Feliz Natal

1439 Words
Saí para tomar ar fresco. Não aguentava mais ter que omitir minhas tragédias enquanto arrumava os presentes debaixo da árvore de Natal. Devia ser quase um pecado fazer isso. Se Papai Noel existisse mesmo, não me traria presentes pelo fato de eu estar sendo tão estúpida e mentirosa. — Nana! — ouvi papai me chamar quando pus os pés no jardim. Ele estava na garagem. — Venha aqui um momento. Caminhei até lá onde ele estava atrás de sua velha caminhonete que tinha quase a minha idade. De repente fiquei melancólica por ele ter gastado tanto dinheiro comigo quando deveria ter comprado um carro novo. — Escute! — sussurrou passando o braço pelos meus ombros, ele ainda era um pouco mais alto do que eu, mas a velhice parecia encolhê-lo. Com mamãe era a mesma coisa e ainda pior por ela ser menor naturalmente. — Sua mãe e eu preparamos um presente para você. Pretendíamos te contar depois da ceia, mas eu tive uma ideia melhor. — Pai, não preciso de presentes! — tentei me desvencilhar gentilmente. — Precisa sim! — confirmou me calando. — Estamos juntando dinheiro para você construir seu consultório depois que se formar, assim como fizemos com sua irmã. Pode ser aqui ou nos Estados Unidos, onde você achar melhor! — abri a boca para contestar, mas recebi um aperto no ombro. — Porém, eu pensei melhor e se você quiser comprar um carro, saiba que já temos uma quantia para dar entrada em um. Podemos continuar juntando o dinheiro para o consultório. — Pai... — choraminguei a um fio de desatar em lágrimas. — Um carro é bom, certo? — disse animado. — Não quero que pegue esses transportes públicos lotados e acabe sendo assediada por marginais. Não havia problema em continuar usando ônibus ou metrô. Problema era vê-lo gastar seu salário de funcionário público com o dinheiro que mamãe conseguia costurando para fazer uma poupança para mim, cuja eu não merecia. — Por que não compra uma nova caminhonete? — sugeri engolindo o choro. — Que nada! Enquanto essa funcionar, está tudo ok. Esse dinheiro é seu, compre um carro ou outra coisa, o que quiser! Não respondi porque ele não compreenderia a menos que eu contasse toda a verdade, e eu quase contei se papai não tivesse mudado de assunto. — Estou indo buscar sua avó! — acenei e o observei ligar a lataria e sair da garagem. Respirei fundo sentindo meus olhos umedecerem. No outro momento, Abel estava ao meu lado e seus braços e asas me envolveram num abrigo gentil. — Não chore, Nana! — pediu condoído. — Vai dar tudo certo, eu prometo! Neguei repetidas vezes sentindo as lágrimas se acumularem debaixo do meu queixo. — Eu não aguento mais! — suspirei fungando. — Me sinto a pior pessoa do mundo. — Pois você não é! — disse enxugando meu rosto e segurando em minha mão. — Vem andar comigo. Nós começamos a andar sem rumo, subindo o caminho da serra. O sol me torturaria se as asas de Abel não fizessem sombra. — Podemos voltar para casa? — pedi sentando numa pedra debaixo de uma árvore. — Digo, para NY? Abel se encostou no tronco e divagou distante. — Só até o Ano Novo, pode aguentar até lá? — Acho que não. — confessei em meio a outro suspiro. Já não me importava de não ter um emprego ou namorado. Só queria voltar para casa, isto é, para um lugar que eu não precisasse mentir ou me esconder. — Por onde você tem andado? — mudei de assunto. — Não tenho te visto ultimamente. — Estive exercendo minhas funções de anjo... — respondeu sentando na pedra também. — Que você nunca entenderá, mas eu sempre estarei ao seu lado. — Meus pais vão ficar muito decepcionados quando souberem a verdade? — questionei. — Pode prever o futuro sobre isso? — Seus pais vão te perdoar! — disse somente. — A Nívea vai esfregar na minha cara o quanto sou um desastre? Abel fez uma pausa dramática e eu já sabia a resposta. Minha irmã e eu éramos muito amigas até ela entrar para a faculdade de odontologia, começar a namorar o Diego, e fazer novos amigos, pessoas diferentes que não combinavam com quem eu era. Nívea nunca mudou comigo, nunca me