POV. Clara
Eu sei que a dádiva da vida é algo que devemos preservar e querer viver o que há de mais belo no mundo e ao nosso redor.
Só que infelizmente não é o meu caso. A minha vida inteira, sofri muito e nem sempre demonstrava tudo o que me acontecia. Sempre guardava para mim o que hoje, enxergo ter sido um grande erro.
Erro esse que quase me custou a minha preciosa vida e do meu pequeno príncipe, meu amor maior, Lucca. Se não tivesse tão sobrecarregada de ofensas, humilhações e até em alguns momentos agressões do passado que carreguei por anos na minha memória e coração, tudo o que Pedro me falou naquela noite, eu não teria chegado ao extremo.
Mas, não posso afirmar com convicção que não o faria, já que foi pesado tudo aquilo que ouvi e vi no seu rosto estampado o quanto aquelas palavras me feriam e parecia que ele não estava nem aí para a dor que me causava.
O que mais me vem a mente, é a dor estampada no rosto da minha irmã gêmea. Aquela, que sabendo como eu estava e vinha me recuperando gradativamente de uma depressão, estava ali para mim. E, apavorada mente, eu não estava para ninguém.
Ver em seus olhos o desespero, era como o mesmo estar enraizado no meu coração por anos. Tudo o que Pedro me disse naquele bar, não era de um todo mentira. Era a mais pura verdade eu ser esquisita, sem graça e até mesmo, como ele disse, a boneca inflável.
Desde que comecei a usar óculos de grau, sempre tinha apelidos diversos e uma coisa que digo é, como as pessoas tem a capacidade de criar algo para ofender o outro tão rápido assim. E como um rastilho de pólvora, se alastrava por onde passava.
Algumas vezes tentei me defender e, dessas muitas que o fazia enfrentando aquele ou aquela valentona, acabava apanhando. Não sabia me defender como deveria, porém, as unhas e alguns puxões de cabelo, eu conseguia dar.
E quem era a mais forte de nós, era a Chloe. No passado, antes de fazermos cursos diferentes em universidades distantes, ela sempre comprava a briga para si. E por ser sempre uma mulher que se envolvia com alguns capitães de clubes de luta, aprendia um golpe ou outro e, aquele ou aquela, acabava levando a pior.
Por isso, me dói lembrar daquele olhar e do desespero que Chloe sentiu ao me ver do outro lado da ponte soltando minhas mãos e me entregando a escuridão.
Quando senti a água gelada cobrir o meu corpo, arregalei mais meus olhos o que infelizmente, as lentes dos meus óculos, quebrou penetrando sobre minhas retinas. No momento do impacto e me sentindo sendo abraçada pelas águas, não lutei. Eu queria mesmo morrer. Ao sentir o choque em meu corpo pela forma como caí, senti a dormência e como se fosse um alento, não senti mais nada, só a paz penetrar na minha alma misturada ao caos que fazia tudo parecer perfeito.
Não queria viver. Para quê eu iria continuar a minha vida? Para ser sempre desprezada, machucada e ainda sofrer por meu filho ser apontado na rua como o bastardo, ou o esquisitinho? Não queria isso para mim e muito menos para ele.
Mas, como os desígnios da nossa vida, não são como de fato queremos, enquanto estava inerte numa escuridão profunda, senti apenas o meu corpo ser puxado para fora. Se fosse a morte que veio nos buscar, estava preparada.
O que acreditava ser o que pensava, estava enganada. Ouvia vozes ao meu redor, às vezes alguns cânticos e outros momentos dialetos que nunca havia escutado antes. Me perguntava aonde estava, mas não conseguia falar e nem me mover.
Quando estava no fundo daquele rio, por mais que estivesse certa da minha decisão, eu vi meu filho num clarão correndo em minha direção. Cabelos castanhos, olhos verdes, bochechas rosadas e um sorriso lindo. Segurou a minha mão e me conduzia por um lindo jardim de grama bem verde e várias flores ao redor.
Estava tão encantada por ele, que imaginava que estava no outro plano. Hoje, acredito que era só um passo para o outro plano espiritual.
- Eu sou o seu filho e vamos estar sempre juntos. Eu te amo mamãe!
Sua mãozinha gordinha que segurava a minha se soltou e no mesmo clarão que aquele menininho fofo apareceu, tudo ficou escuro e ele havia desaparecido, me deixando em um quarto cujo havia duas portas.
E mesmo que eu não fosse em nenhuma delas, uma se abriu e as vozes ecoaram mais altas e fortes. Dedos das mãos se mexeram, os olhos se abriram, mas para o que tanto ansiei, estava viva. Pedi para viver após estar naquela escuridão depois de ver aquele belo menino. Sentia que não era mesmo o certo a ser feito. Me arrependia muito.
