — Todavia creio que entendi m*l. Pensei que...
— Nunca vi Cedric antes desta noite. — Foi a vez de Marielle se adiantar. — Para ser sincera, não simpatizamos nem um pouco um com o outro. Portanto, não há a menor chance de eu vir a ser a mãe de seu neto.
— Em geral as pessoas reagem assim ao comportamento inusitado de meu filho. — Ele riu. — Com Cedric não há meio termo: ou é amado ou odiado.
— É uma pena que Deirdre Wheeler o tenha amado.
Marielle não tinha o direito de dizer aquilo, todavia não podia evitar. A revolta ardia no coração e era incontrolável.
— Quem é Deirdre Wheeler? — Sem se importar, Paddy lhe estendeu um recipiente de prata cheio de bombons. — Quer um chocolate?
— Não, obrigada. Chocolates não combinam muito com bebidas alcoólicas.
— Estes são deliciosos e irresistíveis — ele completou servindo-se de um.
— Deirdre Wheeler será a mãe de seu neto — Marielle voltou a falar. — Neste exato momento está hospitalizada e Cedric não quer ir vê-la.
— E se ela for uma chantagista?...
— Absurdo! — Marielle se decepcionou. Não devia ter confiado em Paddy. Afinal, como pai de Cedric, o defenderia. — É lamentável que seu filho tenha se envolvido com uma menina como Deirdre. Ele arruinou a vida dela com esta gravidez.
— Talvez o filho não seja dele e não esteja tão envolvido quanto parece.
— Você não a viu, Paddy, a coitada chorava de desespero. Estava magoada e insegura. — Marielle baixou os olhos. — O que será dela? Não passa de uma menina...
— As aparências enganam.
— Não neste caso. Eu estava lá. Eu vi. Ninguém consegue fingir tão bem por tanto tempo. Deirdre está com o coração em frangalhos, à beira de um colapso nervoso.
— Será que você não foi envolvida pela chantagem emocional desta garota, Marielle? Às vezes, as pessoas que parecem mais inocentes são as verdadeiras culpadas.
— Pode ser que esteja certo, Paddy — Marielle suspirou, convencida de que jamais o persuadiria. — Para mim, não faz a menor diferença. O fato é que Deirdre está grávida e seu filho não negou, em nenhum momento, seu envolvimento com ela. Mas tudo bem, isto não é da minha conta. O mau caráter de Cedric atingiu somente a Deirdre. Eu estou farta desta história toda e vou é cuidar da minha vida. Já fiz mais do que devia. A responsabilidade agora é de vocês. Eu lavo a mãos...