Capítulo 4

1465 Words
Ao chegar ao sítio, André entrou pela cozinha, como costumava fazer quando era criança para surpreender a proprietária. Ele encontrou Dalva tirando do forno um bolo de fubá. Ao ouvir a voz do recém-chegado, ela se virou em sua direção e se mostrou muito contente em vê-lo. Largando o bolo quente sobre a mesa de modo apressado, ela se voltou para ele e o abraçou. — Andrezinho, meu menino! Como é bom te ver! Nossa! Como está diferente, um homenzarrão, muito bonito! — Obrigado! Muito bom ver a senhora também!  — Está cada vez mais parecido com sua mãe, os mesmos olhos espertos. — Dalva deu dois beijos estalados nas bochechas dele. André enrubesceu diante de tão efusiva recepção. — Obrigado, tia Dalva. Quando criança costumava chamá-la de "tia", e ao estar perto dela, se sentia novamente a vontade para chamá-la assim. — Chegou na hora certa! — Disse ela indicando a ele uma cadeira. Letícia deixou os dois a sós na cozinha se retirando silenciosamente. — Olha o que fiz pensando em você! — Mostrou o bolo que havia tirado do forno. —Meu favorito! Lembro-me de comer esse bolo com geleia de banana. — Pois aqui está a geleia fresquinha, fiz ontem à tarde. — Dalva colocou um pote de vidro com geleia de banana sobre a mesa. — Lembro-me de você bem pequeno, magrelinho, correndo pra cima e pra baixo, Parece que foi ontem... — Fico feliz em vê-la tão animada e disposta, tia Dalva. Não mudou nada, parece que o tempo esqueceu de passar por aqui. — Obrigada, filho! Suas palavras são gentis, mas o tempo é um cobrador zeloso que não deixa ninguém para trás. Diga-me, o que você faz da vida, rapaz? Estou há muito tempo sem notícias tuas. — Sou investigador da polícia, mas vim aqui pra te ver e relaxar. Gostaria muito que a senhora fizesse o favor de não contar a ninguém minha profissão. — Eita, menino, por que todo esse segredo? — Nada demais, tia, só quero sossego. Além do mais, as pessoas agem diferente quando sabem que estão perto de um policial... Sempre que posso, procuro evitar o clima desnecessário. — Fique tranquilo, da minha boca não saberão de nada! Anda, coma mais um pedacinho de bolo, você está muito magrinho. É mesmo muito bom ter você aqui! Tem umas mocinhas bem bonitas, solteiras, que você vai gostar de conhecer... —Meu Deus, tia! — André riu alto com as palavras dela. — Eu vim pra ter sossego, não começa a por fantasias nessa cabecinha! Os dois conversaram sobre o passado e André devorou o bolo de fubá sem cerimônia. Sentia-se como um menino, como se sentia tempos atrás. Dalva sempre teve o dom de deixar as pessoas à vontade, sentindo-se bem recebidas. Rafael entrou na cozinha. — Olá! Estou sentido cheiro de café fresquinho desde o lado de fora. — Ele olhou para André e sorriu. — Opa! Vejo que temos um novo hóspede, Dona Dalva? Ela fez as apresentações de praxe, depois serviu café aos dois. Rafael adorava café e aceitou com prazer, já André, que sempre detestou a bebida, tentou dizer que não gostava, mas não conseguiu se desvencilhar. — Como assim não bebe café? Imagino que o café servido no Rio de Janeiro seja uma água suja, feito naquelas geringonças caras que tem que enfiar cápsulas e coisas do tipo! Tanta modernidade para uma bela porcaria! Prove o meu, você vai adorar! Toma aqui. — Ela entregou uma caneca para André. — Café de verdade! Bebe e me diz o que acha. André arregalou os olhos, não sabia o que dizer ou fazer. Como não queria magoar Dalva, a quem não via há anos, acabou aceitando a bebida, se esforçando para não fazer uma careta. Bebeu e ainda elogiou depois do gole forçado.  Dalva ficou satisfeita com o resultado: — Sabia que ia gostar, todos amam o meu café, não é verdade, Rafael? — Seu cafezinho é perfeito, Dona Dalva, e será que eu poderia comer um pedacinho desse bolo que com certeza está também perfeito?— Rafael perguntou já se servindo da especialidade da casa André aproveitou a deixa para se levantar e seguir para o quarto. Sua bolsa de viagem estava sobre a cama, ele a empurrou para o chão e deitou olhando para o teto. Gostou de sentir aquele colchão macio coberto com uma colcha de retalhos.  