O aroma familiar de molho de tomate caseiro preenchia o ar enquanto Nicole e Daniel se aproximavam da casa de seus pais. A fachada imponente, com suas janelas grandes e jardim bem cuidado, sempre lhe dava uma sensação mista de nostalgia e apreensão. Era sábado, e o almoço em família era uma tradição que Nicole raramente conseguia evitar, mesmo que, às vezes, preferisse ficar longe das críticas veladas e comparações inevitáveis.
"Você está bem?" Daniel perguntou, notando o silêncio dela enquanto subiam os degraus da entrada.
"Sim, só... um pouco cansada da semana corrida," respondeu Nicole, forçando um sorriso. Ela segurava uma torta de maçã que preparara naquela manhã, esperando que um gesto gentil amenizasse qualquer tensão que pudesse surgir.
A porta se abriu antes que pudessem bater. Valentina apareceu, radiante em um vestido leve que destacava sua figura esguia. Seus cabelos loiros caíam em ondas perfeitas sobre os ombros, e o sorriso brilhante iluminava seu rosto.
"Finalmente chegaram! Mamãe está quase surtando na cozinha," disse Valentina, lançando um olhar rápido para Daniel. "Oi, Daniel. Você está cada dia mais elegante."
"Obrigado, Valentina. Você também está ótima," respondeu ele, com um sorriso cordial.
Nicole notou a troca, mas decidiu não dar importância. Valentina sempre foi extrovertida e gostava de elogiar as pessoas. Entraram na casa, e o ambiente aconchegante contrastava com a frieza que Nicole sentia crescer dentro de si.
Na sala de estar, seus pais os aguardavam. Seu pai, Roberto, estava sentado lendo o jornal, enquanto sua mãe, Helena, arrumava a mesa com talheres de prata.
"Nicole, querida!" disse Helena, dando-lhe um abraço rápido antes de se voltar para Daniel. "Daniel, que bom que veio. Sempre um prazer tê-lo aqui."
"Obrigado pelo convite, dona Helena. A casa está linda, como sempre," elogiou ele.
"Ah, você é um charme," ela sorriu, tocando levemente o braço dele.
"Posso ajudar com algo, mãe?" ofereceu Nicole, levantando a torta de maçã.
"Ah, não precisa se preocupar. Valentina já me ajudou com tudo. Mas obrigada pela torta," disse Helena, pegando a sobremesa e levando-a para a cozinha sem olhar nos olhos da filha.
Nicole sentiu o familiar aperto no peito, mas respirou fundo. Estava determinada a não deixar que pequenas coisas a abalassem. Daniel colocou a mão suavemente nas costas dela, guiando-a até a sala.
"Vamos sentar um pouco antes do almoço," sugeriu ele.
Sentaram-se no sofá, e Valentina rapidamente se juntou a eles, ocupando o lugar ao lado de Daniel. "Então, Daniel, como vão as coisas na empresa? Papai me disse que vocês fecharam um grande negócio recentemente."
"Sim, foi um projeto em que trabalhamos duro," respondeu ele, lançando um olhar rápido para Nicole. "Nicole foi essencial na organização dos detalhes."
"Que bom que você está sendo útil, irmã," comentou Valentina, com um sorriso que não alcançou os olhos.
"Nicole sempre foi dedicada," disse Daniel, mas havia uma falta de convicção em sua voz que não passou despercebida por ela.
Roberto abaixou o jornal e olhou por cima dos óculos. "Valentina está pensando em entrar para a empresa também. Talvez no setor de relações públicas. Com seu carisma, seria um ativo valioso."
"Seria ótimo," concordou Daniel. "Sempre há espaço para pessoas talentosas."
Nicole sentiu uma pontada de desconforto. "Valentina nunca mencionou interesse em negócios antes."
"Acho que é hora de explorar novas áreas," disse Valentina, lançando um olhar significativo para Daniel. "E seria ótimo trabalhar com pessoas tão competentes."
Antes que Nicole pudesse responder, Helena chamou todos para a mesa. O almoço estava servido, e a variedade de pratos era impressionante. Sentaram-se, com Nicole entre Daniel e sua mãe, enquanto Valentina ficou de frente para eles.
"Você não vai se servir da salada, Nicole?" perguntou Helena, observando o prato da filha.
"Sim, claro," respondeu ela, pegando a travessa. "Parece deliciosa."
"Você deveria evitar os carboidratos também," sugeriu a mãe. "Sabe como é difícil perder peso depois."
Nicole sentiu o rosto esquentar. "Estou apenas me servindo normalmente, mãe."
"Valentina começou uma dieta nova," continuou Helena, ignorando a resposta. "Já notou como ela está ainda mais esbelta?"
"Você está sempre radiante, Valentina," comentou Daniel, sorrindo para ela.
"Obrigada, Daniel. Tento me cuidar," respondeu ela, piscando.
Nicole apertou o garfo com um pouco mais de força do que o necessário. "Eu também tenho me exercitado quando posso."
"Sim, querida, mas talvez devesse se dedicar um pouco mais," disse seu pai. "A saúde é importante, especialmente nessa idade."
"Eu tenho apenas 28 anos, pai," retrucou Nicole, tentando manter a calma.
"Claro, mas a prevenção é essencial," insistiu ele.
Daniel colocou a mão sobre a dela. "Talvez possamos começar a ir à academia juntos. O que acha?"
Ela olhou para ele, surpresa. "Você acha que eu preciso?"
"Não foi isso que eu quis dizer. Só acho que poderia ser algo divertido para fazermos juntos," disse ele, mas havia algo em seu tom que não a convenceu completamente.
Valentina riu suavemente. "Vocês formam um casal tão... harmonioso."
"Obrigada," respondeu Nicole, tentando ignorar a ironia que percebia na voz da irmã.
