O Sócio

2031 Words
            Uma das coisas que Marianna mais gostava no fato de ter tanta gente trabalhando com ela, era a capacidade de melhorar vidas: quando contratou Isabel como secretária, queria alguém para atender o telefone e organizar os compromissos dela e de Vicente, ela era uma ótima moça, vinda do interior e sem muita perspectiva na capital, havia tido filhos cedo, e depois, o companheiro a havia deixado, assim, a oportunidade de trabalho para ela, valia muito, e ela a aproveitou, e com o tempo fez cursos e evoluiu muito como pessoa e como profissional, e assim, com o tempo, as necessidades por ajuda foram ampliando-se, e ela contratou Marcelo, que trabalhava diretamente com ela, assim como Vicente contratou Lourenço, um estudante de engenharia para trabalhar com ele, ela investia forte na capacitação dos colaboradores, de todos os níveis, porque isso gerava mais competência e satisfação, o ambiente de trabalho era bom, e os departamentos de Recursos Humanos e Contabilidade eram dominados por mulheres, o lado pessoal contava muito para ela na hora da contratação de alguém, queria melhorar a vida das pessoas.             Ela sentou-se em sua mesa e rapidamente checou os e-mails. Percebeu um frenesi quando o sócio cruzou o corredor do departamento de contabilidade carregando flores e sorrindo, ela apenas riu: Vicente era incorrigível. O homem na cada dos cinquenta anos, era um veterano charmoso, sempre bem vestido, cabelos e barba sempre impecáveis, ternos caros, carros de luxo... Olhos verdes e um sorriso safado: ela pensava que se fosse mais jovem – ou mais boba – certamente também cairia nos encantos do seu sócio, mas os dois tinham a melhor relação profissional que se podia imaginar e eram muito amigos.             De uma forma ou outra, ela também mudara a vida de Vicente, quando o conhecera, ele estava desiludido com sua carreira, terminando o casamento que Marianna nem se lembra o número, com dívidas grandes e criatividade zero, o que para um arquiteto renomado era um problema muito grave. - Bom dia para a melhor e mais linda sócia que eu poderia ter – ele sorriu – trouxe flores para você – ele apressou-se em dar um beijo em Marianna – na verdade trouxe mesmo, porque não fui eu quem a presenteou com esses adoráveis – ele encarou o ramalhete simples e bem construído de cravos em tons de rosa e branco – cravos – ele passou novamente – apenas sou o singelo entregador porque o remetente estava apressado – por fim ele entregou as flores para Marianna. - Bom dia Vicente – ela sorriu sem esconder a estranheza, dificilmente recebia flores, largou o ramalhete e fingiu não estar curiosa sobre o remetente – temos trinta minutos, quer conversar alguma coisa antes da reunião? - Não, não – ele sorriu – na verdade eu quero falar com o menino Lourenço – ele coçou a cabeça – não encontrei alguns dados na apresentação, e aí fiquei em dúvida se ele esqueceu de colocar ou se eu que me esqueci de passar os dados para ele – ele a encarou - quem mais vai estar? - O Menphis, o Armando dos projetos, o Marcelo... – ela o encarou – não sei qual é o esquema, se o Lourenço vai estar ou não, você não deixou muito claro. - Não será necessário – ele sorriu – vou avisar a Isabel para agendar uma reunião com o cliente amanhã. - Mas ainda não decidimos nada, nem sei quem ele é – ela franziu a testa. - O remetente deste lindo ramalhete – ele sorriu e encaminhou-se para a porta – apresento o projeto em alguns minutos, respira fundo, você vai adorar. - Certo – ela sorriu.             