Carta número um
Caro Haru, só existe um consolo em escrever esta carta absurda. É que, você minha querida alucinação seja real para que possa lê-la. Primeiro as apresentações, eu sou Érica Isabel Langa, a maior pateta respirando os ares de Maputo, receio que está notícia o vá deixar em choque, mas sinto dizer que estou apaixonada por você. Como aconteceu? Eu não sei, mas já há meses que venho sonhando com a sua pessoa e em nenhum desses sonhos eu vejo o seu rosto, mas eu posso jurar que já te amo. Ao ler esta carta, talvez vá se perguntar em que parte dessa nossa pequena grande bola azul fica Maputo. Maputo, é a capital dum país chamado Moçambique, país este que fica na África austral. Sim África, Caro Haru eu sei, estou do outro lado do mundo, talvez vá se perguntar como assim eu tenho sonhado consigo? Se você está do outro lado do mundo, Meu Caro amante desconhecido eu não sei, mas eu lhe peço encarecidamente que se fores real, responda a minha carta por favor, o meu orgulho e a minha sanidade mental, dependem da sua resposta positiva ou negativa, não interessa, só responda a minha carta ou procure-me nas minhas redes sociais: f*******:- Isabel Langa, i********:- Érica Isabel ou o meu e-mail- éricaisabel7@g*******m, se não fores real por favor, quem receber esta carta responda dizendo que o meu Haru não é real.
Já haviam se passado duas semanas que escrevi a carta, eu estava desesperada na carta eu não escrevi nada de interessante, só tinha escrito que estava apaixonada por ele e que vinha sonhando com o mesmo. Nessas duas semanas, não recebi nada, nenhum pedido de amizade e nenhum e-mail, á sério se alguém me enviasse uma carta falando tais coisas, eu acharia que essa pessoa ou está louca, ou é um golpe. Então quando ele recebeu a carta, talvez ele tenha pensado que sou uma louca varrida. E também, a principal questão seria, como essa pessoa supostamente apaixonada por mim conhece o meu endereço? Eu respondo, não sei como, mas eu conhecia a morada de Haru, talvez aqueles sonhos não fossem sonhos, talvez fossem lembranças.
Faltava um dia para o início das minhas aulas eu estava animada e desesperada ao mesmo tempo, eu sentia medo de não conseguir me enturmar, ou de me enturmar demais á ponto de me esquecer de Haru, eu sentia medo de me apaixonar por alguém que eu tivesse certeza que era real por isso naquele mesmo dia escrevi outra carta.
Carta número dois
Caro Haru! Talvez a minha carta o tenha assustado, afinal se alguém me enviasse uma carta como a minha, eu logo pensaria que essa pessoa ou é louca ou é golpista. Mas, creia nas minhas cartas, eu não sou nenhum golpista. Louca? Talvez, afinal quem se apaixona por um sonho? Acredite isso é estranho até para mim. Caro Haru, caso está carta chegue em suas mãos responda por favor. E-mail- éricaisabel7@g*******m, f*******:-Isabel Langa, i********:- Érica Isabel. Se esta carta não chegar nas mãos do meu Haru, seja quem for que irá recebê-la, por favor responda a minha carta ao menos só para me falar que ele não é real. Caro Haru, mil beijos da sua amante desconhecida Érica Isabel. ericaisabellanga@gmail.com
Dormi pensando na primeira carta que enviei, se ele recebeu a carta, e se recebeu por quê não respondeu? Mas tinha um porém, talvez a carta não tenha chego em suas mãos naquelas duas primeiras semanas, talvez o endereço que escrevi fosse só uma coisa que inventei, mas por de trás dessas questões surgia outra, e se não fossem só loucuras?
No dia seguinte, que, seria o primeiro dia de aulas, acordei cedo como sempre, preparei tudo para o meu primeiro dia de aulas na universidade Eduardo Mondlane, a melhor do país, como estudava de manhã sairia junto com o meu pai para aproveitar a boleia dele, o que era uma novidade para mim, visto que, a nova filha dele era o trabalho.
