Psicologia, eu acho interessante esta área, acho interessante como alguém consegue te decifrar só com um olhar, acho ainda mais interessante o facto de alguém conseguir que você se abra, fale todos os seus medos e receios e no final, eles mostram que a solução está em você mesmo. Na manhã seguinte, após o sonho, o meu pai levou-me ao consultório da doutora Gleice, não que fosse uma novidade para mim estar naquele consultoria branco e mórbida, mas daquela vez, não foi por causa da minha depressão,ou talvez fosse, talvez fosse.
Já no consultório da doutora Gleice, contei a mesmasobre os meus sonhos.
— Doutora eu sinto ele, cada sorriso, cada olhar apaixonado compartilhado, tudo parece tão real — contei a para doutora Gleice, com um desespero incomum na voz, enquanto falava gesticulava para tentar transparecer o que estava sentindo.
Eu estava com receio que, a doutora, pensasse que, eu estava louca, afinal de contas, quantas pessoas têm esse tipo de sonho e gritam a madrugada inteira por um estranho bonitão? Ainda, em casa, antes que, o meu pai me leva-se ao consultório da doutora Gleice, tentei a todo custo convencer o mesmo que, eu não estava louca ou que era acometida por um m*l espiritual, mas de nada adiantou, lá estava eu contando todos os meus males e receios a doutora Gleice.
— Deixe-me ver se percebi, você está apaixonada por alguém que não conhece? Nunca viu seu rosto? E só o vê em seus sonhos é isso? — questionou com um olhar impassível. Em meus pensamentos, aquilo pareceu-me lógico, mas ao escutar tais coisas da boca da doutora Gleice, fez com que eu parecesse uma doente mental e me fez questionar a minha sanidade mental.
— Sim, doutora na verdade, eu vivo em constante sensação de Déjá-vu, é como se cada sonho há cada noite fosse uma lembrança de uma vida já vivida por mim — retruquei com um nó na garganta lembrando que não conheço o rosto dele.
Está certo que, dizer tais coisas em voz alta, faz com que te questiones sobre a minha sanidade mental, afinal que pessoa em sã consciência, fala em voz alta que está apaixonada por um sonho? Ou eu era muito corajosa, ou não tinha nenhum senso de vergonha na cara.
— Você tem o que chamamos de Fictosexualidade está apaixonada por um personagem fictício. Apaixonar-se por um personagem de ficção não é incomum, muitas pessoas se descobrem conectadas emocionalmente a um personagem de filme, novela, livro e até mesmo video games — Informou, como se fosse a coisa mais simples do mundo, você ficar sabendo que, tem uma doença metal — Então, tem alguma característica do seu Haru que você tenha visto num personagem de filme, anime, manga, ou outra coisa? — questionou, anotando algo em seu bloco de notas. Okay! A explicação da doutora fazia sentido, reencarnação não existe, um fantasma é bem provável, mas fictosexualidade é o mais cientificamente aceitável, afinal ele parece um personagem de anime.
— Sim, a voz dele é parecida com a voz de Sasuke Uchiha, personagem dum anime, o nome dele já ouvi num anime também, o cabelo e a altura são como os de Sasuke — respondi com um olhar sonhador, depois, dei-me conta que, estava sendo louca. Mas até que ponto eu cheguei? Comparar a altura dum anime á dum sonho? Okay, talvez naquele momento precisasse de ajuda.
— Então é isso, você associou essas características e criou esse namorado imaginário — ela explicava fazendo gestos com a mão, como se eu pudesse visualizar as coisas que ela estava dizendo.
— Não doutora, ele é real, eu sei que ele é, eu sinto que ele é — afirmei categoricamente, como se eu tivesse certeza de sua existência. Sendo que nem seu rosto conhecia, quais eram as chances dum sonho se tornar real?
Cá em Moçambique, falamos que se você contar o que sonhou, isto se tornará em realidade, então, naquele momento preferi me apegar a este mito mesmo que, as chances de Haru se tornar real fossem nulas.
— Está bem, digamos que ele seja real, o que fará para chegar á ele? — questionou arqueando as sobrancelhas.
— Escreverei uma carta para ele — respondi orgulhosa de mim mesma, estava me achando a Eloise Brighton que se atreveu a escrever uma carta para um desconhecido, fugiu de casa e ainda se tornou uma duquesa, quem sabe não teria a mesma sorte.
