Amigos que Irritam

1397 Words
De volta Rafael, a despeito de tudo, ele sabia que era admirado. Os semblantes de impressionada admiração ao seu redor alimentavam seu ego. Contudo, algo dentro dele ansiava por algo mais.No entanto, ele sempre optava por regras rigorosas de distância; e assim a solidão se tornava sua única companhia. Quando os telefones tocavam, sua resposta era sempre a mesma: um olhar desinteressado, como se o mundo à sua volta estivesse em um filme que ele se recusava a assistir. Os únicos com quem tinha um contato mais achegado eram Douglas e Renato, mas esses também eram conhecidos com monstros no mundo dos negócios e nas interações pessoais. Naquele dia durante uma reunião onde a ostentação dos presentes feria o ótimo gosto, algo se rompeu. Um m*l-entendido entre os dois colegas relacionados a um contrato valioso se transformou em uma cena digna de um espetáculo — vozes elevadas, gestos agressivos e, ao fundo, o olhar gelado de Rafael, que observava a cena com um desdém irrepreensível. Douglas estava sentado à cabeceira da longa mesa de reuniões, o cenho franzido enquanto olhava os gráficos no telão: “Nova York é uma armadilha, e você sabe disso, Renato. As taxas são absurdas, o mercado imobiliário está saturado, e a competição? Ridícula. Se vamos expandir, deveríamos ser mais estratégicos. Chicago faz muito mais sentido." Renato, sentado do outro lado da mesa, bufou, cruzando os braços e recostando-se na cadeira como se a argumentação de Douglas fosse a coisa mais absurda que já ouvira: "Ah, claro, Chicago, a *cidade dos ventos*. Porque quem não quer se enterrar em uma cidade sem a menor visibilidade internacional? Estamos falando de uma sede global, Douglas. Global. Nova York é o centro do mundo, você precisa parar de pensar tão pequeno." "Pequeno?" Douglas praticamente cuspiu a palavra, inclinando-se para frente com os olhos acesos de raiva. "Pequeno é o seu cérebro se você acha que podemos competir com todos os gigantes já estabelecidos em Manhattan. Acha mesmo que vamos entrar lá e dominar o mercado como fizemos em outras cidades? Está delirando!" "Delirando está você," retrucou Renato, o rosto já ficando vermelho. "Você quer fugir da verdadeira batalha, é isso? Acha que Chicago vai ser um passeio no parque? Pelo amor de Deus, Douglas, já faz tempo que crescemos para além dessa mentalidade medíocre." Os dois trocavam farpas como de costume, a sala reverberando com as vozes cada vez mais altas e ofensas que se acumulavam entre eles. Era sempre assim. As discussões explosivas entre Douglas e Renato já se tornaram um tipo de espetáculo familiar para quem os conhecia. Ambos eram brilhantes, mas igualmente inflamáveis. Eles podiam começar discutindo sobre algo tão simples quanto o lugar para o almoço e terminar aos berros, atacando até a capacidade mental um do outro. Rafael, no entanto, como sempre, apenas observava em silêncio, os olhos semicerrados, observando os dois com um misto de tédio e desprezo. Aqueles debates inúteis não o impressionavam mais, na verdade o irritavam. Ele sabia que, no fim, os dois sempre acabavam concordando em algum ponto intermediário, apenas para depois tentarem convencê-lo a ir com eles comemorar a resolução em algum clube caro, bebendo uísque e cercados de mulheres. Normalmente, ele não se importava de deixá-los resolver as coisas dessa maneira; desde que chegassem a uma decisão lógica, ele não via problema em ceder. Mas naquele dia, algo estava diferente. A irritação de Rafael estava além do habitual. Cada palavra trocada entre Douglas e Renato parecia reverberar dentro dele como uma pedra jogada em um lago calmo, criando ondulações que ele não conseguia controlar. O ritmo acelerado dos dois discutindo o deixava mais nervoso do que o de costume. Havia uma tensão crescendo em seu peito, um nervosismo que ele não conseguia dissipar. Douglas continuava, batendo os punhos na mesa: "Você sempre quer o óbvio, Renato, sempre quer seguir o caminho mais fácil. É por isso que suas ideias, embora boas, nunca são inovadoras. Chicago é o futuro, Nova York é o passado!" Renato riu alto, mas era um riso carregado de sarcasmo: "Se estamos falando de passado, então olhe para si mesmo, Douglas. Sempre tão previsível, sempre querendo fugir do maior desafio. Tenho