Assim que Vicente saiu da sala ela deu de mão no cartão que estava junto com as flores: envelope verde folha, despretensioso, escrita firme e bem construída, típica de arquiteto dizendo apenas “Marianna”. Dentro do envelope, apenas um cartão branco, escrito à mão: “Bom dia, espero que considere a minha proposta. Vai ser um prazer e uma honra trabalhar ao seu lado. Espero que esteja bem, Henrique Cavalcantti”             Uma parte sua sempre soubera que em um momento ou outro, ela encontraria com ele, mas não esperava que isso acontecesse naquele momento tão conturbado de sua vida. O coração de Marianna disparou naquele momento: Henrique Cavalcantti, seu ex amor da adolescência... Ela tinha dezesseis anos, e ele, vinte e dois quando viveram um intenso amor de verão: quinhentos quilômetros de distância separaram os dois no fim da temporada, quando ele voltou aos seus estudo e as lavouras de soja da família no noroeste do estado e ela, voltou à sua rotina de estudos na Fronteira.             Tinham vivido de forma intensa aqueles quatro meses: entre viagens de ambos e viagens juntos, fizeram planos e quando tudo parecia ir bem, na véspera da viagem para a praia, Henrique resolveu que, depois da viagem, seguiriam livres. Ele não queria manter relação à distância e ela, queria ser livre e ele sabia. O fim mais trágico possível: viagem cancelada e Marianna chorando compulsivamente no banco do carona de uma Chevrolet Montana que ele dirigia na época, nunca mais haviam se falado.             Quando Vicente conheceu Henrique, ele era estagiário de uma construtora, um “rapaz de potencial” dez anos antes. Cinco anos depois, conheceu Marianna e soube da história do passado dos dois, e Vicente jurava que ter tomado aquela decisão era o maior arrependimento de Henrique. Marianna nunca havia o encontrado pessoalmente, fazia questão de manter-se longe de problemas em seu casamento, e além do mais, m*l tinha tempo para encontros sociais na capital, mas de repente, pensar em Henrique mexeu com ela, de uma forma estranha, trazendo dor e um pouco de incompreensível esperança. - Bom dia à todos – Marianna entrou na sala de reuniões com as cadeiras dos demais presentes já ocupadas – espero que tenham passado bem – ela sorriu antes de continuar – antes que o Vicente nos apresente a sua proposta, e tendo diante de mim nosso terceiro acionista – ela referia-se à Lincoln Menphis, um senhor de origem britânica que havia adquirido de forma equivalente entre ações dela e de Vicente, vinte por cento da empresa, como investidor – e funcionários fundamentais para o andamento de nossos projetos, quero informar que dentro de quarenta dias estarei residindo oficialmente na capital – ela suspirou – falo isso antes da apresentação da proposta do Vicente, para que seja levado em consideração, tendo em vista que estamos com um volume intenso de trabalho atualmente. - Muito bom – Vicente sorriu – será maravilhoso poder contar com você em tempo integral, aqui na empresa, Marianna – ela agradeceu com um sorriso e Vicente deu continuidade – então: o motivo nobre desta reunião é uma nova proposta de trabalho, um grande amigo me procurou com um desafio: montar uma estrutura empresarial para ele, ou seja, de engenheiro solo, ele quer passar para o outro lado e ser engenheiro proprietário de sua própria empresa, de sua própria construtora. Este de quem vos falo, não é ninguém menos do que Henrique Cavalcantti, que até meados deste mês de junho, trabalhava apenas com projetos, para grandes clientes nossos, inclusive, e assinou ícones da construção moderna da capital nos últimos oito anos.             Todos os presentes pareciam surpresos e empolgados, Henrique tinha fama de ser excelente e extremamente criativo. Sua formação em engenharia civil, somada à formação em arquitetura, fazia dele um profissional muito completo. Seus últimos projetos haviam rendido diversos prêmios e design e sustentabilidade, sendo a segunda, uma de suas mais fortes marcas. - Continuando – Vicente iniciou uma projeção na parede branca – precisamos criar toda a estrutura da empresa, desde pesquisa de mercado, marketing, recrutamento e seleção, desenvolvimento de processos padrão e planejamento estratégico – ele sorriu – apresento a proposta de um negócio onde não vou trabalhar, meus queridos – porque a questão da gestão é mais centrada na Marianna, então – ele