ignorou ou maltratou, mas eu era jovem e não queria ter que dividi-la com o mundo. Depois que eu entrei no último ano do ensino médio e meus pais me incentivaram a seguir alguma área de saúde assim como ela, eu a tomei como uma inimiga mesmo que não fosse sua culpa. Tudo bem que eu não sabia qual profissão gostaria de exercer, mas eu não queria ser a sombra borrada da minha irmã, uma cópia fajuta, um reflexo num espelho quebrado. Mas acabei sendo tudo isso. *** Nossos parentes estavam todos dispostos pela casa na véspera de Natal, inclusive os pais do meu cunhado. Todos felizes e alisando a barriga de Nívea mesmo que ela só tivesse algumas semanas de gravidez. A mim todos perguntavam quando eu iria me formar. — A Nana já está perto de se formar! — Nívea respondia orgulhosa. — Daqui a pouco teremos uma psicóloga na família! Daqui a pouco eu precisaria de um psicólogo urgentemente. — E o seu namorado? — vovó perguntou para que todos ouvissem. — Soube que está namorando um estrangeiro. Como ele é? O que faz da vida? É bonito? É bom casar logo senão ficará velha para engravidar! Olhe sua irmã, está no tempo certo! — Acho que estou muito nova pra ser mãe... — foi o que respondi cabisbaixa comendo um salgado para ocupar minha boca, senão eu acabaria dizendo que nem pretendia engravidar, tipo nunca. — Bobagem! — exclamou. — Eu engravidei com 17 anos, sua mãe engravidou com 26, sua idade! — A Nana vai se formar antes de pensar nisso, não é filha? — mamãe argumentou pondo a mesa para a ceia. — Ela sabe que é melhor se estabilizar primeiro antes de engravidar. Filho não é brincadeira! Não me formaria, só se fosse na graduação de trouxa. Nessa eu já tinha até pós-doutorado. Apenas continuei comendo e sinalizando que estava de boca cheia e não poderia responder. — Seu rosto está mais inchado! — uma das minhas tias disse fazendo com todos começassem a comentar sobre. — Está engordando? Sua prima, a Dani, emagreceu 3kg em duas semanas. — Ela está se preparando para fazer cosplay de esqueleto? — retruquei vendo minha tia torcer o nariz e mamãe me repreendeu com um olhar. Caminhei em direção à porta, esbarrando-me com ombros alheios. Abel apareceu em minha frente e segurou meus ombros. — Aguente firme! — disse com um sorriso doce nos lábios e secou uma lágrima que estava presa nos meus cílios. — Você consegue! Você não é uma fracassada! Ouvi minha avó me chamar novamente e voltei relutante para a mesa, querendo que Abel me cobrisse com suas asas e me tirasse dali, mesmo que eu tivesse medo de altura. — Estou precisando de uma psicóloga! — Tati, uma prima disse enquanto eu enchia minha boca de comida. — Terei atendimento gratuito, certo? Não! — Por que seu namorado não veio? — A Dani perguntou. — Já está perto de se formar? — O tio Cléber, o alcóolatra da família, achou que seria uma boa hora para falar. — Sua prima já se formou, está fazendo o doutorado, vai casar próximo semestre e cozinha como ninguém! Respirei pausadamente vendo Nívea e meus pais responderem às perguntas com várias mentiras. Tudo mentira! — Pare de comer tanto, menina! — vovó reclamou afastando meu prato de empadinhas. — Ficará mais gorda do que sua irmã que está grávida! E quando você engravidar não passará pela porta! Sem pensar muito bem, levantei da mesa trazendo olhares para mim. Não dava mais. — Eu não estou perto de me formar nem serei uma psicóloga! — falei alto e entredentes. — Não estou ativa na faculdade, só estou matriculada pelo visto de estudante. Pai, mãe, me desculpem, eu sou uma fracassada! Nívea, eu te amo, mas você não pode decidir as coisas por mim só porque eu não sei o que fazer. Tias e primas, parem de tentar comparar as pessoas, é um péssimo hábito. Então, se não vão elogiar, não digam nada! E vó, meu namorado me traiu com a minha chefe que também era a minha melhor amiga. Então, vamos dizer que eu tenho 99+1% de chances de não casar tampouco engravidar. Feliz Natal a todos!  E saí deixando o ambiente silencioso.
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