Flashback on
Jin
26 de fevereiro de 2012
Segunda
Manhã
Mais ou menos uma semana depois que a minha mãe morreu, eu tive que voltar para escola. Voltar a rotina e ver a cadeira dela vaga na mesa de jantar era assustador. Eu esperava que ela descesse as escadas a qualquer momento e mandasse eu comer direito.
-Vai comer só isso? Pode colocar o dobro disso no prato, senhor Jin! Não quero ter que ir na escola porque você desmaiou!- Ela diria irritada e depois abraçaria o meu pai, ou o meu irmão, ou eu.
Mas mais uma vez ela não desceu. Só se ouvia os talheres batucarem no prato uma vez ou outra e a respiração cansada do meu pai. Com certeza isso estava sendo mais duro para ele do que para a gente.
Meu pai me levaria para a escola e depois deixaria Kidoh no aeroporto, ele iria passar um tempo com a vovó. Lá onde ela mora tem um psiquiatra famoso que o ajudaria a tratar das suas crises de raiva, um especialista em TEI. Enquanto isso, vou ficar sozinho com o papai aqui em casa. Não sei. A casa vai ficar muito quieta. Não gosto muito, mas tudo bem. Kidoh vai voltar logo.
Abracei Kidoh antes de descer do carro e ele prometeu que ia ficar com saudades. Ele só iria voltar em duas semanas.
Assim que cheguei na escola eu procurei pelo Tae, estava morrendo de vontade de vê-lo depois do que aconteceu, mas só o vi quando o sinal tocou. Ele estava com um menino novo, um pouco baixinho, olhos pequenininhos.
Quando nossos olhares se esbarraram ele sorriu levemente, mas não veio até mim, então eu caminhei até os dois com uma expressão neutra.
O garoto com ele puxou Tae pelo braço e o mesmo se abaixou um pouco para que o menino cochichasse em seu ouvido. Os dois olhavam para mim. Por um momento, achei que eu devesse dar a volta e ir para outro lugar, mas para onde eu iria?
Fiquei com vergonha. Não lembro das minhas bochechas terem corado, só lembro de uma vontade de sair correndo para me enfiar em um buraco bem fundo.
Os dois me deram as costas e andaram entre risos. Eu os segui. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo. i****a. Deus, por que eu não podia ter um pouco de bom senso?
-Tae!- Chamei e ele me olhou rapidamente. Mas o garoto o puxou de novo. Eu tentei alcançá-los apressando passo, mas os dois começaram a correr.
-Corre, Ivan!- Tae disse rindo.
-Mais rápido, senão ele vai nos alcançar!- O garoto, Ivan, falou e eu parei de andar. "Tae era o meu melhor amigo! O que ele estava fazendo? "
Os dois seguiram correndo entre os corredores até eu os perder de vista. Alguns segundos, até eu me orientar.
Eu só queria ter a cabeça que eu tenho hoje e nunca mais ter falado com o Tae depois disso. Era o suficiente. Ele fugiu de mim com o novo amigo. Mas eu era ainda mais i****a do que eu sou hoje, se é que é possível.
Decidi ir até a biblioteca. O caminho até lá foi desconfortável. Eu odeio estar sozinho em público, sinto como se eu devesse parecer normal, obrigado a fazer alguma coisa comum, como desenhar. E foi isso que eu fiz quando cheguei na biblioteca. Ninguém pareceu me notar, o que era ótimo. Desenhar me fazia parecer ocupado, entretido e na minha, de uma maneira não tão estranha.
Na hora da saída, eu vi o Tae de novo. Eu não estava chateado pelo o que ele fez mais cedo, só confuso. Eu nem ao menos conhecia o Ivan. Eu poderia ter me poupado disso.
-Oi, Tae...-Falei assim que me aproximei, por sorte ele estava sozinho.
