Pedro e Sarah

1896 Words
Após a nossa briga, vi Sarah partir, levando consigo não apenas a sua bagagem, mas também uma parte de mim, rumo a São Paulo. Ela decidiu tudo unilateralmente, sem ao menos considerar a minha opinião. De repente, surgiu com essa ideia de cursar uma faculdade distante, convencida de que precisava trilhar o seu próprio caminho, de que não queria se contentar em viver à sombra de um homem. A tormenta dentro de mim continua a rugir, tão intensa quanto o dia em que Sarah partiu. As palavras que trocamos ecoam na minha mente como trovões numa tempestade, cada uma cortando mais fundo do que a anterior. Como pude deixar que a raiva tomasse conta de nós daquela maneira? Talvez tenha sido o medo do desconhecido, o desespero diante da perspectiva de perdê-la para sempre Uma sensação de vazio agora se instalou no meu peito. Como se um tornado tivesse passado pela minha vida, deixando apenas destroços de uma relação que um dia foi tão sólida. A briga ainda ecoa na minha mente, as palavras cortantes que trocamos, os olhares de desapontamento que se cruzaram naquela hora. Como tudo desmoronou tão rapidamente? Parecia que há apenas um instante estávamos rindo juntos, planejando nosso futuro, e agora estávamos em lados opostos de uma decisão que mudaria tudo. Sarah sempre foi decidida, mas dessa vez sua determinação pegou-me desprevenido. É como se ela estivesse me traindo às costas, arrancando de mim a segurança que eu pensava ter. A ideia de vê-la partir para tão longe de mim foi quase insuportável. Desde que nos conhecemos, éramos como almas gêmeas, ligados por laços que pareciam indissolúveis. Mas agora, diante dessa encruzilhada, me vi questionando se os nossos destinos estavam mesmo entrelaçados para sempre. A dor da separação se misturava com o medo do desconhecido, dela de repente conhecer alguém mais interessante que eu comecei a me perguntar se voltaríamos a ser o que éramos antes, se algum dia a chama da nossa paixão voltaria a arder com a mesma intensidade. Enquanto assistia Sarah se afastar, uma parte de mim desejava correr atrás dela, implorar para que reconsiderasse, para que voltasse para mim, mas não fiz isso. O seu olhar determinado no meu deixou bem claro que ela estava determinada a seguir o seu próprio caminho, a trilhar as suas próprias escolhas, mesmo que isso significasse nos separar. E eu apenas a olhei impotente enquanto ela seguia rumo a sua decisão. Desde a infância, eu e Sarah fomos como irmãos inseparáveis. Mas com o tempo, essa conexão transformou-se em algo mais profundo. Apaixonamo-nos. Os nossos encontros clandestinos eram um segredo compartilhado com o vento, até que um dos cavalariços da fazenda nos flagrou juntos e trouxe à tona nossa relação proibida. Ela tinha dezessete anos naquela época e eu vinte e cinco. Fui obrigado a esperar até ela completar dezoito para podermos assumir publicamente o nosso namoro. Mas, é claro, sempre encontrávamos maneiras de nos ver às escondidas. Não queria que ela partisse enquanto ainda estivéssemos em desavença. Queria ter sido capaz de apoiá-la, mas as palavras amargas escaparam antes que pudesse controlar a minha raiva: “Sabe por que isso não me surpreende? Porque, no fundo eu sabia que um dia isso iria acontecer. Que um senso de realidade ia cair sobre você e te faria se afastar de mim!” “Não diga isso, Pedro. Você sabe que não é verdade.” As palavras de Sarah tentavam romper a barreira de amargura que ergui entre nós, mas eu resistia, preso na minha própria teia de inseguranças e medos. “Então por que está indo embora, Sarah? Por que decidiu seguir o seu caminho sem sequer me consultar?” Ela aproximou-se, a sua mão tocando de leve meu rosto, num