Cap. 1
Maribel narrando.
— MARIBEL? — A minha irmã gritou. — VAMOS, NÃO TÊM MAIS TEMPO.
— EU NÃO SAIO DAQUI SEM AS COISAS DO MEU PAI! — Eu gritei correndo até o escritório.
Eu coloquei tudo o que pude dentro da mochila, passaporte, dinheiro, joias, documentos e eu não podia esquecer do notebook, era a única coisa que o meu pai prezava, as informações que estavam dentro deste computador, ele era criptografado e nós nunca conseguimos desbloquear, mas mesmo assim, eu tinha certeza que era importante para ele.
— 20 SEGUNDOS, MARIBEL... — Mais uma vez a minha irmã gritou e eu acelerei.
Terminei de fechar a mochila e coloquei nas costas, corri em direção a sala e me deparei com um porta retratos, eu peguei ele e saí correndo, quando eu pisei no gramado da entrada a casa explodiu me fazendo cair no chão com o impacto.
Era como se eu estivesse ficado surda por alguns minutos, o piiiiiiiiiiiiiiiii ecoava pelos meus tímpanos, evitando que o meu cérebro processasse os meus passos e então a minha irmã chegou perto de mim, me ajudando a levantar, com muita dificuldade.
— Vem Mari, eu te ajudo... — Ela me segurou pela lateral do meu corpo. — Precisamos sair daqui antes que a polícia chegue.
— ME DEIXA... — Eu gritei, afastando a minha irmã de perto. — EU NÃO VOU FUGIR, EU NEM SEI QUEM FEZ ISSO COM A NOSSA CASA...
— Não é hora de agir como uma criança, não têm mais 10 anos. — Ela falou me puxando dali.
Ela tinha razão, eu não era mais aquela garotinha órfã, a menininha dos olhos do pai, eu tinha crescido, eu era quase uma mulher e estava na hora de tomar as minhas próprias decisões, inclusive ir atrás de quem estava querendo acabar com a nossa vida.
Atiradores, sequestro relâmpago, ligações anônimas e agora uma bomba? Realmente essas pessoas querem mesmo acabar conosco, eu só não sei o motivo, mas eu vou descobrir, de agora em diante eu dedicarei os meus dias, a minha vida para vingar a morte do meu pai e descobrir quem está por trás disso tudo e eu não vou descansar enquanto não ver o sangue escorrer pelas minhas mãos, custe o que custar, eu vou conseguir.
Eu olhei para trás e vi a minha casa destruída, tudo pegando fogo, fotos queimadas espalhadas pelo jardim, madeira queimando na piscina, o nosso carro completamente destruído... lá se foi a minha vida, as minhas melhores recordações, os meus momentos de alegria...
A sirene do bombeiro ecoava distante, os carros de polícia já começavam a cantar pneu, as pessoas se aproximavam e a única coisa que poderíamos fazer era sair correndo dali, ninguém acreditaria que duas garotas inocentes sairiam vivas dessa e o melhor a se fazer era sumir por um tempo, recomeçar em outro lugar.
— Para onde vamos, Clarice? — Eu perguntei andando ao seu lado, sem rumo.
— Eu tive uma ideia, é loucura... — Ela sorriu fraco. — Mas ainda é uma ideia.
— Então não enrola e me fala logo... — Respondi aborrecida.
— Vamos para o complexo do alemão. — Ela gaguejou no final e eu arregalei os olhos.
— Fala sério, quer viver na miséria? — Eu sorri desacreditada.
— Lá é muito diferente do que você imagina. — Ela falou e eu dei de ombros.
— Vai me dizer que a burguesa andou frequentando os bailes?! — Brinquei.
— Eu tenho amigas, sabia? — Ela respondeu óbvia. — Nem todas têm o dinheiro que a gente tem... Ou tinha...
— Temos... — Eu abri a mochila mostrando tudo o que peguei e ela sorriu aliviada.
Nós pegamos um táxi e pedimos para nos deixar no complexo, o motorista resmungou muito, disse que não poderia entrar lá e que só iria até a entrada, ainda teve a audácia de nos chamar de malucas por nos pegar num bairro nobre e levar a gente até lá.
Eu nunca fui preconceituosa, sempre tive amizade com todas as pessoas, independente do que elas eram ou o que tinham, isso foi algo que papai nos ensinou, ele dizia que ninguém era melhor que ninguém e que ele veio de baixo, não nasceu rico, mas lutou e conquistou o seu, assim como era para mim e a minha irmã fazer, mesmo que hoje tenhamos uma boa condição financeira, era para continuar a estudar e lutar pela nossa independência financeira.
Ele nunca falou muito do passado dele, muito menos sobre o que aconteceu com a nossa mãe, mas houve boatos de que ela morreu no parto e o bebê foi junto, só que nunca nada foi dito pelo papai. Isso mexia muito com ele, fazia ele infeliz, então o que a gente podia fazer para evitar magoar, nós fazíamos.
Assim que chegamos na entrada do complexo, o taxista recebeu o dinheiro e saiu dali igual uma bala, não olhou para trás e muito menos deu tempo de ver se nada tinha sido deixado no banco, as pessoas morrem de medo de chegar perto dos morros daqui do Rio, só quem era daqui que não tinha problemas com isso.
Alguns garotos armados até os dentes nos parou, um deles apontou uma arma enorme para nós duas, provavelmente era um fuzil. Ignorância da parte dele, que tipo de perigo eu e a certinha da minha irmã iria trazer para este lugar? Estava na cara que eles eram bem mais seguros e armados que o exército.
— O que duas branquelas com cara de burguesa estão fazendo aqui? — Um garoto perguntou.
— Eu quero conversar com o dono do morro. — A minha irmã respondeu com a maior tranquilidade do mundo.
— O patrão não tá aqui, vai ter que desenrolar o papo com o sub. — Ele respondeu passando o rádio para um tal de MK.
Ele conversou com o cara, descreveu nós duas e ainda disse que eu era um gibi. Fala sério, em pleno século XXI eu sou zoada por ter tatuagem e ainda estava sendo escrachada por uma pessoa que tinha tanta tatuagem quanto eu, ou até mais.
Depois de longos minutos, eu já estava perdendo a minha paciência, ele desligou o rádio e voltou para falar com a minha irmã e o tempo todo um fuzil sendo apontado para a nossa cabeça.
— MK tá vindo aê... — Ele encarou a minha irmã. — Adianta o papo...
— Se o tal MK está vindo, porque tem que adiantar o papo para um intermediário? — Respondi sem paciência.
— Tu é muito folgada, hein branquinha. — Ele se aproximou de mim e eu o encarei. — Tá tirando com a cara de bandido?
— Bandido é tudo igual, se tu pudesse fazer algo comigo, já tinha feito, então fica na sua que o nosso papo é com o dono daqui. — Eu respondi irritada.
— Cala a boca, Maribel... — A minha irmã apertou o meu pulso. — Tá maluca?
— Aí você também Clari... — Eu soltei o meu pulso. — Já tô cheia disso... vai demorar? Eu tô cansada...
Ao fundo uma moto vinha na nossa direção fazendo arruaça, pronto, mais um exibido para tentar resolver o nosso problema e ainda nem é o tal chefe...