-Oi, Jinnie.- Ele sorriu levemente. -Por que o Kidoh faltou? -Ele perguntou sem me olhar. As vezes acho que o Tae gosta do meu irmão. É engraçado o jeito que ele fica quando o Kidoh está perto.
-Ele viajou... Volta em duas semanas.- Falei me sentando ao seu lado.
-Tae, o que está fazendo com essa menininha?- Uma voz alta veio de trás de nós dois e nós viramos em direção a ela no mesmo instante. Era o mesmo menino com Nathannaquele dia. O cão que nunca mais iria sair da minha vida.
-Está falando do Jin?- Tae falou me olhando de soslaio.
-É óbvio.
-Me deixa em paz, eu nem sei seu nome!- Falei e o garoto riu por um segundo e depois me puxou pelo casaco.
Eu realmente achei que isso iria calá-lo. Sou tão e******o! Eu não fazia ideia do quanto a minha vida iria mudar. Por uma picada de cobra no maldito acampamento e por um bando de gente infeliz com muito tempo livre.
-A menininha tem voz de menininha! Fala mais, deixe eu ouvir sua voz! -Ele riu e me chacoalhou. -"Eu nem sei seu nome" -Ele retrucou imitando a minha voz exageradamente fina.
-A minha voz não é assim!- Falei alto e firme. Ah, esse é um dos meus micos mais vergonhosos. As pessoas olhavam. Era um cão infeliz com muito tempo livre, mas popular.
-"A minha voz não é assim" -Ele me imitou de novo.
-Pare!- gritei e ele deu risada.
-Você é uma gracinha, seu nome é Jin, não é?!- O cão segurou meu rosto com as duas mãos nas minhas bochechas e eu franzi o rosto depois de tentar me livrar dele e não conseguir.
-Não interessa!
-"Não interessa!"- Por Thor, Poseidon, Buda... Eu fiquei tão irritado. Só lembro da minha mão voando em sua direção e acertando o canto do seu queixo. Eu não fiquei inseguro, eu era diferente, o tempo que fez a minha moral ir para o saco. Lembro de ter sentido raiva. Só raiva. Sem lágrimas e aquela fraqueza vergonhosa. Mas eu não o conhecia. Achei que ele nunca me bateria de volta, por eu ser um ômega e ele um alfa. Sou tão bobo. De fato ele não me bateu, não ele.
-Uh... Taetae, ele me bateu. Bateu no seu namorado!- Levi riu e forçou um bico magoado. Matheus estava de pé ao seu lado num pulo. De tudo que Levi já fez comigo para mim, essa foi a pior de todas, pois sei que ele não tem um poder de controlar mentes e sei que Matheus fez isso por vontade própria, Levi só deu a ideia.
-Você está namorando?- perguntei e vi Matheus me olhando com raiva.
-Não é da sua conta! Você não é mais meu amigo!- Ok. Eu sei. Foi infantil, mas nós tínhamos o que? 10... 11 anos?
-Eu não sou seu amigo, sou seu melhor amigo!
-"Sou seu melhor amigo"- Levi falou rindo e eu o empurrei com força. Com força, eu digo: Uma criança de 5 anos cairia. Não o Levi. Mas ele deu dois exagerados passos para trás e Matheus me jogou no chão. Eu não esperava essa reação. Quando ele começou a me bater de verdade, eu acordei. Ele nunca tinha sido meu amigo. Levi só apressou as coisas.
Foi a última vez que eu falei com Matheus de bom grado, depois daí ele entrou para o bando dos cães e se tornou o melhor amigo de Ivan. Ivan começou a namorar o Levi nesse meio tempo. Não faço ideia de como foi a transição de um para o outro, mas aconteceu.
Eu odeio lembrar disso. Queria simplesmente esquecer de tudo isso e nascer em um corpo novo.
Foi uma d***a. Eu entrei em depressão nesse ano, eu fiquei mais sozinho do que nunca. Em luto pela minha mãe. Com raiva de Levi e Nathan. Triste pelo Matheus. Preocupado com Kidoh morando com a vovó. E w******p não existia, então eu só falava com Camila, quando eu viajava para Gimhae. Meu pai... ah, isso é bom. Ele foi promovido no emprego, mas aí não parava em casa também.
