.•¨ •.¸¸♪ Aquele onde são apenas... 10 dias ♪¸¸.•¨ •.
“O que nós fazemos agora?” Bain - um marujo que não devia ter mais de 24 anos -, perguntou. Talvez fosse culpa da idade que ele não conseguisse esconder o medo que estava sentindo.
“Você sabe rezar?” Bob - que adorava atormentar os novatos -, indagou em uma nítida provocação, mas Brain estava assustado demais para entender e apenas negou com a cabeça, esperando pela resposta do marujo que a 10 anos, navegava naquele navio. “Então você se fudeu” foi o que Bob respondeu, sorrindo com aqueles dentes apodrecidos e amarelados.
“Cala a boca, Bob” Aimon - o cozinheiro do navio -, resmungou.
“Vamos todos morrer, Aimon” Bob gritou “Por que eu deveria me calar? Am? VAI MARK, FALE PARA ELES! NÓS VAMOS MORRER! VOCÊ SABE DISSO!!”
“Porque se não calar sua boca maldita e fedorenta, eu farei isso por você” foi Ames quem respondeu. Seu corpo era tão magro quanto o de Renriel e Mark sabia que não havia naquele navio - tirando ele -, alguém que fosse tão fiel a capitã, quanto Ames, mas algo nas palavras de Bob o fez pensar e como o click de uma engrenagem que finalmente se encaixou - o imediato entendeu. Não. Pelos nove malditos mares, me diga que não!
“Uau, acho que a garotinha ficou irritada” um dos marujos brincou.
Um trovão explodiu quando as nuvens se fecharam - tornando-se mais escuras e pesadas -, a luz que cortou os céus, iluminou o único olho que jazia no rosto de Ames - brilhando com a fúria que ela estava prestes a despejar sobre aqueles dois.
“Vocês são realmente como macacos” Lex rosnou, se colocando ao lado de Ames - não que ela realmente precisasse.
Mark observou aqueles ao fundo, assim como observou por muito tempo a porta da cabine que foi fechada por Beerin. Renriel por sua vez, apenas parecia fingir não ver ou ouvir nada do que era dito, assim como agora, ignorava os trovões e os raios.
Nada realmente a pararia, exceto… Essa criança vai nos matar! Mark se apressou, puxando Ames pelo braço junto a Lex - o marujo mais antigo que jazia em Sírius.
"Coordenadas, Lex!”
“Como assim?” ele perguntou sem entender.
“Ela mudou a rota sem pensar…” Mark resmungou.
“E?” Ames ergueu uma sobrancelha.
“E? E que estávamos prestes a passar por uma das três ilhas amaldiçoadas!”
“Pelas barbas de Aaron!” Lex praguejou.
Os olhos azulados de Mark - que finalmente havia voltado ao normal, se tornaram celeste novamente.
“Essa criança vai me deixar de cabelos brancos” o imediato resmungou.
“O que isso significa?” Ames questionou, ainda confusa.
“Que talvez o merda do Bob tenha razão” Lex respondeu.
“Não” Mark interviu “me dê coordenadas exatas! Vou tentar mudar a rota-”
“Ela não vai mudar a rota” Lex resmungou “você a conhece, ela é como Lucien. Ela não vai mudar a maldita rota, assim como ele não mudou no dia em que você foi sequestrado”.
“O que caralhos isso quer dizer?” Ames rosnou.
“Que nós vamos morrer” Lex murmurou.
“Não” Mark disse com calma, olhando os céus que agora pareciam mais e mais agitados.
“Você não pode ser imprudente, Mark” Lex o repreendeu “se ela perder você também…”
“Eu sou apenas loiro, não sou burro, Lex, querido” Mark brincou, enquanto o ar se tornava mais dento a sua volta, criando uma armadura esverdeada em volta do seu corpo. “Ames, atire em qualquer coisa que se aproximar do navio” ordenou com firmeza.
✶✶✶
10 dias. Ela tinha 10 dias. 10 dias para chegar em Agreste. 10 dias para roubar o maldito item antes que ele fosse selado. 10 dias para ter a chance de consertar o passado. 10 dias para ver ele de novo.
Mesmo que houvessem gritos, mesmo que o deck de Sírius fosse manchado com o sangue dos marujos, ela não ligaria. Eram 10 dias. Apenas 10 dias.
Ela chegaria em 10 dias?
Uma pontada forte em sua cabeça, fez o rosto de Renriel se contorcer de dor. 10 dias…
Ela conseguia ouvir a risada dele. Conseguia vê-lo cantar e dançar pelo deck de Sírius com o alaúde de carvalho branco em suas mãos. 10 dias.
