AURORA - ELEONORA
Caminho pelo shopping olhando algumas vitrines de lojas para bebês e fico encantada com a variedade de coisas, uma mais linda que a outra. Matteo e eu optamos por comprar as coisas do nosso filho assim que soubermos o sexo, mas nada me impede de dar uma olhada.
Com a minha total falta de atenção, acabo esbarrando em alguém, o sanduíche e refrigerante que a pessoa segurava cai no chão e por sorte, não me atinge.
— Oh, meu Deus, me desculpe senhora, eu não...
— Tudo bem, eu também fico distraída quando passo por esse lado do shopping. — Se refere às lojas de roupas para bebês. Solto uma risada sem graça.
— Olha, para compensar, eu p**o seu lanche. — Ela coloca uma mecha ruiva do seu cabelo curto atrás da orelha e sorri de forma simpática.
— Não é necessário.
— Eu faço questão, eu também iria comer mesmo, pode me fazer companhia.
— Não, eu não quero incomodar — diz sem graça e sua pele extremamente branca demonstra o quão sem graça ela está.
— Por favor, eu insisto. — Fica ponderando por alguns segundos, mas logo balança a cabeça concordando e, juntas, caminhamos para a praça de alimentação.
— Ah que cabeça a minha, nem me apresentei, me chamo Merlinda, e você? — indaga com seus expressivos olhos azuis.
— Eleonora.
— Você é a esposa de Matteo Del Frari? — pergunta, surpresa.
— Sim, sou. — Vejo ela ficar branca, logo me assusto quando a mesma ameaça cair no chão, mas um dos seguranças que estava comigo me ajuda a segurá-la. Alguns curiosos nos olham.
— Senhora, ela desmaiou. — Um dos seguranças murmura.
— Vamos levá-la a um hospital próximo. — Ele concordou e, sem cerimônia, a colocou em seus braços, a erguendo do chão.
Sob o olhar das pessoas, saímos do shopping extremamente preocupados com a situação. Essa mulher desmaiou depois da confirmação de que sou a esposa de Matteo, será que ela o conhece? Será alguém do passado dele? Ela não parece ser daqui, e o sotaque dela é diferente, pode ser italiana...
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Na sala de espera aguardo o médico chegar; a mulher chegou aqui desmaiada e bem pálida, liguei para Matteo vir para cá o quanto antes, talvez ele conheça essa mulher. Durante o tempo em que aguardo pensei na reação dela quando afirmei que ele é meu marido, com certeza ela o conhece e não é algo de pouco tempo.
— Senhora Del Frari? — O médico entra na sala.
Ainda preciso me acostumar a ser chamada assim.
— Sim. — Me levanto da poltrona.
— A paciente teve uma crise nervosa, foi medicada e já está acordada, ficará só algumas horas em observação e logo será liberada.
— Posso vê-la?
— Claro. Corredor esquerdo, quarto 3A, segundo andar. — Agradeço e caminho em direção ao elevador com os seguranças bem atrás de mim.
Com alguns minutos, encontro o quarto de Merlinda; ao entrar, a vejo sentada na cama, seu cabelo está preso em um coque m*l feito, ela já não está mais pálida.
— Como você está? — pergunto.
— Estou bem melhor, me desculpe por esse transtorno.
— Não precisa se desculpar, eu fiquei preocupada, você desmaiou do nada.
— Nós duas sabemos que não foi algo do nada — murmura bem séria.
— Não sei, mas se quiser me contar... — Sou interrompida pela porta do quarto sendo aberta. Del Frari entra lindamente com o seu terno e gravata azul-escuro, com certeza saiu às pressas do trabalho.
— Querida, eu vim assim que... — Matteo para de falar abruptamente quando sua imensidão azul cai em cima de Merlinda, que arregala os olhos.
Olhos esses que são muito familiares.
— Merlinda! — Ele exclama com os olhos extremamente arregalados.
— Olá, maninho.
MATTEO DEL FRARI
Meu coração parece que vai sair pela boca. Ainda não consegui definir o tipo de emoção que senti ao ver a minha irmã bem na minha frente e perto de Aurora. Vejo minha esposa olhar para nós com extrema confusão quando Merlinda me chama de maninho. Me aproximo dela e com sutileza, a puxo para longe da minha irmã.
— O que está fazendo aqui? Deveria estar em um...
— Manicômio? Eu saí de lá há três anos, estou curada. — Balanço a cabeça não concordando.
— Não, você fugiu de lá, não foi? Vou ligar agora mesmo. — Pego o meu celular.
— Faça o que quiser, eles vão dizer a mesma coisa que eu, e Matteo, eu estava em uma prisão para doentes mentais, estou respondendo o meu crime em condicional. — Ela se levanta. — Mas sabe qual foi a primeira coisa que me doeu ao saber disso? Foi que meu próprio irmão me omitiu algo tão grave assim... E ainda por cima, você sumiu.
— Eu queria te poupar, não queria que tivesse mais crises.
