Justin Evans
Estou na varanda do segundo andar da minha casa, ouço o barulho da casa cheia e conversas animadas no andar de baixo, hoje é a festa de aniversário da minha irmã mais nova Grace e não pretendo sair do meu refúgio. Fingir gostar de toda a falsidade que envolve os nossos líderes é algo que definitivamente não consigo. Respiro fundo ao sentir a brisa fria, olho para baixo e vejo as pessoas esbanjando sorrisos falsos por toda parte. Mantenho-me no escuro para que não me vejam e assim eu seja forçado a interações desnecessárias, não tenho vontade de me juntar a elas, sinto-me cansado de fingir que todo esse glamour me agrada.
Tenho 25 anos, sou o filho mais velho de Samuel Evans, o beta dos Wild Wolves. Venho me preparando desde muito cedo para me tornar o próximo beta, mas isto não é o que anseio e esse é o principal motivo das brigas com o meu pai. As funções de liderança são herdadas e passam de pai para filho, mas eu não tenho o menor interesse neste cargo. Isso porque o próximo alfa será Kaden Dawson, um ser arrogante, vaidoso e sem a menor noção do que é melhor para a alcateia, assim como seu pai Geremy Dawson, o atual alfa. Se não fosse por minha mãe, já teria me tornado um lobo solitário, ela é o único ser gentil e bondoso desta casa. Além disso, tem a Charlotte, não compreendo todo o carinho e preocupação que sinto por aquela garota, já pensei estar apaixonado, mas logo percebi que tenho um sentimento fraternal por ela, sinto como se a minha missão fosse protegê-la.
Desde que comecei a observar Charlotte percebi que existe algo muito estranho na sua família e tudo que envolve o seu nome é motivo para o alfa se sentir desconfortável e colocar-se na defensiva. Aos doze anos aprendi a observar as coisas que acontecem ao redor e notei que ela precisa de proteção, por esse motivo tentei me aproximar algumas vezes, mas nunca obtive sucesso. Hoje mais uma vez a minha tentativa fracassou, convidei-a para vir à minha casa esta noite, mas como sempre, ela não aceitou. Suspeito que os seus parentes sejam o motivo de todo esse distanciamento, porém isso não me fará desistir.
Disperso os meus pensamentos quando noto a presença de duas pessoas diferentes no meio dos convidados, reconheço o que está virado para mim, é Ryan Miller. Ele é um dos guerreiros de confiança do Alfa Supremo, o conheci quando fui a capital para o casamento de uma prima há uns 2 anos. Desde aquela época, mantivemos contato já que temos um robe em comum, corrida de carros. Vejo ao seu lado uma figura um pouco menor e mais magra que está de costas para mim, saio do meu refúgio, desço as escadas e sigo em direção aos recém-chegados e paraliso com a visão diante de mim.
A mulher mais deslumbrante que já coloquei os olhos está na minha frente, o meu coração dispara e o meu olfato se surpreende com o cheiro que emana dela, um aroma frutal que traz um frescor que jamais senti, percebo que ela também está afetada. Pelo canto do olho vejo Ryan soltar uma risadinha, ele é o único que percebe o que acontece, essa desconhecida é minha companheira.
- Muito prazer, sou Justin Evans.
- O prazer é meu, Lucy Sullivan.
Estendo a minha mão para cumprimentá-la e ao encostar as nossas mãos tudo parece ficar em câmera lenta, estamos muito próximos um do outro e permanecemos conectados pelas mãos e pelos olhos, alheios a tudo ao nosso redor. De repente ouço um grito na minha cabeça, pisco algumas vezes atordoado e abaixo a cabeça, Lucy e Ryan percebem que algo aconteceu, porque outros lobos se movimentam.
- Me ajudem! Quatro lobos estão me perseguindo, estou na divisa das nossas terras, próximo ao desfiladeiro. Venham depressa! – O ancião Elijah é quem grita por socorro, através da conexão mental.
Levanto o olhar e aviso aos recém-chegados.
- Preciso ir ao encontro de um ancião, ele está em perigo. – Digo rápido e começo a me virar.
- Nós iremos com você. – Olho para Ryan e vejo que está sério, ele é superior a mim e tenho que obedecê-lo.
Não me agrada que a minha companheira corra qualquer perigo, mas não posso impedi-la de ir. Em simultâneo, ouço as ordens do alfa Geremy que continua dentro da casa, sentado próximo à lareira num confortável sofá, provavelmente com o seu whisky nas mãos. Ele fala através do elo mental e designa a mim o comando desta missão, depois convoca os guerreiros considerados mais fortes para guardar a casa e a sua família, em seguida, fecha a comunicação. Bufo, com esta atitude, mas não tenho tempo para mais nada.
Enquanto caminho rumo a saída comunico aos guerreiros que irão me acompanhar que saiam de forma discreta para não criar pânico, mas a postura dos guerreiros guardando a casa chama a atenção de todos e logo o burburinho começa. Ignoro essa situação e parto para minha missão. A floresta fica bem próxima, por isso, logo entramos na mata e nos transformamos, sigo na dianteira liderando o grupo, escolho o caminho mais curto para chegarmos mais rápido.
