Pela primeira vez em muito tempo eu dormi um sono tranquilo e relaxante. Não me lembro de ter tido nenhum sonho.
Quando acordei, pela manhã, o sol já estava alto. Eu fiquei afobada, preocupada com o meu marido e meu casamento. Eu havia passado a noite fora.
Por mais compreensivo que Pedro fosse, ele jamais iria acreditar com quem eu estava e o que estava fazendo.
Sinceramente, nem eu mesma acreditava em tudo aquilo. Passei um tempo sentada pensando em que momento eu bati a cabeça e fui parar nesse sonho estranho.
Eu havia sido levada, em algum momento, enquanto dormia, para um quarto muito bonito. Paredes brancas e lençóis brancos, todos muito limpos, faziam contraste com todo o verde do lado de fora da casa e das árvores que a janela deixava ver. Além da madeira dos móveis bem colocados.
Enquanto eu observava onde estava, a porta se abriu. Conceição entrou trazendo uma bandeja com café, suco e várias coisas gostosas para comer.
_ Achei que estaria faminta!
_ Obrigada! Eu estou sim. - Respondi. Depois voltei meus pensamentos para Pedro mais uma vez.
_ Se estiver fazendo essa cara porque está preocupada com seu casamento e com seu marido, fique tranquila. Já lhe disse que o tempo aqui é relativo. Vai entender quando voltar.
_ Eu vou poder voltar?
_ Claro que sim! Você ainda acredita que está morta?
_ Bem, viva eu não devo estar ou então eu não estaria aqui.
_ Venha comigo! Você vai entender melhor o que faz aqui.
Eu terminei minha refeição e segui Conceição até fora da casa. Ela me guiou floresta adentro. Conforme andávamos, as árvores iam ficando mais juntas e a luz do sol ia ficando mais fraca, até quase escurecer por completo.
Se não fosse a presença de Conceição por ali, eu com certeza, estaria apavorada. Mas, de algum modo, saber que não estava sozinha, me dava um pouco de coragem.
_ Relaxe! - Ela me disse.
Ao relaxar, um flash do meu sonho veio até mim. Eu me assuntei quando ouvi, no meio daquela escuridão toda, uma risada de criança.
_ Relaxe! Se lembre que não está sozinha. Deixe que venha até você. Deixe que a floresta te mostre seus medos.
Eu respirei fundo e mais uma vez eu ouvi o sorriso da criança. Olhei em volta e a vi correndo e brincando. O vestido todo sujo, exatamente como eu via nos meus sonhos.
Porém, agora, eu enxergava os detalhes.
A menininha não devia ter mais que seis anos. Os lindos cabelos loiros compridos, possuíam ondas e até alguns cachos. Sua boquinha era muito vermelha e os dentinhos estavam sujos.
O vestido que ela usava era um azul por cima do que parecia uma camisola branca.
Nós estávamos a beira de uma floresta. Onde a menina brincava e corria, era uma parte toda em grama.
Ali, bem perto, uma casa de madeira estava com a lareira acesa. Mais a frente, um riacho de águas nervosas, corriam rapidamente, fazendo barulho.
Uma mulher saiu na porta da casa. Seus cabelos também eram loiros, porém estavam m*l presos e bem sujos. Talvez, estivessem assim pelas cinzas da lareira, eu pensei.
Ela também usava um vestido. Porém o seu era escuro. Parecia um cinza. Fechado até o pescoço. Muito simples e m*l costurado. Deve ter sido feito a mão.
Ela chamava pela pequena menina. Que continuava brincando sem lhe dar muita bola.
Até que a garotinha resolveu atender a mulher. Ela foi de encontro a casa. Quando entramos, percebi que o lugar era ainda mais simples. Possuía uma mesa feita em madeira rústica. Quatro banquinhos para sentar e um fogão a lenha ao lado. Panelas grandes e sujas da cinza do fogão e do fogo alto, borbulhavam e faziam barulho.
A mulher queria fazer a garotinha comer. Mas ela não queria. A menininha sabia que a comida daquela mulher não era gostosa. Ela havia se enchido com frutas da beira da floresta e do pomar atrás da casa.
Foi então que o gosto da comida me veio a boca. Olhei e percebi que a mulher estava forçando a menina a comer.
A garotinha chorava e engasgava com a força e a violência que a mulher colocava comida em sua boca.
Isso permaneceu assim até a porta se abrir e um homem corpulento e barbudo entrar. Era o pai da garotinha.
Se aquele era o pai, então a mulher deve ser sua mãe. Mas, não. A garotinha não se parecia com aquela mulher.
Apesar de as duas serem loiras, a garotinha tinha lindos olhos verdes da cor de uma grama fresca. Seus traços eram delicados. Já a mulher tinha olhos castanhos e traços rudes. Seu semblante também era carrancudo.
A menina correu para os braços do pai e pulou em seu colo. Ele pegou a menina com todo amor que possuía por ela.
A mulher ficou parada, olhando de cara fechada aquela linda cena.
Eu não entendi direito por que, até ouvir ela dizer.
"_ A sua filha não quer comer novamente."
Então a menina não é mesmo filha dela. Mas ela cria a menina.
O pai da garotinha a colocou de pé no chão e se aproximou da mulher para lhe dar um beijo, mas ela o afastou de cara feia.
Ele recuou e se sentou. Ela o serviu comida e a garotinha lhe fez companhia a mesa. Enquanto a mulher varria, com o que parecia ser uma vassoura, o chão sujo da casinha.
Eu fiquei observando aquela cena. O amor nos olhos daquela criança pelo pai era transparente e lindo. Era como se fugisse aos olhos e preenchesse todo o lugar.
O amor daquele pai também era assim.
Mas, foi então que eu olhei diretamente para os dois. Não era mais eu e o Pedro. Eles agora não se pareciam mais com nós dois.
Mas sim com duas pessoas aleatórias cuja história eu estava vendo, como se fosse uma telespectadora.
Até que senti a mão de Conceição e sua voz doce e suave me trouxe de volta a realidade.
_ Tá na hora de voltarmos, minha querida! Você precisa absorver e entender o que viu para amanhã continuarmos a desvendar o que precisa saber.