Luís estava sentado na sala do detetive Ferreira, onde estavam também os detetives Afonso, André e o próprio Ferreira, juntos com seus superiores, alguns policiais militares fardados e o promotor público. Discutiam o resultado da batida e os próximos passos da investigação.
O promotor Baresi falava ao telefone, dando diversas explicações ao seu interlocutor na tentativa de disfarçar o sentimento de fracasso. Vários relatórios eram elaborados e tudo o que Luís conseguia pensar é que alguém havia levado todo o carregamento de drogas para algum lugar e ninguém parecia ter visto ou ouvido nada a respeito nas ruas.
Nenhum informante pôde ajudar a esclarecer o que tinha acontecido no galpão.
O detetive Ferreira estava abatido, uma investigação de meses terminou em um beco sem saída. Seus superiores tinham sido duros com ele e, embora ninguém quisesse admitir, a única maneira de alguém ter chegado ao galpão antes dos policiais era o vazamento de informações. Alguém da corporação entregou o serviço.
Ferreira fez sinal para que Luís e André o seguissem para fora da sala e eles obedeceram.
Ferreira os acompanhou à uma cafeteria do outro lado da rua, precisava tomar um pouco de ar e um café bem forte. Os três detetives fizeram seus pedidos, café sem açúcar para Luís, com um pouco de leite para Ferreira e uma garrafa pequena de água mineral com gás para André, pois este sempre detestou café.
— Obrigado por tudo, Luís, você também, André! Foi uma honra trabalhar com vocês, pena que depois de hoje, o caso provavelmente sairá de minhas mãos.
Ferreira parecia muito abalado com o desfecho infeliz das investigações. Não era a primeira vez que perdia um caso, mas estava no fim de sua carreira e desejava ter encerrado com mais um caso resolvido a contento. Tinha 61 anos e se dependesse dele, continuaria atuando ativamente como policial, mas os sinais da idade começaram cruelmente a aparecer e o impediam. Problemas no coração o impossibilitavam de continuar a carreira. Havia chegado o momento de se retirar, e isso o entristecia.
—Somos amigos, então deixe dessas cerimônias! — Comentou Luís, dando um tapinha no ombro de Ferreira. — Perdi a conta de quantas vezes você me ajudou.
— De todo modo, não foi culpa sua, Ferreira. — Disse André consolador.
Alguém deu o serviço, alguém de dentro...
— Depois de todos esses anos trabalhando como policial, eu me pergunto se vale a pena arriscar a vida fazendo seu trabalho, enquanto um crápula, blindado pela farda, entrega tudo para o outro lado por causa de dinheiro! —Disse Ferreira desanimado.
— Essa é a principal razão de eu nunca ter me interessado em trabalhar na narcóticos... — Disse Luís.
— Alguém tem que fazer esse trabalho, achei que faria a diferença. — Falou Ferreira.
— E faz, sempre fez, se manteve honesto e íntegro e colocou muitos marginais atrás das grades. — Disse André
— Além de nos ajudar várias vezes. — Completou Luís, então se dirigiu ao parceiro: — Lembra aquela vez, André, em que estávamos envolvidos em uma série de mortes e o filho da mãe do assassino escrevia números nos corpos...?
Conversaram sobre os velhos tempos e sobre quando se conheceram. Aquela conversa amigável melhorou o humor de Ferreira. Passada uma hora desde que entraram na cafeteria, pareciam renovados e de ótimo humor.
Aquela era a rotina deles, frustração quando um caso ia m*l, mas logo se animavam novamente. Honravam a profissão que escolheram e mesmo em meio a pequenas frustrações, sabiam que eram bons no que faziam.
***
André entrou em seu pequeno apartamento e, após trancar a porta e se servir de uma latinha de cerveja, se atirou no sofá de maneira descuidada.
Sentia-se cansado.
Suas férias estavam vencidas há meses e m*l podia esperar a liberação. Já tinha tudo planejado para uma viagem. Iria para o campo, para uma cidadezinha escondida no meio da natureza, onde costumava ir com seus pais quando criança. Recentemente a dona havia convertido o casarão em uma sossegada e confortável pensão, com o pretensioso nome de Hotel Estrela Dalva, cercado de muito verde, rios de água cristalina, cachoeiras, galos cantando pela manhã...
Era tudo o que André desejava, algo que o afastaria, por pelo menos quinze dias, do barulho e da violência de uma cidade grande como o Rio de Janeiro.
