Mavie
Os homens do China chegaram trazendo as roupas, comida e cobertores, exatamente como ele tinha dito. A noite ia ser longa e fria, e eu precisava estar preparada. Deitei no sofá da boca, tentando fechar os olhos e descansar um pouco, mas minha cabeça não deixava. Como eu tinha chegado até ali? Toda essa situação era tão distante de quem eu fui um dia. Mas depois de tantas confusões em casa, os tapas do meu pai e o envolvimento com as drogas, minha vida virou uma bola de neve que eu não conseguia mais controlar. Agora, eu tava prestes a visitar um traficante no presídio, sem saber o que ele ia fazer comigo.
Tentei cochilar, mas era impossível. Rolei no sofá de um lado pro outro, o cansaço era real, mas minha mente não desligava. Levantei, andei pelo espaço pequeno, fui até a porta e voltei, sem conseguir achar paz. Já passava das duas e meia da manhã quando eu finalmente tomei um banho, tentando afastar a tensão. O calor da água acalmava, mas só até eu desligar o chuveiro. Assim que me enxuguei e me vesti, bateu aquele nervosismo de novo. E antes que eu pudesse pensar em outra saída, um vapor bateu na porta.
Ele me deu um olhar meio debochado e perguntou se eu tava pronta. Eu apenas assenti, enquanto ele me entregava umas bolsas. Enfiei tudo no carro e entramos, indo direto pro presídio. No caminho, a tensão só aumentava. No carro, ele me explicou que eu teria que carregar tudo, e que ele ficaria esperando à distância, de olho, mas sem chamar atenção. Pensei em fugir, mas era loucura. Fugir dali só ia piorar minha situação; eu sabia que China tinha olhos em toda parte, e eu já tava metida demais.
Chegamos ao presídio e eu já via a fila enorme. À medida que o tempo passava, a ansiedade só crescia. Tentei me distrair olhando pro chão, mas nada ajudava. Quando deu nove da manhã, finalmente começaram a liberar a entrada. Passei pela revista e os agentes fizeram questão de revistar tudo com muita calma, sem deixar nada passar. Tentei manter a calma, mas era difícil com tantos olhares em cima de mim, analisando cada detalhe, cada expressão.
Com as bolsas nas mãos, segui pelo pátio. Andava devagar, quase sem rumo, perdida, até que um homem alto, com um olhar frio, parou na minha frente.
Bocão: Você que é a Mavie, mina do Dexter?
Mavie: Sou eu, sim.
Ele me olhou de cima a baixo, como se estivesse me avaliando, e depois fez um sinal com a cabeça pra eu ir atrás dele. Fui seguindo, tentando esconder o medo. Cada passo ecoava naquele corredor estreito, e a tensão só aumentava. Quando chegamos numa cela, vi que ela estava coberta por lençóis pendurados, parecendo criar uma espécie de barreira improvisada.
Bocão: Entra aí. Daqui pra frente, é contigo.
Eu hesitei por um segundo, mas ele me empurrou levemente, me incentivando a entrar. Senti um frio na barriga, mas dei um passo à frente. Dexter estava lá dentro, deitado numa cama, os olhos fechados, o corpo cheio de machucados. Coloquei as bolsas no canto e fui me aproximando devagar, sem saber exatamente o que fazer. Mas antes que eu pudesse encostar, ele abriu os olhos e segurou meu braço com força.
Dexter: Quem é você? Tá fazendo o que aqui?
Mavie: Eu... eu sou a Mavie. China me mandou.
Ele me soltou, relaxando o corpo, mas não o olhar, que continuava desconfiado.
Dexter: Então já que você tá aqui, começa a limpar esses machucados. A enfermeira sumiu faz tempo, e alguém tem que fazer o serviço.
A firmeza na voz dele era quase uma ordem, e eu sabia que não tinha opção. Peguei o kit de primeiros socorros que China tinha mandado e comecei a cuidar dos machucados. Cada vez que eu encostava, ele soltava um gemido de dor, mas não demonstrava fraqueza.
Dexter: Vai com essa mão de pedreiro, é?
Mavie: Eu tô tentando ser cuidadosa, mas não é fácil com esses cortes profundos.
Ele me olhava com uma mistura de ironia e desprezo, como se quisesse ver até onde eu aguentava. E eu percebia que, por trás daquela fachada dura, ele me testava, esperando qualquer sinal de fraqueza.
Dexter: Qual é o seu nome mesmo?
Mavie: Mavie.
Dexter: Nome diferente. Seus pais não tinham nada melhor pra inventar?
Revirei os olhos, mas mantive a calma. Sabia que qualquer provocação era parte do jogo dele.
Dexter: Agora que veio, vai ter que vir três vezes por semana. Não quero ouvir desculpas.
Mavie: Três vezes? Eu tenho uma vida lá fora, sabia?
Ele se inclinou, se aproximando, o rosto a centímetros do meu, e senti o coração acelerar. Aquele olhar era intenso, mas também intimidante.
Dexter: Escuta bem, eu faço as regras, e você obedece. Ou acha que pode sair daqui ilesa depois de me contrariar?
Por um momento, pensei em discutir, mas vi que seria inútil. Ele tinha controle sobre tudo ali, inclusive sobre mim, e eu sabia disso. Aquilo me deixava furiosa, mas também impotente.
Mavie: Tá, eu volto. Mas tô aqui porque eu quero ajudar, não porque você manda.
Ele deu um sorriso sarcástico, como se eu tivesse dito a coisa mais ingênua do mundo.
Dexter: Ingênua demais pro meu gosto, mas vamos ver quanto tempo dura essa sua bravura.
Continuei limpando os ferimentos, e ele seguia me observando. Senti o peso do olhar dele, que era uma mistura de desdém e curiosidade, como se tentasse entender cada detalhe sobre mim. Mesmo machucado, ele ainda parecia uma presença forte, dominadora, alguém que não abaixava a cabeça pra ninguém. Quando terminei, ele suspirou aliviado, mas não admitiu.
Mavie: Trouxe comida, não vai comer?
Dexter: Depois. Tô com febre.
Ele recusou com um gesto, e eu me limitei a observar. Ali, tão vulnerável, quase me fez esquecer quem ele era, mas eu sabia que, com ele, não podia baixar a guarda. Deixei a comida ao lado dele e me levantei.
Dexter: Te espero quarta-feira. Não vacila.
Ele disse com um tom que era mais ameaça do que convite. Revirei os olhos e saí da cela, o coração ainda acelerado, tentando digerir tudo o que aconteceu. Cada palavra dele parecia pesar mais do que o normal, e eu sabia que sair daquela enrascada ia ser mais difícil do que pensei.
Quando saí do presídio, o vapor já me esperava. Entrei no carro em silêncio, e ele só deu uma risada baixa, como se entendesse exatamente o que eu estava passando. O caminho de volta foi silencioso, mas, de alguma forma, eu sabia que minha vida tinha acabado de mudar – e não era pra melhor. Eu tinha entrado em um jogo perigoso, e, ao que tudo indicava, não seria tão fácil sair.