Maria Eduarda
Há dois anos eu não sei o que é ter paz. E aqui estou, me olhando no espelho do banheiro, tentando esquecer o meu pior pesadelo. Desde aquela noite eu não comemoro mais o meu aniversário. Não tenho razão para festejar.
Como eu gostaria de ter morrido! É errado eu ainda ter esses tipos de pensamentos? É errado eu ainda me sentir suja? São tantos sentimentos contraditórios que eu ando sentindo!
No início, eu não conseguia dormir devido aos acontecimentos.
Eu era sedada e também era restringida no leito do hospital. A dor que eu sinto na alma é tão grande, que acabei tirando o soro da veia que estava me hidratando e machucando-me mais ainda, só via o sangue saindo novamente, e sorria entre as lágrimas que já estavam escorrendo.
Para mim era tão bom, porque a morte viria e me levaria do meu sofrimento.
De uma coisa eu tinha certeza: eu não saberia como viver com aquilo. Só que eu não contava que as enfermeiras fossem entrar tão rápido e gritando. E apaguei novamente.
E aqui estou eu novamente posicionada no mesmo lugar, onde eu tentei me matar da primeira vez. E mais uma vez não funcionou. Minha irmã foi avisada que eu tinha tentado novamente me matar. Agora ela me olha chocada.
— O que você fez, Duda? — ela me questiona, com lágrimas nos olhos.
— Você não entende! — sussurro.
— Então me faça entender! — ela diz, séria. Tento me mexer, e não consigo. Vendo o que eu estava fazendo, ela explica: — Eles tiveram que te amarrar.
— Deu para perceber — resmungo.
— Então, vai ou não me fazer entender o que está acontecendo com você?
— Há quanto tempo eu estou aqui?
— Há quase dois dias. Você se lembra daquela noite?
— Sim… — sussurro.
— Então é verdade? — ela me questiona, e sinto meu sangue fugir completamente do meu rosto.
— Sim… — volto a sussurrar, com vergonha de mim mesma.
— Duda, você não quer saber o que aconteceu com você?
— Sinceramente, acho que você não precisa me lembrar do que aconteceu exatamente comigo! — sem querer, sou grossa, e logo estou me desculpando: — Me perdoa, não queria ser grosseira.
— Eu sei que não! Você não sabe o que eu senti quando te vi no chão do banheiro toda ensanguentada.
Minha irmã linda… Ela não tinha ideia de como eu a admirava, me criou desde pequena, a nossa diferença é de dez anos.
— Me perdoa! — peço novamente, e ela me abraça, colocando a cabeça em meu colo. Começa a chorar. Muito.
— Eu pensei que você estava morta! — ela sussurra.
— Era o que eu queria naquele momento — confesso, sentindo as lágrimas dela em minha barriga.
— Não, eu não quero que você atente mais contra a sua vida! — ela diz, brava, e se levanta. Assim pude reparar em como ela estava abatida.
— Eu preciso morrer!
Ela me olha chocada.
— Nunca mais fale uma merda dessas!
— Você acha que é fácil?
— Eu imagino que não deva ser fácil.
— Não, você não imagina! — praticamente grito, e tento me controlar:
— No dia do meu aniversário eu fui estuprada!
— Duda, fica calma — ela pede, ao ver como estava agitada.
— Eu não posso ficar calma! — olho firme para ela. — Além de ter sido violentada, posso estar grávida e ainda correr o risco de ter pegado uma DST.
— Eles fizeram o teste de gravidez e DST.
— E qual foi o resultado? — pergunto, com medo.
— O resultado mostra que você, Senhorita Sanches, não está grávida e também não contraiu o vírus — ouço uma voz de um homem e fico tentando saber quem é. Não preciso muito, pelo jeito da minha irmã, que ficou muito vermelha.
— Oi, doutor Leão — minha irmã diz, ainda corada.
Ele abre um sorriso que acho sensual e nos cumprimenta.
— Então eu não estou grávida?
— Não senhorita! Mas isso não significa que a senhorita não tenha que tomar a pílula do dia seguinte e muito menos o coquetel, pois vai tomar como prevenção.
— Mas o senhor não disse que eu não estou grávida e também não contraí DST? Por que eu tenho que tomar? — questiono, já ficando nervosa.
— Senhorita, como eu estava dizendo, a senhorita tem que tomar, e vamos fazer mais exames. Você também vai ser acompanhada por um psicólogo.
— Eu não preciso de nenhum psicólogo — respondo, grossa, e a minha irmã me olha feio.
— Ela vai, sim, doutor Leão!
— Ótimo, a enfermeira já vai trazer as medicações, e vamos fazer logo mais exames.
— Eu estou bem! — resmungo.
— A senhorita passou por um grande trauma, e sei que está abalada, mas precisa fazer mais exames e também começar a tomar a medicação, tudo bem? — aceno a cabeça em concordância. Não demora muito, ele sai, e vem uma enfermeira, e sou tirada da restrição. Foi assim que comecei a minha longa jornada para esquecer o meu pesadelo.
— Dudaaaaaa! — ouço a minha irmã me chamar e sou tirada do passado. Logo desço as escadas e vejo-a toda arrumada.
— Aonde você vai? — pergunto, curiosa.
— Eu vou trabalhar, esqueceu? — ela brinca. — E a senhorita tem que ir para a aula, e não se esqueça de vir logo para casa.
Ela me dá um beijo e sai correndo como louca. Minha irmã ama e ao mesmo tempo odeia o trabalho como secretária do Senhor Leon Vitorino. Sinceramente, eu ainda não o conheci, e nem quero. Minha irmã diz que o homem é um gato e que eu deveria arrumar um namorado.
Decidi que nunca vou me relacionar com ninguém. O medo ainda bate em mim quando algum homem se aproxima. Mesmo sabendo que não pode me fazer nada de m*l, eu ainda fico com um pé atrás.
Pego a mochila e sigo para o curso, pedindo mais uma vez a Deus para me fazer esquecer de tudo que me aconteceu. Será que é pedir muito? Solto um longo suspiro triste.