O resto do almoço seguiu com comentários sutis e indiretas que deixavam Nicole cada vez mais desconfortável. Seus pais e Valentina pareciam encontrar maneiras de ressaltar as diferenças entre as duas irmãs, sempre favorecendo a mais nova.
"Daniel, você precisa provar o suflê que Valentina fez," disse Helena. "Ela está se tornando uma excelente cozinheira."
"Ah, não foi nada demais," disse Valentina, modesta. "Mas se você quiser uma aula particular, Daniel, posso ensinar alguns truques."
"Eu adoraria," ele respondeu, sorrindo.
Nicole não acreditava no que ouvia. "Eu também sei cozinhar, vocês sabem disso."
"Claro, querida, mas você anda tão ocupada," disse a mãe. "Talvez aprender com sua irmã seja uma boa ideia."
Após a sobremesa, decidiram tomar café na varanda. O clima estava agradável, com uma brisa leve que balançava as cortinas. Nicole se afastou um pouco, precisando de um momento para respirar. Foi até o jardim, onde as rosas que sua avó plantara anos atrás ainda floresciam.
Daniel a seguiu. "Está tudo bem?"
"Não sei," admitiu ela. "Sinto que sempre estou sendo comparada com Valentina. Não importa o que eu faça, nunca é suficiente."
"Você sabe como as famílias podem ser," disse ele, dando de ombros. "Não deixe que pequenos comentários a afetem."
"Pequenos comentários?" ela olhou para ele, incrédula. "Eles estão constantemente me criticando, e você parece concordar com eles."
"Não seja dramática, Nicole. Eles só querem o seu bem."
"Meu bem? Sugerindo que eu preciso perder peso, que não me esforço o suficiente?"
"Talvez eles tenham um ponto," disse Daniel, hesitante. "Quero dizer, não seria r**m você se cuidar um pouco mais."
Ela sentiu como se tivesse levado um golpe. "Então você também acha que eu preciso mudar?"
"Não leve para o lado pessoal. Só estou dizendo que todos podemos melhorar de alguma forma."
Antes que pudesse responder, Valentina apareceu. "Desculpem interromper, mas mamãe está procurando vocês."
"Já vamos," disse Daniel rapidamente, aliviado pela interrupção.
Nicole respirou fundo, tentando conter as lágrimas que ameaçavam surgir. Voltaram para dentro, e ela decidiu que era hora de ir embora.
"Obrigada pelo almoço, mas precisamos ir," anunciou, pegando sua bolsa.
"Tão cedo?" questionou Helena. "Mas m*l passaram tempo conosco."
"Fica para a próxima, mãe. Temos alguns compromissos hoje," disse Nicole, dirigindo-se à porta.
Daniel se despediu dos pais dela e de Valentina, que lhe deu um abraço um pouco mais longo do que o necessário. Nicole observou a cena, sentindo uma pontada de ciúme, mas afastou o pensamento.
No caminho de volta para casa, o silêncio entre eles era palpável. Daniel dirigia concentrado, evitando iniciar qualquer conversa. Nicole olhava pela janela, perdida em seus pensamentos.
"Você está chateada," ele finalmente disse.
"Não é óbvio?" respondeu ela, sem olhar para ele.
"Não vejo por que ficar assim. Foi apenas um almoço em família."
"Você realmente não percebe o que está acontecendo?" ela se virou para encará-lo. "Minha família me menospreza o tempo todo, e você não só não me defende como parece concordar com eles."
"Eu não concordo com eles. Só acho que você está exagerando."
"Exagerando? Daniel, eles me criticam na minha frente, e você não diz nada."
Ele suspirou. "Talvez você esteja sendo sensível demais. Sua família se preocupa com você."
"Se preocuparia se me apoiassem. Em vez disso, me comparam constantemente com Valentina. E hoje, você ficou elogiando-a o tempo todo."
"Ela é sua irmã. Não vejo problema em ser gentil."
"Há uma diferença entre ser gentil e... enfim, esquece."
Chegaram ao apartamento, e Nicole saiu do carro antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa. Subiu rapidamente as escadas, desejando apenas se trancar no quarto. Daniel a seguiu.
"Nicole, espere," disse ele, segurando a porta antes que ela a fechasse.
"O que foi?" ela perguntou, exasperada.
"Não quero que fiquemos assim. Desculpe se fiz algo que a magoou."
Ela o observou por um momento. Havia sinceridade em seus olhos, mas também uma falta de compreensão que a frustrava. "Só queria que você me apoiasse. Que estivesse do meu lado."
"Eu estou do seu lado," ele assegurou, aproximando-se e segurando suas mãos. "Talvez eu não entenda completamente o que você sente, mas quero que saiba que estou aqui."
Ela suspirou, permitindo-se relaxar um pouco. "É difícil para mim. Sinto que estou sempre lutando contra a maré."
"Então, vamos tentar mudar isso juntos," sugeriu ele, puxando-a para um abraço. "Prometo prestar mais atenção."
Nicole encostou a cabeça em seu peito, ouvindo as batidas do coração dele. "Tudo bem. Desculpe por ter exagerado."
"Sem problemas. Que tal fazermos algo para relaxar? Podemos assistir a um filme."
Ela sorriu levemente. "Parece uma boa ideia."
A tensão entre eles diminuiu, e a noite seguiu de forma mais tranquila. Enquanto assistiam ao filme, Nicole tentou afastar as dúvidas que persistiam em sua mente. Talvez estivesse realmente sendo sensível demais. Daniel estava ao seu lado, e isso era o que importava.
Apesar da reconciliação aparente, as sementes da insegurança e da desconfiança começam a crescer em Nicole. Será que ela está ignorando sinais importantes sobre Daniel e Valentina?