— Isabel! Vamos? — gritou o meu pai do quarto, ele gostava de me chamar de Isabel, eu não gosto, mas é o nome da minha avó, o que posso fazer? Sem contar que, se alguém me chama por Isabel perto da minha amiga também, com o mesmo nome, ficamos sem saber quem estão chamando.
— Sim papá — respondi já saindo do quarto pronta para mais um desafio.
O primeiro dia de aulas, é o mais importante de todos, é importante criar uma boa impressão de si mesma, mas eu não queria criar uma boa impressão, eu queria que as pessoas ficassem longe de mim, então, para tal, eu vesti uma roupa, toda preta da cabeça aos pés que era basicamente, uma calça jeans preta, um moletom preto e sapatilhas também pretas.
— Que emoção, o meu bebê vai estudar na melhor universidade do país, Estou orgulhoso de você filha, sua mãe também estaria orgulhosa — falou o meu pai com a voz embargada. Recordar que esse era o sonho da minha mãe para mim, visto que, ela também foi médica, causou um sentimento de culpa naquele momento. Porque enquanto ela estava viva, eu afirmava categoricamente que queria ser fotógrafa, só mudei de ideia com a morte dela.
O sonho de todos os pais é de ver seus filhos traçando caminhos que aos olhos deles e da sociedade parecem certos. Ter uma carreira profissional, um bom emprego, constituir uma família e ter uma velhice feliz, gozando o dinheiro da reforma. Mas eis que surge a questão, os jovens almejam essa vida?
— Obrigado papá, eu sei, que ela estaria orgulhosa, vamos? Não quero chegar atrasada no meu primeiro dia de aulas — cortei o assunto, naquele momento eu não queria me lembrar o quão péssima filha eu fui para a minha mãe.
— Vamos meu bebê — falou o meu pai e apertou as minhas bochechas logo em seguida.
Desde o dia em que, ele me encontrou gritando no quarto, ele mudou algumas coisas, como voltar cedo para casa para jantar comigo, me acompanhar no meu primeiro dia de aulas e notar a minha presença. Ao menos, ele sentia medo de me perder.
— Pai! Não sou mais um bebê — protestei ao seu excesso de carinho. Afastei o meu rosto, para escapar de seu aperto nas minhas bochechas.
— Está bem, mocinha não sou mais um bebê vamos — concordou apertando as minhas bochechas novamente, mesmo comigo fugindo.
Saímos de casa, cinco e meia, dentro do carro, vi o orgulho estampando no olhar do meu pai, ele não parava de sorrir. Sair de Nkobe para o Museu, não era tarefa fácil, os congestionamentos do quinze, da mafurreira e portagem eram um grande problema, até porquê a quantidade de carros aumentou de um tempo para cá. Depois de, atravessar o mar de latas, chegamos ao museu. No carro, o meu pai escutava ao álbum de Justino Ubaka, e quando chegou na música favorita da minha mãe, não consegui ficar sem cantar também.
— A loko no chucuvala, wani cufumeta Wene! Loko no djila wani mieta wene! Loko ni vadjua docodela wanga ih! Wene! Wene! Wene! Wene! Umbilo wanga, Wene! Wene! Umbilo wanga⁵ — cantarolamos juntos o refrão da música. A música é da cantor favorito da minha mãe, Justino Ubaka.
Apesar de a minha mãe não ser Machangana⁶ e ser Machuabo⁷, ela falava muito bem o chithangana⁸, tanto que eu aprendi os dois idiomas, o xichanga e o echuabo⁹.
— Chegamos, irei te deixar no hospital — informou manobrando o carro até o semáforo perto da faculdade de medicina.
— No hospital — concordei. Saímos até o hospital central de Maputo, papá deixou-me do outro lado do semáforo.
— Bom primeiro dia de aulas filha — desejou o meu pai. Mesmo que ele estivesse com um sorriso nos lábios, o sorriso dele, não chegava aos olhos.
— Obrigada papá — agradeci sorrindo também.
— Fight! — papá imitou a frase de encorajamento dos doramas coreanos. Na minha casa, quando a minha mãe ainda estava viva, nós costumavamos assistir doramas coreanos.
— Fight! — respondi da mesma forma com um sorriso.
