Dalva olhava orgulhosa para a placa nova que tinha colocado na entrada de seu Sítio: Hotel Estrela Dalva. Abanou a cabeça satisfeita e voltou para a grande casa branca no centro do terreno, a qual se referiam como sede.
Dalva era viúva, 65 anos, baixa, um pouco acima do peso, cabelos grisalhos e olhos gentis, que parecia estar sempre preocupada com tudo. O dinheiro de sua família se desintegrou com o tempo devido a crises e também a investimentos infelizes. Tendo sobrado apenas o sítio para administrar, Dalva decidiu transformá-lo em um pequeno hotel de campo, investindo todo o dinheiro que restava no empreendimento.
Apesar do sítio ser grande e espaçoso, Dalva optou por oferecer poucas vagas ao público, para que pudesse dar atenção especial aos hóspedes e manter o ambiente o mais familiar possível. Ela não queria e nem precisava da pressão de grandes hotéis com quartos reduzidos em tamanho e conforto, e uma multidão de estranhos. Não... O que ela queria mesmo era o efeito de uma pousada, com alguns hóspedes para manter o sítio vivo e ativo com uma renda razoável para se sustentar.
Do quadro de empregados conseguiu manter apenas um caseiro, José, para cuidar da horta, jardim e dos animais. Tinha também uma senhora,Rose, para ajudar na faxina e arrumação da casa. Dalva se encarregava da cozinha e administração do "hotel".
Pela manhã, Dalva recebeu um telefonema incomum que a surpreendeu e ao mesmo tempo preocupou. Era o pedido de reserva de dois quartos para o próximo fim de semana em nome de uma atriz formosa, Verônica Fourton, mas com a condição de que ninguém soubesse sua identidade e assim ela ficasse anônima. O marido da atriz disse que esposa teve recentemente uma crise nervosa e precisava de repouso em um lugar de paz e tranquilidade. Ele acreditava que encontraria tais condições no campo, em especial no hotel estrela Dalva.
Marcaram de chegar no domingo seguinte pela manhã e ele disse que a esposa gostaria de ser chamada pelo nome de Ana, para que ninguém a reconhecesse.
Era a primeira vez que Dalva receberia hóspedes tão ilustres e tal fato a deixava preocupada. "Estariam as instalações de acordo com o gosto deles?" Torcia para que a atriz não fosse dada a grandes frescuras, seria difícil atender uma hóspede cheia de caprichos, como algumas atrizes costumam ser... "Talvez devesse comprar toalhas e lençóis novos, e era urgente uma ida até o mercado da cidade para completar a despensa..."
Naquela mesma noite, Dalva decidiu se distrair na companhia dos jovens hóspedes do hotel, três deles eram hóspedes permanentes e dois deles haviam chegado há apenas três dias.
Ela olhou para um dos hóspedes permanentes, Rafael, por quem sentia muito carinho e via como o filho que nunca teve.
Rafael estava tocando violão perto da fogueira. Nas noites mais frias, os jovens costumavam acender uma fogueira e confraternizar em torno dela. Ele tinha 25 anos, era alto, cerca de 1,80 , cabelos curtos e olhos castanhos. Foi o primeiro hóspede de Dalva, se hospedando logo depois que ela inaugurou o pequeno hotel, pouco mais de um ano antes. Ele havia chegado naquela cidade decidido a se afastar de tudo e de todos, e, ao procurar um lugar para ficar, encontrou no sítio de Dalva, se encantando no mesmo instante.
O local se tornou o seu "retiro espiritual" e lar desde então.
Alguns meses depois de Rafael, chegou Letícia, afilhada de Dalva e filha de uma mulher da região que trabalhava como faxineira do sítio na época das vacas gordas. Letícia era uma espécie de secretária de Dalva, ajudando como podia com os serviços burocráticos e administrativos do sítio. Era uma moça muito séria e comportada, além de muito bonita em seus vinte anos, óculos, cabelos e olhos negros e pele branca de aparência vivaz.
Letícia estava sentada ao lado de Rafael e cantava alegremente enquanto ele tocava.
— Toca mais uma, Rafa!— Pediu Letícia quando Rafael parou de tocar e encostou o violão no tronco onde estava sentado.