Ela ainda conseguia ver o sorriso de Mark enquanto o abraçava. Conseguia vê-los se beijando na proa do navio, os cabelos de Lucien bagunçados pelo vento e Mark controlando os ventos para que ambos não caíssem no mar. 10 dias.
Ren sentia o abraço dele enquanto a ninava até o adormecer na cabine do navio. O lugar inteiro cheirava a pergaminho antigo, tinta e lavanda. 10 dias.
10 dias e ela teria tudo isso de volta. 10 dias e ela poderia abraçá-lo de novo. 10 dias e Mark iria sorrir como antes mais uma vez.
Não aquele sorriso forçado que tornava a cicatriz em seu rosto quase abominável. Não o sorriso que ele lhe dava como se dissesse, não foi sua culpa. Não o sorriso gentil que ele mostraria a todos para se manter sendo o sempre alegre Mark Aacker.
10 dias. Foi o que ela pensou antes de um rugido a fazer gritar. Seu corpo estava em chamas.
“Pare, Renriel! Temos um grande problema aqui! Eu preciso de você!” Mark gritava.
10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… ela repetia enquanto lembrava dá risada alegre e descontraída de Lucien. 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… repetia enquanto seu corpo queimava, sua pele sangrava e seus olhos pareciam turvos. 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias…
“ALGUÉM PARA ELA!” Alguém gritou. Ela já não reconhecia a voz.
“Está vindo de todos os lados!” Outra voz rugiu.
“Cuidado!”
“Acerte nas áreas mais sensíveis!”
“PARE ELA!!! PARE! PARE!!” A voz continuava gritando com um tom choroso e desesperado. Por um momento, ela quase hesitou. Por aquela voz… tão triste e dolorosa, mas então, ela se lembrou dos olhos de céu estrelado que brilhavam mais que as próprias estrelas.
10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias… 10 dias…10 dias… 10 dias… 10 dias… só 10 dias… ela se lembrou.
“POR FAVOR! PARE ELA!”
“Cala a boca! Ela vai nos matar!” alguém gritou em resposta e com um grito de dor, a voz voltou a implorar.
Eram 10 dias até que os anos voltassem e os três fossem uma família de novo.
“10 dias…” ela murmurou, sua voz, parecendo gutural e deformada como algo que nunca sairia de seus próprios lábios. Mesmo assim, ela sorriu e com os olhos que queimavam como se desejassem chorar - os olhos que já não enxergava nada além de uma escuridão total e completa, ela permitiu que as lágrimas que guardou, escapassem. Seu corpo iria ceder? Aquele era o fim?
10 dias, ela lembrou de pensar quando aqueles braços quentes e amorosos a envolveram novamente. A voz que parecia embargada pelas lágrimas murmurou algo que ela não conseguiu entender, mas por algum motivo, Renriel sorriu e algo aqueceu seu coração antes que seu corpo parasse de queimar.
✶✶✶
Mark sabia onde aquela merda iria dar no momento em que os trovões começaram. Ele sabia que tudo iria por água abaixo quando Renriel utilizou o poder de Sírius para acelerar a velocidade e modificou a rota de forma negligente e impulsiva. Era como reler um livro que a muito tempo ele havia se deparado.
Como poderiam duas criaturas serem tão parecidas sem nem mesmo terem um parentesco sanguíneo? Renriel jamais seria tão idêntica a Lucien, caso fosse sua filha biológica.
Da cor dos cabelos ao riso sarcástico. A crueldade escondida em um rosto bonito ou ao poder que vivia dentro deles desde tenra idade. Até mesmo em seus estilos de combate ou escolhas imprudentes. Lucien e Renriel eram idênticos. Eram como uma única alma repartida em dois corpos.
E mesmo que ele soubesse que ninguém tinha sentido a perda de Lucien como ele - seu primeiro e único amor -, não diminuía a dor de Renriel. Afinal, Mark tinha perdido o seu sol, mas Renriel, tinha perdido o homem que deu significado à sua vida.
Quando Lucien retornou com uma criança pálida e completamente desfigurada em seus braços, Mark viu seu rosto oscilar. O sorriso que ele sempre carregava, estava prestes a se desfazer e as lágrimas estavam prestes a cair quando ele implorou para que o imediato a curasse.
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“Ela vai morrer… não deixe ela morrer…” ele dizia com uma voz embargada.
Qual havia sido a última vez que Mark o tinha visto dessa forma? Ele não queria lembrar.
“Calma, Lucy. Vai ficar tudo bem” tentou dizer, mas mesmo quando o corpo da criança foi deixado sobre sua cama e o imediato derramou sobre ele a lágrima da sereia - ele podia ver as mãos de Lucien tremendo.
