Ela sorri satisfeita.
—Espero que se dê bem na cozinha.
—Eu também. Sempre gostei de cozinhar. Sei alguns pratos. Aprendi alguns novos com a minha tia, nos tempos que fiquei na casa dela também. Sei fazer de tudo um pouco. Claro que só a culinária do dia-a-dia, nada da culinária mais sofisticada. Mas tendo um livro de receitas, consigo reproduzir tudo.
Minha tia é uma pessoa muito simples, mas adorável. Muito diferente da minha mãe, que se casou com meu pai por causa do dinheiro.
—Ah que bom. Bem, mas o importante é a noção de cozinha e isso você tem. Então, vamos lá?
—Sim, Rose. Não vejo a hora de começar. O senhor Çelik virá para almoçar?
—Não, só para jantar. Mas ele não come muito no jantar. Uma comida mais leve. Ele adora ensopados, sopas, tudo que tem molho.
—Hum, está certo.
—Tire esse uniforme que vou pegar outro para você.
—Está certo.
Eu a espero de calcinha e sutiã sentada na cama, pouco tempo depois ela surge com o novo uniforme. Ele é vestido um pouco grosso branco, com botões pretos grandes. Ela me dá também um chapéu próprio para a cozinha.
Eu visto o uniforme e, novamente, ele fica folgado.
— Como você é magra.
—Eu estou abaixo do peso. Senti muito a perda do meu irmão.
—Ah, mas não pensa mais nisso. Vida nova agora. Chega de tristeza!
Limpo minhas lágrimas, tocada por suas palavras. Rose sorri constrangida para mim e diz:
— Vamos! Acompanhe-me!
Norma já me espera, com certeza Rose já tinha dito para ela sua resolução de me colocar para ajudá-la na cozinha. Ela não perde tempo e me mostra tudo, todos os seus utensílios, os aparelhos, temperos e onde fica a dispensa.
—Deus! Que cozinha maravilhosa. Tem de tudo! Todo tipo de especiaria. Seu patrão é bem requintado.
— Sim, eles gostam de comer bem. Mas não são nenhum comilões. Todos eles comem com qualidade e não quantidade.
—Ele é francês?
Norma ri.
—Você é a primeira mulher que desconhece o sobrenome da família Alakurt Kemal Çelik.
Eu rio do sobrenome comprido.
—Deus! Parece nome de Rei, príncipe.
—Eles são turcos. —Norma diz sorrindo.
Estremeço novamente. Deus! Não pode ser a mesma pessoa! Impossível! Disfarço meu nervosismo e comento:
—Hum, não sabia que turcos tinham nomes tão compridos.
—Geralmente não tem. —Ela ri. —Você nunca ouviu mesmo falar de Murat?
Engulo em seco. Novamente esse nome!
—Não, mas estou curiosa.
—Venha até a sala. Lá tem uma fotografia dele.
Estremeço, com o coração agitado a sigo até a sala. Estou louca para tirar minhas dúvidas. Ela pega o porta-retratos na mão e me entrega. Sou tomada de horror. A mente gira como um caleidoscópio maluco. Forço meu queixo a ficar no lugar e não cair.
Sim, é ele! Murat é o homem que conheci no hotel que eu trabalhava. Bem, foi muito mais que conhecer, eu me entre....
Estremeço.
Ele está lindo na foto. Sou nocauteada por tamanha beleza. Ele está sorrindo ao lado de um senhor e uma senhora que devem ser seus pais. Elegante dentro de um smoking. A postura revela sua energia e imponência, o físico perfeito, parece um atleta.
Sim, eu o conheço. É aquele deus grego que esteve no hotel em York. Nem acredito que é o cara que esbarrou comigo no hotel. Bem, nesse dia eu que trombei com ele.
Antes de entrar no hotel, eu tinha sido ameaçada pelos traficantes novamente me cobrando as dívidas de drogas que meu irmão deixou depois de morrer de overdose. Um deles me pressionou em um poste e me lambeu.
Bem, já viu como eu fui trabalhar.
Com a cabeça cheia.
Fiquei desnorteada.
Então eu parecia uma sonâmbula nesse dia. Laura a garota que trabalhava comigo me pediu para pegar umas fichas no almoxarifado. E eu estava tão aérea que me perdi. Distraída acabei dando um encontrão com um homem perfumado.