— Estou cansado, "tô" precisando daquele cafezinho que só Dona Dalva sabe fazer. — Disse Rafael enquanto se levantava, tentando insinuar seu desejo pela bebida para a proprietária do sítio.
Ela sorriu para ele, dizendo:
— Não seja por isso, toque ai uma moda de viola das antigas que passo um cafezinho pra vocês!
Letícia se ofereceu para ajudar Dona Dalva na cozinha e a acompanhou. Rafael se espreguiçou para esticar um pouco o corpo que estivera sentado já há algum tempo na mesma posição.
— Vitória, você precisa aprender a fazer café como Dona Dalva, isso a tornaria uma mulher perfeita para casar! — Disse Rafael provocando Vitória, uma outra hóspede que estava distraidamente segurando uma rosa que tinha pego no jardim do hotel.
— Pretendo me casar com um homem que não goste de café, ou que seja capaz de, pelo menos, fazer ele mesmo o próprio café. — Ripostou provocadora.
— Pois eu pretendo me casar com uma mulher prendada, que cuide muito bem do meu estômago.
— Alguém já te disse que você é machista?
— Não sou machista! Acho que, assim como os homens, as mulheres têm o direito de escolherem como viver suas vidas, mas também acho que eu tenho o direito de escolher uma mulher que combine com o meu modo de vida.
— Que seria ficar na gandaia e sua esposa trabalhando como escrava em casa pra você?
—Eu não falei nada disso. Admiro mulheres que sabem cozinhar bem pelo simples fato de eu gostar de comer bem e não saber nem ao menos fritar um ovo. O resto saiu de sua cabeça!
Vitória chegou ao sítio um mês depois de Letícia. Uma jovem de vinte e oito anos, solteira, cabelos negros cacheados na altura dos ombros, personalidade forte e rosto bonito que lembrava uma boneca antiga de porcelana, e sempre que podia, viajava para fora do país.
— Rafael, você já reparou que Letícia está caidinha por você?— Disse Vitória maliciosamente.
— Vitória, querida, não se preocupe, Letícia está vacinada contra os homens. Não se interessa por nenhum, sua paixão são os cavalos. — Ripostou Rafael divertido.
— Soube que teremos novos hóspedes esse fim de semana. — Disse Rita batendo palmas ao sentar perto do casal, sentindo-se animada com a novidade. — Ouvi Dalva falando com Letícia, as duas estavam combinando de ir à cidade comprar algumas coisas amanhã, por causa da chegada desses hóspedes.
Rita era uma mulher de meia idade, estava hospedada no sítio de férias com o marido e haviam se registrado no hotel há três dias. Era baixinha e um tanto magricela, de aspecto frágil e delicado, seu marido era um homem calvo, barrigudo e com ares de importante chamado Ivan. Eram comerciantes e, como gostavam de mencionar, sempre passavam as férias no campo.
— Que boa notícia! Dona Dalva estava ficando preocupada com o número de hóspedes durante o inverno. — Disse Rafael consciencioso.
— Manter um negócio como esse é mesmo complicado... — Disse Rita
— Eu acho ótimo que chegue mais gente, tomara que sejam pessoas interessantes — Disse Vitória excitada.
— Pois eu acho que devem ser pessoas muito tranquilas e pacatas, vindo para desfrutar da paz e sossego do interior. — Disse Rafael.
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Sábado de manhã, o detetive Luís Oliveira conversava com seu parceiro, o detetive André Gonçalves, a quem tinha se oferecido para dar uma carona até a rodoviária.
— Vai mesmo se enfiar no meio do mato? Quer mesmo o cheiro de bosta de vaca e barulho de grilo em vez do doce perfume da fumaça dos ônibus e barulho de tiro? Aposto que não vai aguentar nem uma semana! — Disse Luís rindo.
— Gosto do campo, chefe, e estou precisando de férias.
— Todos nós estamos. — Concordou Luís. — Está levando sua caixinha de fósforos ou vai ficar incomunicável?
Luís sempre se referia ao celular de André como "caixinha de fósforos" por ser um modelo pequeno muito antigo.
— Estou levando sim, mas de qualquer modo, tem telefone na pensão, chefe. Você fala como se eu estivesse indo para uma caverna.
Os dois riram descontraídos.