gesto de carinho que parecia tão distante da frieza que havia se instalado entre nós. “Porque preciso descobrir quem sou além do que você espera de mim. Preciso encontrar o meu próprio lugar no mundo, Pedro.” Suas palavras ecoaram em minha mente, aumentando as nuvens de raiva que obscureciam o meu julgamento. "Seu lugar no mundo é ao meu lado e não distante de mim!" a minha voz soou firme, carregada de uma mistura de frustração e desespero. Eu não queria admitir que ela tinha razão, que talvez precisássemos desse tempo separados para crescermos individualmente. Em vez disso, eu a queria ao meu lado, como sempre estivemos. Sarah recuou um passo, o seu olhar encontrando o meu com uma mistura de tristeza e determinação. "Pedro, eu entendo que seja difícil para você aceitar isso, mas eu preciso fazer isso por mim mesma. Eu preciso descobrir quem sou além do que você espera de mim." A suas palavras cortaram como facas afiadas, atingindo pontos sensíveis dentro de mim. Eu sabia que ela estava certa, mas meu orgulho ferido impedia-me de admitir. "Você está a ser egoísta, Sarah. Pensa apenas em si, sem se importar com o que isso vai causar em mim." a minha voz tremia com a intensidade das emoções que lutavam dentro de mim. Eu queria que ela entendesse o quanto isso estava me machucando. Ela suspirou, uma expressão de tristeza passando por seu rosto. "Não é egoísmo, Pedro. É sobre encontrar o meu próprio caminho, sobre tornar a pessoa que eu realmente quero ser. E eu esperava que você pudesse entender isso. E que não agisse como um brucutu! Um ignorante! Você acha que o mundo se resume a você?" - Foram as palavras dela. Naquele momento as suas palavras me levaram a questionar: Ela disse isso por causa da minha atitude, ou por achar que sou isso mesmo? Balanço a cabeça afastando os pensamentos. Minha vida nunca foi fácil. Sou capataz de uma fazenda vizinha à dela. Sarah é filha do dono de uma grande propriedade aqui em São Gabriel, uma pequena cidade no Rio Grande do Sul. Provavelmente, seus pais influenciaram sua decisão de me deixar. Eu também anseio por oportunidades de estudo, mas não tenho recursos. Meu pai depende de mim. Ele é idoso e sofre de artrite. Gerencia sozinho a destilaria. Ajudo-o nos meus momentos livres e nos finais de semana. Mas ele insiste que eu deveria abandonar meu trabalho para me dedicar inteiramente aos negócios da família. Meu Deus! Adoro o que faço. Gosto de trabalhar com o gado, de sentir o cheiro da terra, de respirar o ar puro. Mas a cada dia, meu pai torna a minha vida mais insuportável, tentando me convencer a mudar de ideia. Ele não aceita que eu trabalhe para outros quando temos o nosso próprio negócio. Sarah continua a dominar meus pensamentos. A discussão foi desastrosa. Malditos anos afastados da minha ruivinha. Sentirei falta do aroma de maçã dos seus cabelos, dos lábios rosados nos meus, provocando-me. Suas mãos, nos momentos mais inoportunos, me seduzindo. Quantas vezes, enquanto trabalhava com o gado, avistava-a chegando em seu alazão para me procurar. Ah, a visão dela ao longe, o breve encontro nos celeiros entre os fardos de feno... Nada nos detinha. E eu me lembro agora, como se pudesse sentir o cheiro do feno outra vez. Estávamos no celeiro, escondidos entre os fardos. A luz dourada do fim da tarde entrava pelas frestas das paredes de madeira, pintando o ambiente de tons alaranjados. Sarah me puxou pela mão, rindo baixo, o som leve da sua voz misturando-se ao farfalhar do feno sob nossos pés. Ela se sentou sobre um dos fardos, olhando-me com aqueles olhos verdes, tão vivos, tão cheios de travessura. O vestido simples que usava deslizava até os joelhos, e eu me lembro de como as mãos dela