— Digamos que ele receba a carta, como irá responder? — a doutora Gleice cruzou as pernas para tentar se acalmar, porque eu estava fazendo verdadeiros absurdos.
— Irei escrever o meu endereço eletrônico, contas de f*******: e i********:, no verso da carta — respondi orgulhosa de mim mesma. Ela maneou a cabeça dum lado para outro. Do que eu estava orgulhosa? Eu estava cometendo a maior loucura da minha vida.
— Você não pode fazer isso, é perigoso, já imaginou se cai em mãos erradas? Suponho que serei obrigada a informar ao seu pai sobre essa loucura — olhei para ela com desespero, o meu pai não podia em hipótese alguma, saber de nada.
— Por favor doutora Gleice, não conte nada ao meu pai e além disso, é antiético, e eu não irei colocar a minha verdadeira conta por favor, a senhora me conhece, sabe que eu não sou imprudente — implorei unindo as mãos, com a melhor cara de choro.
— Está bem, eu deixo você fazer essa loucura, contudo, você só tem dois meses para provar que, ele é real — antes que ela terminasse joguei-me em seus braços — Lembre-se, dois meses e nada mais que, isso — determinou. Parando para pensar agora, a minha psicóloga só concordou com a minha loucura, para que eu visse por mim mesma que aquilo era uma verdadeira loucura, que bom que não dei ouvidos a ela.
— Obrigada doutora — agradeci ainda pendurada em seu pescoço.
— Lembre-se, dois meses nada mais que isso, estou quebrando as regras — repetiu mais uma vez dando um suspiro, que, dizia claramente que, ela estava se dando por vencida.
— Sim doutora,dois meses e não mais que isso — falei sorrindo. Ela sorriu de volta, passado as mãos em meus cabelos. Eu só tinha dois meses para provar para todos e para mim mesma que, eu não estava louca, ou que não era acometida por um m*l espiritual.
Dois meses para tornar o meu namorado imaginário em algo real, dois meses para sair da minha zona de conforto e me aventurar.
Depois da consulta com a doutora Gleice, pedi ao meu pai que me deixasse próximo da minha casa, precisava visitar minha amiga Isabel, talvez a mesma me ajudasse com o meu problema. Cheguei no muro de sua casa, fui recebida pelos latidos de seu cão Boby, o mesmo não gostava de mim, nem eu gostava dele, na verdade eu gostava dele, só que, bem longe de mim, ele e outros cães, não que eu não gostasse deles, mas quando mais nova, fui perseguida por um cão. Nkobe meu bairro, não é um dos melhores bairros da Matola, houve uma época em que, ao chegar o período chuvoso, as ruas ficavam alagadas. Então! Eu sentia medo de cães, pois, fui perseguida por um cão na água e eu tive que fazer um milagre, para conseguir correr na água, por isso prefiro eles bem longe de mim.
— Érica! — Isabel gritou por mim saindo para me receber, ela vestia um shorts jeans azul e uma blusinha cor de rosa, em sua cara tinha um sorriso lindo e alegre. As pessoas se perguntavam, em como nós podíamos ser amigas, duas pessoas tão diferentes, Isabel era primavera, arco-íris e borboletas e eu era o contrário disso, talvez a lei da física se aplica-se a nós.
— Como soube que sou eu? — questionei cética, não crendo que, foi mera coincidência ela gritar por mim, assim que, cheguei em sua casa.
— Ah! Não é preciso de muito para saber que é você, Boby é o meu alarme — respondeu e apontou seu cachorro endemoninhado, em seguida, Isabel abriu o portão para me receber.
— Claro, esse seu cão não gosta de mim — reclamei entrando em sua casa, fazendo todo o possível para ficar longe do cachorro dela. Saímos do portão e fomos em direção a parte interna de sua casa, a mesma que estava vazia, pois, seus pais não estavam.
— Então? O que a trás a minha casa, senhora futura universitária? — questionou assim que, entramos em seu quarto, todo decorado com posters de Boy grupos de K-pop, Isabel era doida por aqueles coreanos de cabelo colorido e sorriso inocente.
— Novo grupo? — questionei, apontando um novo poster que tinha em seu quarto.
