O destino armou para mim, me obrigando a confrontar a minha dor, o meu passado, como se fosse uma forma de punição pelos meus pecados. Ver a Sarah novamente trouxe à tona uma mistura tumultuada de emoções que eu estou tentando enterrar desde o momento em que ela partiu.
Ao vê-la no mercado, o meu coração deu um salto. Por um instante, fiquei paralisado, incapaz de acreditar que ela estava ali, bem diante dos meus olhos. A distância entre nós pareceu desaparecer instantaneamente, como se o tempo tivesse parado e voltado ao momento em que éramos apenas nós dois, envolvidos na nossa própria bolha de amor e felicidade.
Mas essa ilusão desmoronou rapidamente quando me dei conta de que o passado não poderia ser apagado tão facilmente. O peso da culpa se instalou no meu peito, me lembrando das palavras afiadas que trocamos, das feridas que infligimos um no outro. Eu sabia que não poderia voltar atrás e consertar as coisas, mas isso não impediu a esperança de florescer no meu coração, e me aproximei dela.
Os meus passos eram hesitantes, como se eu estivesse carregando o peso de todos os erros que cometi. Eu queria dizer tantas coisas a Sarah, pedir desculpas, explicar o que realmente aconteceu, mas as palavras pareciam se perder no ar. O silêncio entre nós era ensurdecedor, quebrado apenas pelo som distante da música natalina e dos murmúrios dos clientes ao redor. Tudo parecia tão surreal, como se o mundo ao redor estivesse seguindo o seu curso, mas eu estivesse preso nesse momento com ela, sem saber o que dizer.
Quando finalmente cheguei perto o suficiente, olhei nos olhos dela e vi a mistura de emoções refletidas ali. Ha
via raiva, tristeza, e talvez até um lampejo de esperança. Eu não sabia o que esperar, mas sabia que precisava tentar, precisava dizer algo.
— Sarah... — A minha voz saiu como um sussurro rouco, carregado com todo o peso do arrependimento e da angústia que carrego desde que nos afastamos.
— Pedro... — A resposta dela foi igualmente hesitante, mas algo no seu olhar me fez acreditar que, talvez, houvesse uma chance para nós.
Aquele encontro foi um turbilhão de emoções não ditas. A distância física entre nós parecia pequena, mas ainda havia um abismo emocional que parecia insuperável. Eu queria estender a minha mão, tocar a dela, sentir a pele dela contra a minha, mas algo me segurava, talvez o medo de reviver as mágoas antigas. No fundo, eu sabia que essa barreira não seria fácil de derrubar.
Quando perguntei se ela estava bem, eu esperava ver a dor refletida nos seus olhos, algum indício de que ela também sentia a falta de tudo o que tínhamos. Mas não foi isso que eu vi. Ela me deu um sorriso radiante, aquele tipo de sorriso que faz o meu coração doer porque foi o mesmo que eu vi tantas vezes quando estávamos juntos.
— Estou ótima. — O som das palavras dela me atingiu como um soco no estômago. Ótima, longe de mim.
Sim, ela estava tão bonita quanto eu me lembrava, mas ao mesmo tempo, tão distante da mulher que eu conhecia. A forma como ela me olhou, tão confiante, tão resoluta, me fez perceber o quanto as coisas haviam mudado. Ela havia seguido em frente, e eu... eu estava preso no passado.
Quando ela se despediu e nos afastamos, senti um vazio imenso se abrir dentro de mim. Era como se, com cada passo que ela dava, uma parte de mim estivesse sendo arrancada. Eu sabia que deveria deixá-la ir, seguir com a minha vida patética, mas, mesmo assim, uma parte de mim ainda se agarrava à esperança, àquela pequena possibilidade de que, talvez, algum dia, nossos caminhos pudessem se cruzar de novo e nós pudéssemos encontrar o nosso caminho de volta um para o outro.
Enquanto eu dirijo de volta para casa, com a paisagem familiar passando diante dos meus olhos, me pego pensando nela, em tudo o que perdemos, em tudo o que poderíamos ter sido. E quanto mais penso, mais a verdade se revela de forma dolorosa: fui eu quem a afastou.
E sabe o que mais me castiga? Enxergar o quanto eu fui hesitante em relação à minha própria vida, à minha vida ao lado dela. A minha insegurança sempre foi um monstro que me assombrava de tempos em tempos. Quando a Sarah me disse que iria estudar longe, tudo o que eu conseguia pensar era que ela conheceria novas pessoas, homens melhores do que eu, mais estudados, mais preparados para a vida. E eu surtei, porque sempre me achei inferior a ela. Eu sempre tive a certeza de que um dia ela abriria os olhos e perceberia que merecia alguém melhor do que eu.