pena de você. Chicago pode ser o seu futuro, mas o meu é Nova York, onde as coisas realmente acontecem." Douglas se inclinou ainda mais para frente, os olhos faiscando de raiva, como se estivesse pronto para pular sobre a mesa e atacar Renato. "Pena de mim? Você vai me dar pena quando essa sua ideia patética falhar miseravelmente e—" "Chega." A palavra saiu seca e fria da boca de Rafael, cortando o ar entre os dois. Ele não havia levantado a voz, mas o peso de sua autoridade silenciou instantaneamente os dois. Douglas e Renato se calaram, voltando-se para ele com expressões mistas de surpresa e inquietação. "E se vocês dois parassem de brincar de crianças e agissem como adultos?" Rafael disparou, quebrando o clima de tensão. A ironia de suas palavras pairou no ar, e o silêncio que se seguiu era ensurdecedor como um farol de alerta em meio à tempestade. Neste instante, Rafael não era apenas um homem comum; ele era o soberano de um império construído sobre relacionamentos frágeis Rafael manteve o olhar firme nos dois por um momento antes de continuar, sem alterar o tom frio e controlado: "Vocês dois sempre fazem isso. Discutem, berram, e depois, como sempre, acabam concordando com alguma solução de meio-termo que é aceitável para ambos. Depois, me convencem a ir com vocês a algum clube decadente para comemorar. Francamente, é cansativo." Renato pigarreou, tentando suavizar o momento com um sorriso irônico: "Rafael, você sabe que—" "Eu não terminei," interrompeu Rafael, com um olhar cortante: "Vocês dois são bons no que fazem, mas sua necessidade incessante de transformar cada decisão em uma guerra de egos está me cansando. Hoje não tenho paciência para isso." Douglas, sempre o mais temperamental, revirou os olhos: "Ah, então você finalmente se cansa de observar de camarote, Rafael? Quem diria que o CEO demoníaco também tem dias ruins." "Não teste a minha paciência, Douglas." Rafael respondeu em tom glacial. "Se vocês dois querem continuar gritando um com o outro, façam isso fora daqui. Não tenho tempo nem disposição para perder mais energia nisso." A tensão na sala era palpável. Renato tentou intervir, suavizando o tom: "Rafael, sabemos que está mais estressado do que o normal. Só queremos chegar a uma solução, como sempre fazemos." "Sim, uma solução que vocês comemorarão com bebidas e mulheres, como se isso resolvesse algo," murmurou Rafael, mais para si mesmo do que para os outros. Ele olhou para o relógio em seu pulso, sentindo a pressão no peito aumentar. Havia algo incomodando-o profundamente naquele dia, e ele sabia que não era apenas a discussão entre Douglas e Renato. Era algo maior, algo mais pessoal que ele ainda não conseguia identificar completamente, mas que o consumia por dentro. Douglas, já se acalmando, lançou um olhar para Renato e então para Rafael: "Então, o que sugere, Rafael? Onde devemos construir a sede?" Rafael ficou em silêncio por um momento, pensando. Normalmente, ele teria deixado os dois resolverem, mas hoje ele não queria seguir o padrão usual. Algo dentro dele clamava por uma mudança, por uma decisão firme e imediata, sem a dança habitual de concessões. Ele respirou fundo antes de responder, com a voz firme e final. "Chicago." Douglas abriu um sorriso vitorioso, enquanto Renato arqueou as sobrancelhas em surpresa, mas antes que pudesse protestar, Rafael o interrompeu novamente: "E não há discussão sobre isso. Agora, vão trabalhar." Os dois se entreolharam, ainda surpresos com a decisão repentina e firme de Rafael, mas sabiam que, quando ele tomava uma decisão, não havia volta. Eles assentiram e começaram a recolher seus papéis, prontos para se retirar. Antes de sair, Douglas, como sempre fazia, tentou aliviar o clima: "Então, Rafael, que tal comemorarmos depois? Quem sabe em um—" "Vão trabalhar," repetiu Rafael, secamente. Douglas e Renato se foram, e Rafael ficou sozinho na sala de reuniões. Ele soltou um suspiro profundo, passando a mão pelos cabelos, tentando dissipar a sensação incômoda que o acompanhava. Algo estava errado naquele dia, e ele sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria que enfrentar aquilo de frente. Mas por enquanto, precisava focar no trabalho e manter o controle, como sempre fez.
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