“Ela… ela estava presa… e…” ele tentou falar, mas antes que conseguisse concluir, fechou os olhos com força, como se estivesse se recusando a ver a garota ou a cena que se desenrolava em sua mente.
“Shiii… tá tudo bem” Mark sussurrou "tá tudo bem, você não vai voltar pra lá…” ele disse envolvendo os braços em volta de Lucien, que o apertou como se implorasse para que ele jamais o soltasse.
“Ela é tão pequena…” Lucien murmurou com a voz esganiçada pelas lágrimas "por que, Mark?”
Ele sabia que aquela pergunta era bem mais do que parecia. Por que eles faziam aquilo? Por que as pessoas eram tão cruéis? Por que machucar uma criança tão pequena? Por que ela estava abandonada em um lugar como aquele? Por que tocaram nela? Por que ele tinha que ver isso de novo? Por que eles conseguiam ser tão desprezíveis? Por que as correntes continuavam a prender seus punhos tão forte? Por que os pesadelos nunca cessavam?
“Eu não sei, Anusha” Mark murmurou, beijando a testa de Lucien como no dia em que prometeu segui-lo por toda a sua vida.
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Naquela noite, Lucien teve pesadelos outra vez. Ele gritou e implorou como sempre fazia e Mark - que todas as noites o chamava, abraçava e dizia que tudo ficaria bem -, soube que aquela criança, seria a única capaz de tirar Lucien do seu passado. Um passado que o assombrava mesmo que Sírius o levasse para longe.
Assim como Renriel - que a junção de cada parte de seu nome significava a pessoa do sol -, veria Lucien como seu porto seguro. O único no mundo capaz de entendê-la e aceitá-la em todas as suas vertentes.
Lucien era o sol de Mark. Ren, era a pessoa do seu sol e o seu sol, era o mundo inteiro daquela pessoa.
Assim como os planetas que giram em torno da grande estrela que aquece o mundo, a vida da garota que um dia teve olhos verdes como esmeralda, girava em torno de Lucien. A estrela mais brilhante de todo o seu céu.
Aquela garota, agora gritava com os olhos negros como a escuridão que outrora habitou o coração de anusha. Seu corpo bronzeado estava prestes a ceder e ela já nem mesmo parecia com a criança que Mark tinha salvo.
“Para, Renriel! Temos um grande problema aqui! Eu preciso de você!” Ele gritou, mas foi em vão. Os olhos negros, começaram a se tornar cinza e ele sabia onde aquilo iria acabar.
Eu não posso perder você também… ele pensou, mas então, outro tentáculo atacou o Sírius mais uma vez. Os marujos gritavam e lutavam. Ames - que estava sobre um mastro -, atirava sem parar. Praguejando aos nove mares enquanto Lex erguia suas adagas e ordenava os novatos para combate.
“Vocês não podem ceder!” ele dizia “não se aproximem da borda!” ordenava.
“Cortem os tendões!” um marujo gritou.
“Essa coisa tem tendões?” outro praguejou.
E em meio ao caos e os gritos de dor que escapavam da garganta de Renriel - que ainda segurava o leme -, uma voz ecoou.
“ALGUÉM PARA ELA!” A voz desesperada gritou.
Por um segundo, Mark sorriu ao ver Beerin - o príncipe que nem mesmo conseguia segurar uma espada em mãos -, correr desesperado em direção ao leme.
Mas havia algo a mais para se preocupar. Os ataques pareciam apenas piorar e cada ataque feito a Sírius naquele momento, era igualmente distribuído com Renriel - que se encontrava em sincronia com o navio.
Você vai ter que para-la, majestade… Era o que Mark queria dizer, mas não ousou. Não era egoísta o suficiente para pedir isso, então assim como Lucien tinha confiado no amor de Mark para salvá-lo, ele confiou no que Beerin sentia por Ren.
Confiou na pequena fagulha que estava crescendo e aprendendo a respirar. Ela teria que ser o suficiente para salvar a pessoa do seu sol.
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.•*¨*•.¸¸♪ Sumário♪¸¸.•*¨*•.
Sírius: Um navio pirata lendário – criado pela bruxa. Sírius é uma coisa quase viva que é comandado por seu capitão e compartilha com ele sua “vida”.
Anusha: Significa linda estrela da manhã em Élfico antigo. É a forma como Mark sempre se referiu a Lucien intimamente.
Lágrima da sereia: Item raro capaz de regenerar até mesmo partes perdidas do corpo, como braços e pernas amputados ou olhos arrancados. O processo é doloroso, mas não impossível. Se a criatura resistir a dor da regeneração, terá seus membros de volta. A lágrima da sereia não traz mortos de volta à vida, mesmo que regenere seu corpo, não traz sua alma de volta, portanto, não pode ser utilizada dessa forma.