Eu estava feliz, realmente feliz, porque depois de dois anos só dizendo bom dia e boa noite, um para o outro, naquele dia eu e o meu pai voltamos a ser pai e filha, tanto que ele me acompanhou até a faculdade no meu primeiro dia de aulas, existia melhor coisa essa?
Caminhei um pouco do hospital central até a faculdade, quando lá cheguei e vi as letras douradas, virei a cabeça dum lado para outro para ver se alguém vinha ou não, e quando percebi que estava sozinha, pulei de emoção, tendo um pico de alegria esquisito.
— Isso tudo é Felicidade? — escutei uma voz bem grave, gritei assustada e envergonhada.
— Oh! Não precisa ficar envergonhada, também fiquei assim quando vim fazer a matrícula — disse a voz sem dono, a voz ficou a espera de alguma resposta, mas o que eu podia falar? Eu estava envergonhada, nem olha-lo eu conseguia.
— Eu sou Antônio, espero você na sala, quando estiver mais calma, falamos — disse a voz, que agora tinha um nome, Antônio.
A voz, aquela voz, eu não precisei ver o rosto dele, mas eu identifiquei a voz. A mesma voz, a voz da noite passada, a voz do rapaz que pensei ter matado com o meu surto de loucura. Eu não virei para olhar o rosto dele, mas fiquei mortificada pela vergonha que passei, logo no primeiro dia de aulas já passei por uma coisa daquelas? Fiquei um tempo esperando tomar vergonha na cara, para conseguir entrar na sala de aulas. Como aquilo aconteceu? Como que a pessoa que, ataquei noites anteriores, podia estar na mesma faculdade que a minha? Como assim produção? O que foi que fiz para merecer aquilo? Que mundo pequeno né?
O dono da voz, que já tinha um nome, Antônio, se retirou do pátio e entrou na faculdade. Eu continuei no pátio, ganhando coragem, invocando todos os meus santos, para que me dessem forças para entrar no interior da faculdade.
Antes que eu fizesse mais alguma coisa, recebi uma mensagem de Isa.
« Amiga! Como está sendo o teu dia? Seu Haru respondeu as cartas? » ela era uma fofa, a melhor amiga que alguém poderia ter.
« Oi amiga, o meu dia começou estranho, primeiro passei vergonha há poucos minutos, segundo estou assustada e Haru não respondeu as minhas cartas ainda » enviei e fiquei a espera de sua resposta. Esperei por dois minutos e ela respondeu.
« Passou vergonha? Como assim? Me conta maluca! » Isabel é fofoqueira.
« Fofoqueira! Te conto quando voltar da escola, preciso ir, até mais logo » cortei a nossa conversa, pois a aula estava bem próxima de começar.
« Está bem, até mais logo » lí a mensagem e logo em seguida precisei ganhar coragem para enfrentar o meu mais novo colega que quase matei.
O meu problema em entrar no interior da faculdade, não estava só em enfrentar o meu mais novo colega que quase matei, mas em enfrentar uma nova turma inteira, cheia de pessoas diferentes e desconhecidas. Um dos grandes problemas da ansiedade, é o medo de estragar tudo, o medo de não causar uma boa impressão, o medo de ficar em um lugar com pessoas diferentes. Eu sabia que assim que colocasse os meus pés naquela sala de aulas, começaria a minha tortura pessoal. O aperto no peito, as tonturas, o suor excessivo, o coração acelerado, a falta de ar, náuseas e dor de estômago e muitos mais sintomas. Os sintomas eram tão fortes que às vezes, eu desmaiava, é, a ansiedade era uma bosta.
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5. Quando fico triste, tu me alegras; Quando choro, tu secas as minhas lágrimas; Quando fico doente, tu és o meu médico; Você, você, você, é o meu coração, você, você, você é o meu coração.
6. Designação para as pessoas que nasceram na zona sul de Moçambique, concretamente em Gaza e Maputo.
7. Designação para as pessoas do centro de Moçambique, concretamente na província da Zambézia.
8. Idioma falado no sul de Moçambique, além do Português.
9. Idioma falado no Centro de Moçambique, concretamente na província da Zambézia.