— Sim, chama-se stray kids, Você precisa escutar as músicas deles são incríveis — disse animada. Não posso dizer o mesmo de mim, não que eu não gostasse de K-pop, mas ainda preferia um Ubaka, Uma dama do bling, Hot Blaze, Hernani da Silva e outros. Na verdade, Isabel só conseguiu me fazer escutar um grupo só que, era o BTS, que por sorte eu amei, as músicas do álbum love yourself, fizeram com que eu me questionasse a importância do amor próprio, e sinceramente eles salvaram minha vida naquela época, mas eu não abria mão do meu Hernani da Silva.
— Não obrigada, me conformo com BTS — respondi sem muito ânimo de encher a minha cabeça com mais nomes difíceis.
— Então, o que te trouxe aqui? — questionou se sentando na cama igual a mim.
— Eu prometo te contar, mas você precisa prometer que não vai rir e nem me chamar de maluca, está bem? — comecei com muito receio, a minha psicóloga pensar que sou louca é aceitável, o que eu não aceitaria é a minha melhor amiga pensar o mesmo.
— Ah! Okay — respondeu não muito certa daquilo. contei-á como os sonhos começaram, primeiro em como eu estava tão distante do mundo, em como os malditos sonhos de alguma forma me trouxeram de volta a realidade, contei todos os sonhos, tim tim por tim tim, falando para ela em voz alta que estava apaixonada por um sonho. Ao me escutar falar aquilo em voz alta, me fez parecer uma maluca. Contei sobre a consulta e sobre o diagnóstico da doutora Gleice. Depois que terminei de contar, ela pareceu-me cética e com uma cara abobalhada.
— Fala alguma coisa! — gritei a agitando para que voltasse ao mundo dos vivos. Assim que ela recuperou a postura, as minhas unhas já não existiam em meus dedos de tanto que as roí.
— Ah! Talvez eu tenha a mesma doença que você — respondeu e logo em seguida engoliu em seco. Ela parece estar num estado catatonico de tão em choque que ficou.
— Ah! Fala sério, isso não é uma brincadeira, é sério, muito sério — berrei, afinal, eu fui a procura de ajuda e não de piadas.
— Isso também é sério, eu acho que sofro de fictosexualidade também, lembra que no ano passado eu pensei que estivesse apaixonada pelo Adrien de Lady Buggy? — questionou e pareceu estar realmente preocupada.
— Sim, você pode até ter fictosexualidade, mas o meu caso é realmente grave, porque eu realmente acredito que Haru é real — expliquei e ela pareceu-me mais em choque que antes.
— Amiga, você tem certeza que isso tudo não é uma maluquice igual a minha? — questionou mudando de postura, voltando em si. Antes de ela estava sentada igual um zombie, em seguida ela assumiu uma postura mais profissional parecida com a da minha psicóloga.
— Eu não sei, por isso estou aqui, enviaremos um e-mail a ele — informei, e ela pareceu mais chocada ainda, deixando a postura profissional de lado e assumindo uma de louca.
— Enviar um e-mail? E para quem você enviaria? Já imaginou se ele não é um feiticeiro? — questionou com uma cara engraçada. Só Isabel para pensar num absurdo daqueles, feiticeiros? Talvez ela fosse um demônio Incubo, visto que todas as manhãs eu acordava molhada.
— Eh! Sai demônio, ele não é um demônio se é então como eu sei seu endereço eletrônico? — questionei com a minha melhor cara de vitória. Okay! Percebem como isso perturbador? Talvez a ideia de reencarnação não seja ao todo um absurdo.
— Ih! Como você sabe? Hawene ¹ até parece aquele filme de bruxas em que o moço sonha com a moça bruxa, será que você não é feiticeira? — questionou e eu não me segurei, me matei de rir, é impossível se segurar quando sua melhor amiga te acusa de feitiçaria. Mas talvez eu fosse mesmo igual a bruxa do filme Dezasseis luas.
— Suca ², Muanabwa³, não sou feiticeira eu, e vamos parar com isso e vamos escrever o e-mail — a Insultei, por me acusar de feitiçaria. Peguei em seu laptop, a primeira coisa que fiz foi criar um e-mail falso, após isso, passamos as horas seguintes escrevendo um e-mail ao meu suposto marido da noite⁴.
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1. Hawene! ( Exclamação, negação ou contradição);
2. Suca. ( Gíria popularmente moçambicana);
3. Muanabwa. ( c****a ou cão)
4. Marido da noite ( Marido da noite).