troca a projeção – calculei com o pessoal as horas de trabalho, e tudo mais e calculo uma proposta girando nesse valor – o valor de dois milhões de reais aparecia em vermelho na projeção – sei que parece alto, mas este é um projeto que se estenderá por um longo período, em seus lugares temos um esboço do que eu imaginei, já com uma aprovação prévia do cliente, inclusive para valores e tomei a liberdade de agendar uma reunião com ele amanhã pela tarde para discutirmos a viabilidade e os detalhes. - Achei uma excelente oportunidade – iniciou Menphis – além do valor que é muito atrativo, vai nos trazer know how e muita visibilidade – ele encarou Marianna – sabe que demandará bastante tempo, não? - Sim – ela suspirou – e me preocupo um pouco com isso... - Acredito que podemos ajustar – disse Vicente – de repente você trabalha in loco no escritório dele para desenvolver uma estrutura baseada naquilo que ele tem, ajustaremos – ele sorriu novamente – Henrique deixou muito claro que conta com nossa experiência para desenvolver o negócio dele e como amigo, eu, não gostaria de deixa-lo na mão, inclusive porque o projeto empresarial tende a ter continuidade, entendem? Cria-se a empresa e com o tempo estaremos prestando outros serviços para ele também. - É claro – ela concordou – e está certo – Marianna suspirou e encarou Armando, da gerência de projetos – é viável, Armando? - Com certeza – o homem na casa dos trinta e cinco anos tinha um bom tino para negócios – a questão é que vai tomar bastante do seu tempo, seu, do Marcelo... Como é muito direcionado à gestão, fica bem centralizado em você. - Eu dou um jeito – ela sorriu – então: estudaremos os esboços do Vicente e amanhã nos reunimos às quatorze e trinta para discutirmos rapidamente alguns tópicos e nossa posição, antes da reunião com o Cavalcantti às quinze horas, certo? - Perfeito – Menphis levantou-se – encontro com vocês amanhã – ele sorriu – preciso correr para a apresentação da escola da minha netinha. - Compromisso inadiável – Marianna sorriu – divirta-se, Lincoln. - Obrigada – e o homem saiu.             Armando e Marcelo saíram da sala conversando rapidamente e Marianna encarou Vicente: - É o contrato dos sonhos – ela sorriu. - Sei que é, e tem bala na agulha pra isso: só o último projeto dele, na perimetral, rendeu isso aí, fora as resultantes de investimentos e tudo mais, o cara é bom. - Sim – ela concordou – pelo que sei dos projetos dele, ele é muito competente. - Certo, certo – Vicente aproximou-se: os anos eram muito generosos com ele, os cabelos grisalhos eram complementados com uma barba cerrada e bem desenhada, emoldurando um rosto bem feito com olhos verdes e um sorriso fácil: qualquer mulher no mundo cairia nos encantos daquele homem, que além de ter seus atributos físicos, era culto, inteligente, engraçado e bem sucedido, o defeito: mulherengo – o que tem de errado? - Não tem nada – ela suspirou e tentou desconversar. - Marianna, eu te conheço – ele sorriu – te conheço tanto que vou te levar para o Chalé da Praça XV e nós dois vamos beber um Shiraz tranquilamente enquanto almoçamos e você me conta o que está acontecendo. - Está tudo bem – ela mentiu. - Não, não está – ele a encarou – não sei o que é, mas você precisa dividir isso, antes que te mate. Está sobrecarregada com alguma coisa, e não é o trabalho. O Marcelo esta super preocupado com você... - Vou ficar bem. - Sim, depois de almoçar comigo – ele sorriu – te pego aqui as onze, você vai trocar de roupa e vestir algo confortável e nós vamos. - Tudo bem, você venceu – ela sorriu derrotada – mas não se acostuma. - Não se acostume você – ele riu e beijou a mão dela – você precisa disso, só não sabe ainda.             Despediram-se rapidamente e Marianna voltou para a sala onde os cravos enviados por Henrique descansavam em um vaso de vidro barroco sobre um aparador: não conseguia decidir se estava feliz ou triste. 
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