Minha vida na outra vida

11 - O entardecer

A pequena menina que tanto assombrava a minha vida, agora estava ali. Como se eu fosse uma mera espectadora de sua vida.

Eu assistia a menina brincar e brincar. Sua madastra sempre de cara fechada, como se tivesse de mau com a vida.

E o amor da menina pelo seu pai. Acredito que esse amor tenha ajudado ele a ficar de pé logo. Pois, assim que raiou um novo dia, o homem se colocou de pé para ir trabalhar.

A menina aproveitou para sair e brincar do lado de fora. Comer suas frutas favoritas ao pé da floresta.

Ela pensava, em sua mente inocente, que sua vida era feliz e perfeita. Tirando a comida r**m que sua madrasta sempre preparava.

Cada vez que via a menina, lá estavam seus lindos cabelos loiros esvoaçantes ao vento. Ela estava sempre correndo e fazendo travessuras de criança.

Ela permaneceu assim. Porém, dessa vez, uma sombra estava a observando. A menina não viu. Acredito que ninguém via.

Apenas eu que estava assistindo a tudo pude perceber que não estava ali sozinha.

Por mais que eu me esforçasse, eu não conseguia ver o que está a por detrás da sombra. Tentei gritar para avisar a menina..Mas não saía uma única palavra da minha boca.

Conceição colocou a mão em meu ombro e me trouxe de volta a realidade.

Fomos de volta para a casinha pois o sol já estava se pondo. Ao chegar, eu comentei com Conceição o que havia visto. Achei que ela iria rir de mim, me dizer que era fruto da minha imaginação. Mas não. Ela não fez isso.

Pelo contrário, Conceição, que estava sempre sorrindo e parecia estar alegre o tempo todo, fechou seu semblante.

_ Você está chegando a um ponto importante dessa história. - Ela ponderou. - Se está sendo permitido pelo Pai que você veja, é porque tem lições a aprender.

_ Mas você está me ajudando com as lições que eu preciso aprender!

_ Sim. Porém isso é diferente.

_ Por que é diferente? O que tem de mais nessa lição?

_ Tem que você vai precisar aprender o perdão!

_ Mas eu sei perdoar!

_ Será que sabe mesmo? O que é o perdão? O que significa perdoar o m*l feito a nós?

_ É esquecer a ofensa! Eu me lembro das lições que o padre lia.

Conceição se sentou.

_ Minha querida, digamos que alguém tire a vida do seu marido. Vamos supor que seu pai faça isso. Você irá esquecer?

_ Não! Isso nunca!

_ Perdão não se trata de esquecer. Perdoar alguém é como tirar suas mãos do seu próprio pescoço, entende?

_ Não! Não entendi nada. Afinal como eu poderia estar com as mãos no meu próprio pescoço?

_ Eu explico. - Finalmente Conceição sorriu. - É que quando outra pessoa comete uma ofensa com outra pessoa, uma ofensa grave o suficiente para prender a uma raiva sem tamanho a ela, é como se a própria pessoa estivesse se enforcando. Ou seja, é como tomar um copo de veneno esperando que o outro morra.

_ Entendi. Mas o que eu faço então?

_ Para perdoar de verdade é preciso que você já não sofra mais pela ofensa. Já não olhe para a pessoa com olhos que julgam seus atos. É preciso ver que o ser que cometeu a ofensa é um ser doente, que precisa de amor e auxílio, como os seus pacientes. Quantos pacientes passaram por você?

_ Muitos. Faz anos que trabalho como enfermeira na UTI.

_ Quais deles você conhecia ou sabia o seu passado?

_ Nenhum.

_ Se lembra de um senhor, logo no seu primeiro ano de trabalho lá? Ele parecia ser um daqueles velhinhos fofos que dá vontade de apertar!

_ Sim eu nunca o esqueci! Ninguém nunca o visitava. Ficou meses lá. Só foram para buscar o corpo. Eu achei isso um absurdo. A família não poderia fazer isso com ele! Ele criou os filhos sem pedir nada, e os filhos o abandona assim!

_ Esse mesmo! Pois esse velhinho que te marcou fez o mesmo na vida dos filhos. Ele matou cinco pessoas, inclusive uma criança. Seu próprio filho, a nora, o netinho que tinha apenas seis anos, sua esposa e uma amiga dela. Eles foram todos viajar no réveillon, ele bebeu demais e seu filho discutiu com ele por conta disso. Ele não aceitou e partiu pra cima do filho. Sua esposa e a nora entraram no meio para separar e ficaram contra ele. Depois que foram dormir, ele ateou fogo na casa.

_ Deus do céu!

_ Ele teve outros dois filhos com sua esposa que só chegariam no outro dia. Quando eles chegaram, viram o pai olhando para a casa e rindo. Ele lhes disse o que fez e que finalmente teria paz. Eles o colocaram numa clínica e nunca mais voltaram a ver o pai vivo.

Eu fiquei horrorizada com o que Conceição me revelou. Mas ela não parou.

_ Quantos homens e mulheres como esse você cuidou, sem saber? Quantos você ajudou a perdoar o que fizeram aos outros e a eles mesmos para se libertar?

_ Mas eu... - Não consegui terminar a frase. As lágrimas começaram a cair.

_ Você nunca vai saber quem eles são! E nem precisa. O que importa é seu ato de amor e bondade. Se fizer o mesmo com todos que te prejudicam, de alguma forma, terá paz em sua vida.

Eu entendi o que Conceição me disse. Se não perdoamos verdadeiramente uma pessoa que nos faz m*l, vivemos ligados a ela e a tudo que ela nos fez para sempre.

Não é fácil, mas é necessário para que nós mesmos tenhamos paz!