Sentia que precisava dessas férias, era uma necessidade e não um simples desejo. Pegou o controle remoto que estava sobre uma mesinha de canto e voltou a jogar-se no sofá. Ligou a televisão mecanicamente e parou em um filme nacional estrelado por uma famosa atriz que, meses antes, apareceu em todos os jornais por ter decidido adotar uma criança.
***
Verônica Fourton era uma atriz que, apesar de muito famosa, esteve por muito tempo intencionalmente afastada da mídia. Com uma carreira invejável, a jovem atriz estrelou várias novelas, capas de revista e seu último filme foi um fenômeno de bilheteria. Embora jovem, apenas 25 anos, era casada com o empresário Henrique Medeiros, vinte anos mais velho que ela.
Henrique não era uma pessoa pública, já que nunca se sentiu bem diante dos holofotes. Trabalhava como empresário e agente de Verônica desde o início da carreira dela, quando ela era apenas uma adolescente.
Depois de dois anos de casados ainda não tinham filhos. Verônica queria muito ser mãe e decidiu consultar especialistas e descobriu que nunca poderia engravidar. A descoberta a afastou das telas por meses devido à depressão que se abateu sobre ela. A impossibilidade de realizar o sonho de ser mãe a tinha deixado muito abalada. Depois de alguns meses, Verônica apareceu na mídia novamente quando declarou publicamente seu desejo de adotar uma criança.
O retorno à TV foi glorioso, ela irradiava otimismo e felicidade, pois havia encontrado a menina dos seus sonhos. Uma linda criança, com traços físicos semelhantes aos seus, que fora tirada dos pais biológicos devido aos maus tratos e abusos que sofreu.
Parecia um conto de fadas para as duas...
Verônica era uma linda mulher e sabia disso. Sempre chamara atenção dos homens por sua beleza. Loira, olhos azuis, estatura mediana, corpo elegante e magro, como a maioria das atrizes de sua geração, porém muito bem feito, com curvas onde deveria haver curvas. Vestia-se sempre impecavelmente e suas roupas tinham a assinatura dos melhores modistas do mundo.
Naquele exato momento em que André assistia o filme estrelado por ela, Verônica estava em um quarto decorado de rosa e lilás, repleto de brinquedos e muito bem mobiliado. Segurava um livro de histórias infantis enquanto as narrava para Beatriz, sua filha adotiva de cinco anos de idade. Encontrar aquela menina tinha sido a realização de um sonho. Todos diziam que se pareciam fisicamente, e era verdade, tal fato foi uma das razões de ter escolhido a menina desde o primeiro momento em que a viu.
.... E viveram felizes para sempre – Disse Verônica fechando o livro.
— Por favor, conta mais uma, Verônica. — Pediu Beatriz com seus olhos azuis irresistivelmente suplicantes.
— Só se você parar de me chamar assim. — Verônica fez beicinho e cara de triste para comover a menina.
— Tá bom! Conta mais uma, mamãe!— Disse a menina sorrindo.
Verônica a abraçou emocionada e abriu novamente o livro de contos.
Alguns minutos depois, Beatriz finalmente adormeceu e Verônica foi para seu quarto. Henrique estava deitado na cama e ao ver sua esposa entrar tirou os óculos e os colocou sobre a mesinha de cabeceira, junto com o livro que estivera lendo.
— Ela já dormiu?
—Sim! Ela é maravilhosa, não acha?
— Vai dormir, Verônica! Temos um comercial para gravar amanhã e depois temos que preparar nossa viagem de férias. — Ele disse ignorando o comentário da esposa.
— Eu sei... — Verônica o olhou hesitante, então decidiu perguntar: — Henrique, por que você quer ir para aquele fim de mundo? A gente já tinha combinado de ir para Orlando...
—Já te expliquei antes, querida! Vamos para o campo para termos um pouco de paz em família. Beatriz precisa de paz e tranquilidade e não desse tumulto de repórteres e imprensa o tempo todo no nosso pé. É para o bem dela e para o seu próprio bem que iremos para o campo.
— Tem certeza que teremos toda essa "paz em família" nesse lugar?
— Se você colaborar, teremos sim! — Ele respondeu com a voz seca. — Não haverá motivos para problemas, Verônica, estamos entendidos?
Verônica fez que sim com a cabeça e ofereceu ao marido um sorriso forçado. Uma brisa entrou no quarto pela janela aberta e ela teve um calafrio. As semanas em depressão, as brigas, a solidão, a dor, o tratamento... Ela queria acreditar que tudo seria diferente...
"Sim! Agora tudo seria diferente! Tinham uma filha e seriam finalmente uma família feliz!"