— Designaram o detetive Anderson Martins para trabalhar comigo até você voltar. — Disse Luís mudando de assunto.
— Ele é gente boa, já trabalhamos com ele antes. — Comentou André, e perguntou: — E o Ferreira, como está o caso do sumiço das drogas, chefe?
— Chamaram ele de volta ao caso, parece que tem cocaína rolando por aí de fonte desconhecida, aquele não foi o primeiro carregamento que desapareceu, não. Em outras cidades tem acontecido algo semelhante e os próprios traficantes dos morros estão querendo meter a mão nos responsáveis. Não encontram nada, e ninguém das ruas diz coisa alguma. Não sabemos como é distribuída ou transportada.
— Nunca gostei de trabalhar com narcóticos, sempre caçam os revendedores nas favelas, mas nunca vejo fecharem fábricas ou prenderem os peixes grandes. Queria um dia ter a oportunidade de pegar uns tubarões do tráfico ou milicianos.
— Pensamos do mesmo jeito, André. Um assassinato é um crime mais simples. O cara mata e a gente pega ele, sempre que possível. A escolha de m***r ou não é do assassino, só precisamos prendê-lo. Mas as drogas, se você pega um traficante no morro, ele logo é substituído por outro moleque e o chefão do comércio de drogas continua solto e ninguém se pergunta quem é ou onde está.
André concordou com a cabeça e em seguida olhou as horas. Uma voz foi ouvida avisando que o ônibus de viagem estava a disposição para o embarque. André e Luís se despediram.
— Vai lá, cara, vê se descansa e aproveita a viagem!
— Valeu chefe! Se cuida e manda um abraço para a Dona Encrenca!.
A perspectiva de uma longa viagem de cinco horas com apenas uma parada não era das melhores, mas ele estava tão cansado que dormiu a maior parte do caminho. André chegou à pequena cidade de Nossa Senhora de Lurdes sem nenhum contratempo.
Ele saiu do ônibus e se espreguiçou, esticando os membros que estavam dormentes pelas horas que passou na mesma posição. Estava com sede, o dia estava quente e ensolarado, mesmo com a aproximação do inverno. Olhou em volta satisfeito, respirou fundo o ar puro do campo.
Sempre gostou da vida no campo, mas nunca o suficiente para viver nele. Era um paraíso que servia apenas como um carregador de energia, mas depois de um tempo, ele acabava sentindo falta da agitação da cidade grande.
Sentou-se no banco da praça central da pequena cidade e olhou em volta com aprovação. Quase nada havia mudado naquele lugar, com exceção de uma monumental igreja evangélica que foi construída em frente a antiga igreja católica de Nossa senhora de Lurdes, que tinha dado nome à cidadezinha.
André ficou parado esperando Dalva que, como combinado ao telefone, iria buscá-lo de carro na rodoviária logo que ele chegasse à cidade. Cinco minutos depois do horário combinado, uma jovem de cabelos negros muito compridos e usando óculos se aproximou dele timidamente.
— Com licença, é o senhor André Gonçalves?
— Sim. — Disse André se levantando e estendendo a mão para cumprimentá-la.
— Meu nome é Letícia, trabalho para a senhora Dalva, do hotel Estrela Dalva. — A jovem o olhou de cima a baixo. — Ela está muito ocupada hoje por causa de uns hóspedes que chegarão amanhã e me mandou vir buscá-lo.
— Sinto muito te incomodar, Letícia. Eu poderia ter alugado um carro e não te dar tanto trabalho. Na verdade eu intencionava fazer isso, mas tia Dalva rejeitou a minha sugestão.
— Sei bem como ela é teimosa. — Letícia sorriu. — E não se preocupe, não é incômodo algum. Ela está muito feliz em recebê-lo. Venha, o carro está logo ali.
— Faz muito tempo que eu não venho aqui, mas parece que não mudou muita coisa.
— Você acha isso?— Perguntou Letícia em um tom de quem discordava. — Eu acho que mudou muito, sempre muda, mas as pessoas daqui querem dar a impressão de que nada mudou para si mesmos e para os outros.
— Vive aqui há muito tempo?
— Sim. Nasci nessa cidade e raramente saio daqui.
E assim eles seguiram conversando a caminho do hotel.