Hoje, entendo que foi isso que me impediu de procurá-la. No fundo, esperei que ela lutasse por mim, porque só assim eu poderia afastar essa sensação de inferioridade. Mas ela não deu nenhum passo na minha direção, e eu, como um i****a, estraguei tudo. Coloquei o pé na jaca, como dizem por aí.
Revoltado com a ausência dela, saí com outras mulheres, justo no momento em que deveria ter esperado pelo seu retorno. Deveria ter conversado com ela, resolvido as coisas. Mas ao invés disso, cometi o pior erro possível.
Essa é a verdade dolorosa que agora me confronta: a minha hesitação e a minha insegurança me afastaram da mulher que eu amava, e agora, é tarde demais para consertar as coisas. Eu me sinto preso em um ciclo interminável de arrependimento e autocomiseração, incapaz de escapar das consequências dos meus próprios erros.
Minutos depois, chego à fazenda, e o meu semblante reflete a tempestade interna que estou enfrentando. A Nice percebe a minha agitação imediatamente e me oferece um olhar solidário, mas não pressiona com perguntas. Silenciosamente, agradeço pela sua compreensão enquanto me retiro para o conforto do meu quarto, buscando um refúgio em meio a esse caos emocional que parece cada vez mais incontrolável.
As horas se arrastam com uma lentidão insuportável, e eu me vejo afundando em um mar de pensamentos e emoções conflitantes. O calor do sol, que antes me trazia um certo conforto, agora parece opressor, como se o seu brilho estivesse me sufocando com uma intensidade implacável. A luz que entra pelas janelas do quarto faz parecer que estou presa, sendo observada por algo maior, algo que eu não posso controlar.
No almoço, disfarço bem a minha tribulação. O meu pai e o meu irmão parecem alheios à tempestade emocional que se desenrola dentro de mim. Eles continuam com as suas conversas habituais, discutindo os detalhes do dia na fazenda, enquanto eu me esforço para manter uma aparência de normalidade. Estou me tornando cada vez mais hábil em ocultar os meus sentimentos, em fingir que tudo está bem, quando na verdade o meu coração está em frangalhos.
À medida que a noite cai, a solidão da fazenda envolve-me como um cobertor frio e pesado, e a ausência do Pedro se torna ainda mais palpável, uma presença ausente que preenche todos os cantos da casa. O silêncio que antes eu apreciava agora é perturbador, uma lembrança constante de que algo está faltando, de que algo foi quebrado e talvez nunca mais possa ser reparado.
Sem saber o que fazer com essa dor crescente, sigo até a cozinha, onde a Nice está preparando o jantar. Decido que preciso me abrir com ela, contar tudo o que aconteceu naquele encontro com o Pedro, desabafar o que está me consumindo. Ela me escuta com paciência, sem interromper, oferecendo conforto da única maneira que pode: com a sua presença calma e o olhar compreensivo. Apesar dos seus esforços para me consolar, no entanto, sinto-me perdida, como se estivesse à deriva em um oceano de tristeza, incapaz de encontrar uma saída desse labirinto emocional que me aprisiona.
No jantar, disfarço novamente a minha tristeza, a minha luta interna. Estou me tornando perita nisso, uma verdadeira intérprete de uma vida feliz que não possuo. Cada sorriso que forço no rosto é uma máscara que coloco para proteger os outros da dor que estou sentindo, uma dor que parece crescer a cada momento de silêncio, a cada palavra não dita.
Alegando cansaço e sono, me retiro cedo para o meu quarto, em busca de refúgio nos lençóis macios da minha cama. Assim que me deito, sinto o peso de todo o dia cair sobre mim, e então desabo. À luz fraca do abajur, permito-me finalmente sucumbir às lágrimas que venho reprimindo durante todo o dia. Cada soluço que escapa dos meus lábios é uma expressão da dor que carrego dentro de mim, uma angústia silenciosa que parece não ter fim.
Deitada ali, sozinha no escuro, me sinto pequena, como se estivesse sendo consumida por essa tristeza que me afoga lentamente. Eu tento encontrar algo a que me agarrar, uma faísca de esperança, mas tudo o que vejo ao meu redor é o vazio. E assim, em meio à escuridão da noite, eu me encontro perdida nesse mar de emoções, navegando à deriva, buscando desesperadamente uma luz que ilumine o caminho para fora desse labirinto de dor e solidão.
Os minutos se tornam horas, e eu percebo que, por mais que tente fugir dessa dor, ela me segue aonde quer que eu vá. Ela se esconde nos cantos da minha mente, esperando o momento certo para emergir e me consumir de novo. E assim, a única coisa que me resta é esperar, esperando que, eventualmente, esse mar revolto de emoções se acalme e me permita respirar novamente.