tocaram meu rosto naquele instante, os dedos macios explorando meu queixo áspero. — Por que você tem sempre essa cara séria, Pedro? — ela perguntou, inclinando a cabeça para o lado, um sorriso brincando em seus lábios. — Porque você me tira do sério — respondi, meu tom meio rouco, incapaz de resistir a ela. E então, ela puxou-me para mais perto, os braços envolvendo meu pescoço enquanto nossos lábios se encontravam. O mundo lá fora deixou de existir. Não havia o som dos cavalos nem o eco distante dos trabalhadores da fazenda; havia apenas Sarah e eu, juntos no silêncio quente do celeiro. O gosto dela era doce, o cheiro dos cabelos dela me invadia como uma d***a que me fazia querer mais. Suas mãos deslizaram pelo meu peito e eu senti a força do desejo pulsar em minhas veias, mas também o amor... aquele amor puro e selvagem que só ela sabia despertar em mim. — Ninguém vai nos separar, Pedro — sussurrou contra meus lábios, enquanto o sol continuava a se pôr do lado de fora. Se eu soubesse que aqueles momentos seriam tão passageiros, teria segurado aquele instante no tempo. Teria gravado cada detalhe dela em minha memória — o rubor no rosto, os olhos fechados, o sorriso satisfeito logo depois. Agora, essas lembranças são ao mesmo tempo meu conforto e minha tortura. Retiro do bolso a nossa foto juntos. Nela, Sarah sorri daquele jeito que só ela sabe, iluminando tudo ao seu redor. Passo o polegar pelo rosto dela, sentindo a dor latejar no meu peito. Devo ser forte. O vento sopra lá fora, frio e impiedoso, mas nada se compara à tempestade que carrego por dentro. Sarah Estou em São Paulo, na casa da minha tia, olhando pela janela enquanto a cidade se movimenta lá fora. Sinto-me como uma pequena embarcação perdida em meio a um oceano de concreto e aço. A cidade pulsa com vida ao meu redor, mas dentro de mim, apenas o vazio e a solidão parecem habitar. O burburinho urbano contrasta com a quietude dos meus pensamentos tumultuados. A briga com Pedro ainda ecoa na minha mente, cada palavra cortante como uma faca penetrando no meu coração. Eu não queria partir em meio a conflitos, mas minhas emoções estavam à flor da pele naquele momento. Tudo o que eu queria era seguir em frente, buscar a minha independência, mas a dor da separação dói mais do que imaginei. A decisão de partir não foi fácil, mas foi necessária. Eu precisava encontrar o meu próprio caminho, longe das expectativas e das pressões que cercavam o nosso relacionamento. Mas mesmo agora, enquanto tento concentrar-me no futuro, uma parte de mim continua a se prender ao passado, aos momentos felizes que compartilhamos juntos. Enquanto olho pela janela, deixo-me levar pelas lembranças dos momentos felizes ao lado de Pedro. Os beijos roubados nos celeiros, os encontros clandestinos entre os fardos de feno, cada momento compartilhado parece agora uma pérola preciosa em meio ao caos da minha partida. Lembro-me dos lábios de Pedro nos meus, do calor do seu abraço, da sensação de estar completa ao seu lado. E, mesmo com a distância e a incerteza do futuro, uma parte de mim continua a desejar que as coisas possam ser diferentes, que nós possamos superar as adversidades juntos. Mas eu sei que preciso seguir, que essa jornada é necessária para o meu crescimento pessoal. Respirando fundo, tento afastar as dúvidas e os arrependimentos, focando no desafio que tenho pela frente em São Paulo. No entanto, uma raiva sutil consome-me ao lembrar da incompreensão que permeou as nossas palavras trocadas. Sinto-me frustrada pela falta de entendimento mútuo, no entanto, não vou procurá-lo. Decidi que vou esperar ele me ligar para me pedir desculpas.
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