Eu me senti desnecessário, um peso. E guardei tudo comigo para não incomodar ninguém. Camila tinha a própria vida, os próprios problemas. Eu não podia estragar nossos raros finais de semanas juntos contando como eu fiquei chateado, quando Nathanme trancou na sala de aula no intervalo.
Isso foi me sufocando. Eu só queria que alguém se importasse, mas não disse nada para ninguém.
E um dia foi demais.
Eu lembro de ter corrido chorando com uma faca para o meu quarto, lembro de ter me olhado no espelho com o rosto inchado e vermelho de tanto chorar, lembro de ter desejado que Levi fosse para o inferno e lembro da pontada na minha barriga. O sangue começou a escorrer e eu fui ficando desesperado.
Doeu para c*****o e eu não tive forças para enfiar a faca até o cabo e por o fim que eu queria. Eu não sabia que era muito mais fácil cortar os pulsos e agradeço por isso hoje, senão eu estaria morto.
Quando meu pai chegou em casa ele surtou, tive que fazer psicólogo por um ano e eu ainda tomo os antidepressivos.
Eu ainda tenho a cicatriz, ela me lembra que eu quero viver. Me lembra que eu me arrependi assim que vi o sangue pingando.
Flashback off
Nathan
21 de fevereiro
Sexta
Manhã
Jin tem um sabor doce. Era como se ele tivesse acabado de tomar sorvete.
Por que eu não consigo parar de pensar nisso? Eu vou ser suspenso! Meus pais vão me comer vivo e eu estou pensando em Jin.
-O Tae era amigo do Jin, sabia?- Levi falou do nada sem me olhar.
-Jin?- Por um momento pensei que tivesse falado algo para Levi soltar essa frase solta, mas eu me lembro de estar calado.
-É...- Ele confirmou de cabeça baixa. Estávamos no meio do refeitório como sempre, na nossa mesa, mas ela estava quieta demais hoje.
-O Jin ser filho do dono da SN, é como o destino.- Levi falou tão sério que teve graça. O nosso grupinho riu.
-Como o destino, Kook?- Lauani perguntou sarcástica, mas ele não deu bola e continuou sério. Ela gargalhou por isso.
-Escuta, todo mundo gosta da gente.- Ele continuou e olhou especialmente para mim, ele queria uma resposta, uma aprovação, mas eu não estava entendendo nada.
-O Jin certamente não gosta de mim.-Falei sem pensar e me arrependi por ter me posto em foco. Suga me olhou sem expressão.
-Por que ele gostaria?- Suga falou seco e eu travei encarando aquele garoto branco sem saber o que dizer. Eu queria com todas as minhas forças que Jin tivesse motivos para gostar de mim, mas ele não tinha.
-Mas ele vai gostar!- Levi falou do nada, cortando minha linha de pensamento e eu precisei me certificar se aquela não era a minha voz.- Cara, eu sou Jeon Levi. Alfa. Do time de basquete, hm... bonito, tenho um corpo legal!- Ele continuou sério e Lauani bateu palmas sarcástica. A mesa inteira riu.- Calem a boca, deixem eu terminar... Eu quero ser famoso! Nossa banda vai fazer sucesso!- Ninguém estava dando muita bola. Ivan provavelmente estava se perguntando se o seu namorado estava usando drogas. Hobi deu um golada na sua coca sem interesse e Lauani apenas ria.
-E... -Suga falou.
-Nosso chefe vem no nosso Colégio uma vez por dia! Vamos falar com ele!- A mesa riu mais uma vez e Levi olhou para cada um esperançoso de que pelo menos um de nós tivesse o levado a sério.
-Nosso chefe veio hoje no colégio reclamar da gente...- Falei cético e ele fingiu que não ouviu.