Como se ainda estivesse naquela escuridão, entrei em desespero. Piscava diversas vezes e ouvia um som diferente. Era o som de bips e passos de vários os lados ao meu redor. Até que um choro eu escutei.
Era o som de alguém forte, um choro alto e cheio de vida. Mesmo não conseguindo ver, lágrimas que molhavam meu rosto indicavam que sim, era o meu pequeno milagre, o meu Lucca.
Quando alguém viu que eu estava com os olhos abertos, foi a maior festa. Ali, percebi que estava viva, mas com algumas limitações. Eu estava cega.
A pessoa que havia me dado a notícia foi minha irmã. Ela estava comigo em todo o processo que estive em coma e fizeram o possível para manter minha gravidez até o início do 8º mês, quando fizeram uma cesárea de urgência e Lucca nasceu com 51cm e 3.968kg.
No mesmo dia em que ele nasceu, eu renasci. Paguei um alto preço por guardar tanta dor em meu coração e quando a deixei explodir por causa de um homem que hoje enxergo pela minha alma ser podre e pobre de espírito, acabei me deixando levar e tentei cometer aquele crime. Enfim, eu não poderia nem ao menos ver o rostinho do meu filho. E se foi daquele jeito que o vi no que parecia ser um sonho, é o menino mais lindo que já vi.
Por não ter sido dada realmente como morta graças a minha irmã e os meus pais, consegui recuperar minha identidade, mas não recuperei os movimentos das minhas pernas e nem a minha visão.
Claro, que mesmo tendo sido um choque, transformei toda essa consequência pelos meus atos em algo bom. Comecei a trabalhar remotamente dentro das minhas limitações e não podia deixar de ressaltar a importância de mais algumas pessoas como Steven, o bombeiro chefe de 32 anos, viúvo que foi o grande pilar na minha vida.
Tentou de várias formas quando acordei se aproximar, sempre me tratando com carinho e respeito. Foi ele, quem me encaminhou a uma ONG que ajuda pessoas nas minhas condições.
Com o tempo, fui começando a gostar da sua companhia e percebi o quanto ele era carinhoso não só comigo, mas com meu filho, quer dizer, nosso filho, já que quando Lucca começou a falar as primeiras palavras, chamou Steven de papai.
Meu pai sabia que estava viva, me visitou muitas vezes e choramos muito. Claro que me puxou as orelhas me dando um belo sermão, lógico que ele estava certo. A vida é um bem precioso que devemos apreciar e cuidar.
Debby não foi diferente, falou muito e achamos melhor Claire e minha mãe não saber que estava bem e viva. Aquelas duas fariam alardes dos quais eu preferia me manter em off se não fosse Chloe com a ideia absurda de fazer justiça em Pedro, a quem descobri que realmente não o amava como amo Steven.
O homem que me leva ao paraíso e vivemos enfim, o relacionamento igual ao dos meus pais que sempre sonhei viver.
Mas, contudo, ainda não me sentia preparada para voltar a Toronto e nem mesmo tirar essa ideia doida da cabeça da minha irmã de vingança, que na verdade é o que ela sempre diz, justiça contra os riquinhos que se acham os tais em usar das pessoas sem se importar com os sentimentos delas só por terem poder e dinheiro, mas com a chegada de um médico especializado em cirurgias minuciosas em coluna, precisei ser praticamente dopada para voltar ao Canadá que mesmo não enxergando e isso não ocorrerá nunca mais, à menos que eu faça um transplante de córneas, não queria reviver tudo o que me aconteceu, preferia continuar em Paris, onde resido atualmente com meus dois amores.
E agora, estou aqui. Acordada no meu quarto, esperando para rever pelo menos minha amiga que deve estar tão perplexa e daria tudo para ver seu belo rosto chocada e me olhando parecendo ter várias cabeças, hahaha. Também, terei uma visita depois, da minha adorada mãe. Só que eu tenho medo, mas não de rever Pedro, mas de tudo o que passei ser usado contra mim no final.
Porque... mesmo eu descobrindo o que é o amor, eu precisei sofrer todas as consequências para alcançar a felicidade que tanto busquei e pode ser perturbada quando descobrirem a existência do meu pequeno e até mesmo a insegurança do meu Steven por acreditar que não o amo tanto quanto seu amor transborda por mim.
Continua...
A Clara já vinha sofrendo calada desde sempre e com o que o Pedro e seus amigos fizeram, só fez com que ela externasse o que a qualquer momento poderia fazer. Mas, Chloe não deixará barato e como digo sempre em muitos dos suspenses que ocorrem em determinados momentos dos meus livros, "Nem tudo é o que parece ser." 😘♥️