Estava cansado da viagem e poucos minutos depois de deitar, pegou no sono. André acordou e se levantou sobressaltado, por um segundo esqueceu-se de onde estava. Passou a mão no rosto e respirou fundo. Olhou o relógio, marcava oito horas da noite. Inacreditável como havia passado a tarde inteira dormindo. Realmente estava precisando daquelas férias. Olhou ao redor, observando pela primeira vez o quarto. Era um cômodo espaçoso, além da cama, tinha uma cômoda e um pequeno armário de duas portas com muitos cabides pendurados. Olhou para a bolsa de viagem no chão e decidiu arrumar suas roupas somente no dia seguinte. Ele precisava de um banho antes de descer para o jantar, como o quarto ficava no segundo andar e não tinha banheiro privativo, teria que usar o banheiro que ficava no fim do corredor. Pegou o que precisava em sua bolsa e foi tomar um banho. Sentiu-se bem melhor após a ducha fria. Saiu do banheiro com uma toalha enrolada na cintura, segurando suas roupas sujas que pretendia levar para a lavanderia após o jantar.  Letícia tinha acabado de subir as escadas e parou em frente a ele, antes que entrasse no quarto. — Olá, André, posso te chamar assim? Dona Dalva me pediu pra ver se o senhor não que descer e nos fazer companhia, fizemos uma fogueira e Rafael está tocando umas músicas. Um tipo de reunião para você conhecer os hóspedes. — Claro que quero! Vou só pendurar a toalha e já estarei com vocês. André entrou no quarto antes que Letícia pudesse falar mais alguma coisa. Se vestiu e deixou a roupa suja me uma cadeira ao lado da cama, cuidaria delas depois. Ao descer as escadas, ouviu o telefone fixo do sítio tocar. Pensando que todos estariam do lado de fora, ele foi até a sala onde o aparelho de telefone sem fio costuma ficar. Chegando à porta da sala, percebeu que alguém já tinha atendido e, portanto, não a abriu.  Sem querer ele escutou um fragmento de conversa: "Não seja bobo, ninguém aqui faz a mínima ideia e ninguém pensaria uma coisa dessas de você". André seguiu seu caminho. Sempre se orgulhou de ser um cavalheiro e não seria ali, naquela pacata cidadezinha do interior e de férias, que ele deixaria de ser. Rafael estava sentado no seu lugar de sempre, sobre um tronco de árvore deitado que lhe servia de banco. Quando avistou André se aproximando, parou de tocar e o apresentou para os presentes. O casal em férias o cumprimentou com um movimento de cabeça, Vitória se levantou e o cumprimentou com dois beijos no rosto. Letícia veio com Dalva de dentro da sede trazendo café e biscoitos. — André, vai beber café ou vai me acompanhar nessa tequila que eu trouxe do México na última vez que estive lá?— Vitória perguntou balançando a garrafa de tequila que segurava.  André aceitou a tequila agradecido, não estava disposto a beber café duas vezes no mesmo dia. Enquanto Vitória lhe servia a tequila, Letícia se aproximou dizendo: — Não pode servir a ele tequila com esses biscoitos, vou lá pra cozinha buscar um queijo mineiro temperado. — Letícia olhou para Dalva, e esta balançou a cabeça consentindo. — André, meu camarada, isso não é justo! Você m*l chegou e já ganhou a atenção das duas garotas do sítio, deixe uma pra mim, meu velho. — Disse Rafael brincalhão. — Não fale assim, Rafael, tenho certeza que elas só estão sendo gentis. — Pois até ontem era para mim que ofereciam tequilas e cafés... — Eu nunca te ofereci café, Rafael, não sou "prendada" e obviamente não estou qualificada. — Disse Vitória. — Poderia ter me oferecido a tequila no lugar do café, não precisa ser prendada para isso! — Creio que Vitória só está tentando ser gentil comigo por ser um estranho no ninho. — Comentou André em tom apaziguador. — Viu só, Rafa, vê se aprende com André a ser cavalheiro, você andava muito convencido com a atenção que as meninas te dão! — Dalva disse apontando o indicador de maneira maternalmente reprovadora. — Agora deixa de conversa mole e toca uma música bem bonita. Passaram uma noite muito agradável e divertida. Todos, pensava André, eram pessoas decentes e pacatas em busca de sossego. Exatamente o que ele procurava.  Estava satisfeito e naquela noite dormiu o sono dos justos.
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