-Não vamos mais encher o saco dele.- Ele disse como se tivesse acabado e dizer algo incrível e eu forcei uma expressão surpresa que fez a mesa rir de novo.
-Esse é o plano, Einstein? -Layla falou.
-É, esse é o plano.-Ele sorriu e colocou uma batatinha na boca.
-Você está supondo que o Jin tem 8 anos e tem Alzheimer... Ele é sonso, mas tem uma memória boa- Lauani falou dando de ombros. Meu instinto de defender foi muito forte, mas eu mantive a boca fechada.
-Qual é? Vocês acreditam na banda ou não? - Levi perguntou sério.
-Amor... ouça o que está dizendo. Não tem sentido nenhum. - Ivan suspirou.
-É claro que tem. Todo mundo quer ser popular, a menina lá é a única amiga dele! Ele quer mais amigos! Eu sei que ninguém aqui quer ser amigo dele, mas é pela banda!- O entusiasmo dele falando enquanto todos os outros estavam com feições de paredes era hilário, mas eu não consegui rir.
Imaginei Jin andando com a gente. Sentando do meu lado todo dia no refeitório como o Ivan e o Levi. Ele sorrindo para uma m***a que eu disse. Do nada consigo ver ele vestindo o meu casaco do time de futebol. Do nada consigo ver ele me mandando mensagens de bom dia. Do nada consigo sentir o gosto de sorvete dele na minha boca e ouvir sua voz me chamando de amor.
-Aham... Alguém sabe se o professor de química passou atividade? -Normani perguntou.
-Passou sim, quer copiar?- Tae puxou seu caderno da bolsa e entregou a morena.
-Eu quero tentar isso.- Falei e Levi sorriu malicioso.
-Que babaquice, gente.-Hobi falou.
-Só seja simpático com ele- Falei e ele deu de ombros. -Sejam simpáticos todos vocês.- Agora todos deram de ombros.
Isso podia funcionar, não é? Céus, como eu queria que funcionasse.
Jin
21 de fevereiro
Sexta
Manhã
Sehun tinha acabado de passar na minha frente e aberto seu armário. Eu andei até o meu tentando inutilmente não encarar o garoto, mas ele percebeu meu olhar e tratou de sair de perto o mais rápido possível. O que eu fiz dessa vez? Estava tudo indo tão bem.
-Jinnie!- Camila falou me abraçando por trás e me dando um susto. Ela riu. -Lauani está tão fofa comigo. Ela parou com aquela pose de ser insuportável!
-Poxa, que bom!- Falei sem jeito, vendo Sehun sair do meu campo de visão.
-O que foi?
-Não é nada de mais...-Falei e ela ficou quieta me encarando e me forçando a falar.-Não acha estranho como as coisas acabaram com o Sehun? Ele foi tão rude! Ele não tem cara de ser rude...
-No que está pensando? - Camila me olhou cética.
-Um dia antes do Sehun terminar comigo o Nathanme mandou ficar longe dele.- Falei e a garota revirou os olhos.
-Jin, o Nathannão manda em você. Nem ele, nem o Levi e nem o seu irmão, só para te lembrar.- Ela falou devagar como se quisesse que entrasse na minha cabeça.
-Mas eu não obedeci! Sehun obedeceu... quer dizer... é o que eu acho. Não tem sentido!- Falei e Camila franziu as sobrancelhas, crítica.- Nathannão pode decidir quem eu namoro, Camila! Ele mandou o Sehun ficar longe de mim e o Sehun ficou! -Falei com raiva e ela me escutou com atenção.
-Eu posso perguntar ao Sehun o que aconteceu...-Ela disse depois de alguns segundos.
- Não é isso. Depois de tudo o que ele me disse, eu não quero o Sehun de volta, só queria... ah, não queria dar moral para o Nathan.-Falei encarando o corredor até ver o próprio entrando no mesmo, então virei para Camila num impulso e a beijei.