Elijah é muito sábio, o último ancião que detém as informações mais antigas e importantes sobre a nossa espécie, ele é muito querido e respeitado por todos, exceto o alfa e os seus comparsas. Espero que possamos chegar antes que o pior tenha acontecido, perder alguém tão importante seria um baque muito forte para todas as alcateias. Corremos por longos minutos, pois a localização é bem distante de onde estávamos. Chego ao local ofegante, mesmo assim uivo informando nossa presença porque sei que não há mais lobos inimigos no local.
A cena que vejo me paralisa, há pedaços de corpos espalhados pelo chão e sangue por toda parte, parece cena de filme de terror, nunca vi nada parecido. Percebo que todos que vieram comigo pensam igual a mim, pois analisam horrorizados cada detalhe. Elijah está mais ao fundo sentado no chão encostado numa árvore, vejo que tem alguém sentado ao seu lado e fico chocado ao perceber que é Charlotte, ela está de olhos fechados e coberta de sangue, medo percorre o meu corpo só de imaginar que esteja morta. O ancião conta-me através do elo todo o ocorrido, fico sem reação por alguns instantes, mas logo retomo a minha missão e aproximo-me dos dois, verifico que Elijah tem muitas escoriações e uma perna quebrada, em seguida olho para o lado e ao ver Charlotte tão indefesa, meu coração dói, toco o seu rosto e pergunto:
- Charlotte! O que você faz aqui?
Ela abre os olhos e olha para mim, não sei se me reconhece, em seguida observa Ryan e Lucy que se aproximam e ficam de pé atrás de mim. Ela volta o seu olhar para mim, mas percebo que está longe, verifico o seu corpo e noto que está muito ferida, não posso imaginar a dor que sente. Apesar de ser o líder desta incursão, Ryan tem posição superior, então, preciso da sua autorização para o que estou prestes a fazer.
- Preciso levá-la ao hospital! – Digo aflito olhando para ele.
Ryan faz um sinal com a cabeça concordando e imediatamente eu pego Charlotte nos braços, levanto-me e nesse momento ela desmaia.
- Corra! Ela não pode morrer, salve-a Justin. – Elijah grita e vejo o medo tomar conta dele, nunca o vi tão nervoso.
Sem pensar em mais nada entro na mata e corro o mais rápido que consigo, como preciso carregá-la nos braços vou na minha forma humana e isso torna tudo mais difícil e demorado. Após alguns minutos sinto minhas pernas arderem, mas não diminuo o ritmo, o seu rosto está muito pálido, a boca tem uma coloração arroxeada e a pele está gelada, as lágrimas caem dos meus olhos, pois estou com muito medo. Após mais alguns minutos avisto o Wolves General Hospital a minha frente e forço o meu corpo mais um pouco. Entro no hospital chutando a porta da frente, avisto uma maca onde deito Charlotte com cuidado e grito para virem em seu socorro, logo vejo vários médicos correndo na nossa direção.
- Salve-a! - Grito exasperado ao ver que todos observavam atônitos e sem nada fazer.
Observo-os empurrar a maca e correr até atravessarem as portas do centro cirúrgico, neste momento solto o ar dos pulmões, abaixo a minha cabeça e fecho os olhos. Instantes depois, ouço alguém se aproximar, levanto a cabeça e vejo pelo uniforme que é uma enfermeira.
- Com licença, senhor! Preciso que me acompanhe para verificar os seus ferimentos. – Ela fala olhando para meu corpo.
Olho para minhas roupas e percebo que estou coberto de sangue, instintivamente olho para o chão e constato que existe um rastro feito pelo sangue de Charlotte. A sensação que toma conta de mim é desesperadora e queima o meu interior, respiro fundo e respondo à senhora.
- Esse sangue não é meu, não estou ferido. – Falo com a voz trêmula e desanimado.
- Entendo, senhor! Caso precise de alguma coisa, nos avise. – Ela diz de forma profissional, eu assinto e ela volta ao seu posto de trabalho.
Encosto-me na parede e penso no que devo fazer, lembro que não avisei ao Alfa sobre a sua filha e decido fazê-lo imediatamente.
- Meu alfa! – Aguardo por uma resposta e instantes depois ele responde.
- O que foi Justin? Já avisou à família do velho sobre a sua morte? – Diz com desdém.
Estranho a sua fala e digo em seguida.
- O ancião Elijah está vivo, o problema é outro.
- O quê? – Ele parece surpreso
- Diga logo, seu moleque! – A surpresa vira raiva em instantes.
- Sua filha Charlotte foi gravemente ferida, eu trouxe-a para o hospital.
- Você desobedeceu a uma ordem direta para atender aos caprichos da sua paixonite? – Ele fica irado.
- Não senhor... – Ele interrompe.
- Não me importo com aquela inútil, mandei você ir até aquele velho caduco para constatar a sua morte e trazer o corpo, mas você é pior do que eu pensava, nem isso conseguiu fazer. A sua punição será um exemplo para que ninguém ouse pensar em desobedecer às minhas ordens novamente.
- Ela está morrendo...- Digo de uma vez para que perceba a gravidade da situação.
- Que morra! Será um alívio ficar sem esse fardo nas minhas costas. – Ele encerra a nossa conexão.
Estou petrificado e sinto tanto ódio que o meu lobo quer sair em busca de justiça, não posso acreditar que essa seja a postura de um pai, o desprezo na sua voz era assustador, jamais imaginei que a relação entre eles era tão r**m.