— Não, você não conseguia ficar perto de mim. — Merlinda solta uma respiração pesada. — Precisamos conversar. — Olho para Aurora, que agora parece entender o que está acontecendo, mas ainda está extremamente surpresa.
— Amor...
— Eu estarei lá fora. — Abre um sorriso sincero e fica na ponta dos pés para me dar um beijo no rosto, logo em seguida, se vira para sair.
— Ela é linda, muito parecida com Valentina.
— Me desculpe, Merlinda, mas não quero você perto dela. — Seu olhar é de indignação.
— Você é surdo? Qual a parte do “eu estou curada” você não entendeu?
— Você matou os nossos pais! Eu só tinha cinco anos quando vi aquela cena, que jamais saiu da minha cabeça! — Sim, as palavras saíram altas da minha boca, palavras essas que estavam entaladas na minha garganta há anos.
— Acha que faria isso se estivesse sã? Eu os amava! Fiquei fora de mim quando soube o que realmente aconteceu, tentei me matar e não consegui e em um ato de loucura, arranquei a minha própria perna. — Levanta o vestido longo e mostra a sua prótese, fico de olhos arregalados ao ver aquilo.— Por sorte, um funcionário do hospício me ajudou, teve pena de mim, auxiliou na minha reintegração na sociedade e me arrumou um emprego em uma loja de roupas para bebês no shopping onde vi sua mulher. Eu estava em horário de almoço quando ela esbarrou em mim e derrubou meu lanche no chão. Estou sendo acompanhada por um psiquiatra e tomando alguns remédios, faz três anos que os ataques sumiram.
— Não acredito nisso, você não pode estar curada.
— Matteo, eu sei que errei e vou repetir o que te disse na última vez que nos vimos: eu não queria ser assim. — Ela ameaça se aproximar e eu dou um passo para trás, Merlinda seca suas lágrimas com os dedos. — Eu amo você, e sei que nunca vai conseguir me perdoar pelo que fiz, você era muito novo e eu daria a vida para apagar essas imagens da sua cabeça, mas maninho, só temos um ao outro. — Sacudo a cabeça em negação.
— Não, eu tenho uma família e amigos, e agora estou construindo a minha própria família, onde sou muito feliz, e se caso tivéssemos um ao outro, é tudo por sua culpa. — Ela fecha os olhos e dá um passo para trás como se tivesse levado um soco.
— Eu não queria que soubesse que saí do hospício, muito menos tinha a intenção de me aproximar de você. Eu estava feliz vendo a sua felicidade, mesmo que sendo de longe, mas foi uma mera coincidência esbarrar com sua esposa. Talvez isso seja o...
— Destino? — Solto uma risada sarcástica. — Minha vida estava muito melhor sem você aparecer e quero que, do mesmo jeito que apareceu, suma dela. — Me viro para sair, mas antes de abrir a porta, digo antes de sair do quarto. — Fique longe da minha mulher e do meu filho. — Quando fecho a porta atrás de mim, encosto minhas costas e cabeça nela, tentando reprimir as lágrimas.
— Amor, vamos embora? — Aurora pergunta, parada bem na minha frente, ela estende a mão para mim e eu pego de bom grado.
Caminhamos para fora do hospital e assim que entramos no carro e o motorista dá partida, ela diz.
— Eu não resisti e ouvi sua conversa atrás da porta, mas preciso te dizer a minha opinião sobre o que aconteceu lá.
— Pode dizer.
— Acho que sua irmã estava sendo sincera quando te disse aquelas coisas e sim, você tinha todo o direito de lhe falar o que sentia, pois eram coisas que você guardava há anos, mas acho que deveria pensar melhor... Ela é sua irmã e duvido muito que faria algo estando com as faculdades mentais plenas.
— Eu sei..., mas me dói muito olhar para ela e saber que a minha própria irmã matou os nossos pais. Aquela cena jamais vai sair da minha cabeça. — Aurora me puxa para um abraço e no automático, começo a chorar.
— Sei que a situação é bem delicada, mas nenhuma decisão deve ser tomada de cabeça quente. Você, como dono de uma empresa e chefe da máfia, deveria saber disso. Não precisa tomar nenhuma decisão agora, mas sabe que mais à frente terá de fazer isso... Eu quero que se lembre de uma coisa... — Eu não digo nada, então ela completa. — A dor de Merlinda é extremamente grande e pela vida toda vai carregar essa culpa, não acha que isso já não é o suficiente para ela?
— Por anos evitei vê-la por não conseguir olhar em seu rosto... Eu também não tinha muito o que falar, mas confesso que ver minha irmã sem uma das pernas me chocou muito e, por alguns instantes, quis abraçá-la. — Confesso já mais calmo.
— Vocês dois passaram por coisas terríveis, acho que deveriam ter outra conversa, mas uma civilizada e sem julgamentos.
— Sim, você tem razão.
Sinceramente, eu não sei o que fazer.