Murat.
Ele saía de uma sala de reuniões acompanhado com alguns executivos. Na época ele estava com muletas, ainda posso ouvir o seu gemido de dor.
Meus pensamentos me levam àquele dia:
O choque foi violento, ouço o baque de algo caindo no chão. Então vejo as muletas. Quando ergo meu rosto dou com um homem lindíssimo pálido se segurando na parede gemendo de dor. Seu pé está enfaixado. Fico totalmente sem reação olhando para ele. Reparo no seu relógio de ouro e nas roupas finas dele.
Que d***a! Penso na hora que vejo o quanto esse gringo parece ser importante.
—kahretsin! (Mas que m***a!) Você quase me derruba no chão! —Ele diz abafado ainda se segurando na parede.
Ele é árabe? Penso o encarando sem saber o que fazer e confesso que mais baqueada pela beleza desse homem do que por qualquer outra coisa.
—Perdoe-me senhor, foi sem querer. Está doendo muito?
Ele ergue o rosto e eu prendo o ar quando dou com seus lindos e expressivos olhos negros que combinam muito com ele...
Um dos homens que o acompanha lhe entrega as muletas, ele as pega sem olhar para ele, seus olhos fixos nos meus. Se amparando nelas diz para todos se retirarem e nem por um minuto desvia seus olhos dos meus.
—Nos reunimos amanhã no mesmo horário—diz para eles ainda olhando para mim.
Os homens se afastam.
—Precisa de ajuda? —Um dos homens bem vestidos que o acompanha pergunta.
—Não. —Ele diz os olhos fixos em mim.
Eu engulo em seco. Por que ele me olha desse jeito?
Não sei! Só sei que me sinto uma presa diante de uma fera.
Eles se afastam imediatamente me deixando em frente ao cara mais atraente que eu já vi na vida. Ele me avalia com seu olhar n***o, intenso. Há nele uma firmeza perturbadora, uma segurança que me deixa pouco à vontade com ele. Meus nervos estão à flor da pele.
—Pelas suas roupas você trabalha aqui?
Eu aliso meu uniforme.
—Sim, na recepção.
—Não te vi na recepção.
—Eu faltei alguns dias.
Ele avalia meu rosto.
—Entendo.
—Bem, então perdoe-me e bom dia para o senhor.
Eu me afasto um pouco dele e dou com Henry, o carregador de malas, vindo em minha direção. Ele pega o meu braço e me leva para um canto.
— Laura está como louca perguntando por você. Onde diabos você se meteu? Se já não bastasse que você faltou três dias seguido. Fora sua falta quando seu irmão morreu. O que está querendo? Perder o emprego?
—Diga a Laura que ela estava me auxiliando. —O homem diz surgindo ao meu lado.
Henry me larga imediatamente e se afastando de mim o encara sem graça, então ele apruma mais seus ombros e se inclina.
—Ah, perdoe-me senhor. Eu não sabia. Sendo assim, depois você leva as coisas para ela.
Eu aceno com a cabeça e quando Henry se afasta, eu o encaro o lindo desconhecido:
—Obrigada. —Digo e sentindo uma certa fraqueza e me seguro às cegas na parede.
—Você não me parece bem. Acompanhe-me, acho que precisa de uma bebida.
Eu engulo em seco.
— Como?
—Vem comigo! —Ele diz autoritário.
—Aonde?
—No meu quarto.
—No seu quarto? —Eu ofego.
—Sim, é o mínimo que pode fazer depois de ter me atropelado.
—O que farei no seu quarto?
Seus olhos ardem nos meus. Percebo sua testa com uma leve camada de suor.
— Ajuda. Você entenderá quando chegarmos lá.
Eu pisco aturdida. Minha mente de repente entorpece com apreensão. Enfeitiçada por seus olhos negros, sinto como se estivesse à beira de um precipício, desligada da realidade. Por um momento esqueço as mágoas, a tristeza que carrego pela morte do meu irmão. Até me pessimismo quanto aos homens que agora estão atrás de mim me cobrando o que ele deve.
Extraordinário essa reação que esse homem me provoca...
—E então? —Ele questiona ante minha mudez.
—Tudo bem.
—Ótimo. Então vamos.