/Importuno
"Engolimos de um sorvo a mentira que nos adula e bebemos gota a gota
a verdade que nos amarga." (Denis Diderot)
Claire Smith
Estou aqui na minha casa como sempre sozinha. Sentada no pequeno sofá da minha sala, repasso na minha mente todos os acontecimentos do passado e do presente, de como era a minha vida antes da morte prematura da minha mãe e de como tudo chegou onde está. A minha vida permanece sem cor, sem brilho. Como seria assumir o controle das minhas decisões e mudar tudo? No fundo, tenho medo de andar com as minhas próprias pernas e acabar fazendo as escolhas erradas. Mas, tenho que colocar na minha cabeça, que sou sozinha no mundo, e que se quero continuar vivendo, devo pôr um ponto final em tudo isso, e definir as minhas prioridades. Estou cansada de viver uma vida que não é minha, e assumir responsabilidades que não me competem. Perdida nos meus pensamentos, escuto o toque da campainha. Olho o relógio ao lado do sofá, são 22:35 p.m e elevo as sobrancelhas em confusão.
Ding Dong
— Quem será?
Sem demora, me levanto e vou até a porta, abrindo com cautela. Meu bairro não é perigoso, mas as coisas que o meu pai vem fazendo, me colocam em risco, tenho que ser cautelosa. Reúno as minhas energias, visto o meu casaco. Abro a porta após ver no olho mágico, era Kyra. Sorrio internamente ao ver o rosto conhecido da minha amiga, mas sinto um arrepio na espinha, ao imaginar o motivo da sua presença na minha casa, tão tarde da noite.
– Kyra?
– Claire! – exclama me abraçando forte – Senti tanto a sua falta amiga, eu vim me despedir.
– Kyra, como assim ? O que aconteceu ? Vai embora para onde ? – perguntei aflita.
Olhando bem, Kyra está diferente do normal, o seu olhar estava opaco e sem brilho e ela segurava uma mala ao seu lado.
– Não posso mais ficar naquela casa. – Kyra diz com a voz embargada pelo choro. Me aproximo, e a abraço com toda força do meu corpo. – Eu vim deixar um dinheiro e me despedir amiga.
– Não Kyra, tá doida ? Vai para onde ? — digo com convicção.
Não posso deixar a minha amiga partir assim, sem rumo e sozinha. Vejo Hayley distante se aproximar, ela está visivelmente abatida, o meu coração se aperta.
— Entrem, vamos conversar melhor la dentro. — digo acolhendo as duas.
Sei que deve ter acontecido algo de muito sério, para as duas estarem aqui, com as malas prontas e dispostas a partir.
— Sentem um pouco, vou passar um café e conversamos com calma.
Me afasto e deixo as duas sentadas no sofá da sala. Sinto o meu coração apertar só de imaginar o que de fato havia acontecido. Sabia de todas as dificuldades que as duas enfrentavam nas suas casas, e isso me deixava cada vez mais amedrontada. Será que essa era a resposta às minhas perguntas de agora a pouco?
Na sala, as meninas me contam das coisas horríveis que passaram. Que o tio Richard era agressivo, principalmente quando bebia, não tinha dúvidas, mas… isso é absurdo. Ouvir Hayley desabafar sobre o horror que ela passou, me fez sentir náuseas e me revoltar. Eu sabia das suas lutas diárias, mas jamais imaginaria que ela estava passando por isso, me sinto m*l por nunca ter percebido. Céus… como alguém pode fazer algo assim ? Estou perplexa, enojada, inconformada. Hayley se recompõe e me encara, com aqueles olhos verdes e diz:
– Vou aceitar a oferta da Lilly. Não há nada que me prenda aqui – disse a Hayley obstinada.
– Eu irei com você Hayley. – disse Kyra. – Roubei todas as economias de Ryoichi e umas jóias que foram da minha avó. Dá para nos mantermos no Japão, até conseguirmos um bom emprego. – observo as duas concordando de maneira silenciosa, me ergo.
– Também irei com vocês, as únicas pessoas no mundo que eu tenho são vocês. Tenho umas economias e podemos vender o carro do papai. Esqueceram que somos as três mosqueteiras? – exclamo, os meus olhos estão marejados. Kyra e Hayley sorriram. Hayley suspirou antes de continuar.
– Vamos matar quem fomos, e a partir de agora seremos Hayley Smith e Kyra Smith. O nosso passado vai ficar onde deve, para trás e ser esquecido por completo, com todos os que nos fizeram sofrer. — disse Hayley enxugando as lágrimas.
– Nunca vamos nos separar. – Disse Kyra. – Nenhum homem fará isso. Esse será o nosso lema mais precioso.
– Não falaremos mais sobre as nossas dores. Daremos tempo para que essas feridas cicatrizem. Esqueceremos o que nos aconteceu, e juntas cuidamos uma das outras. – completou Hayley.
– Vou telefonar para a Lilly agora mesmo. — digo com convicção. Olho o relógio, vi que eram 03:40 da madrugada, em Tóquio era tarde, então ela estava acordada. No segundo toque, escuto a voz surpresa da minha amiga:
– Alô ?
– Lilly? Aqui é a Claire, Claire Smith. – A ruiva do outro lado da linha sorriu largo e respondeu em seguida:
– Olá loira, como vão as coisas?
– Lilly… a proposta ainda está de pé?
A ruiva sorriu largo olhando para o seu esposo. Tinha acabado de fazer amor, e ela estava eufórica com a possibilidade do seu sonho se tornar realidade.
– Mas é claro! Pensaram direitinho, e resolveram aceitar?
– Sim. Mas… não temos muito e…
– Não se preocupem. — disse a ruiva se levantando da cama e começando a caminhar nua dentro do quarto. — Eu arcarei com tudo. As suas passagens, o local onde ficarão , as aulas… Me mande uma foto dos seus passaportes e…
– Temos que mudar os nossos nomes. Pelo menos a Kyra e a Hayley. — disse Claire tensa.
Lilly sorriu largo e respondeu:
– Um minuto… — a ruiva tapou o telefone e se aproximou do esposo perguntando:
— Amor, você ainda tem o contato com o seu primo que faz identidades falsas? – Dylan olhou para a esposa meio assustado e disse:
– Ly…
– Amor, confia em mim. – A ruiva falou com um sorriso no rosto.
Dylan suspirou fundo e concordou. Ele sabia que a sua esposa sabia o que estava fazendo. Lilly era uma mulher para frente e visionária, e não tolerava coisas ilegais. Se ela estava pedindo por isso, era porque realmente ela precisava.
– Sim. – A ruiva sorriu largo, retirou a mão que cobria o fone do celular e continuou:
– Quais seriam os seus sobrenomes? — perguntou animada.
– Smith. — disse Claire com um sorriso nos lábios.
– Ótimo, deem-me dois dias. Vou providenciar tudo para virem para cá, até lá, manteremos contato. Até mais!
Lilly desligou o telefone eufórica. Subiu no colo do seu marido e passou a beijá-lo com fervor.
– Nossa, te ver assim é maravilhoso meu amor. – disse o moreno sorrindo.
– Amor, o meu sonho finalmente vai sair do papel. O meu negócio vai ser inovador aqui em Tóquio. Vou ter o meu dinheiro fruto do nosso trabalho, sem depender da herança dos meus pais. – Dylan elevou a sobrancelha e perguntou confuso:
– Nosso?
– Mas é claro meu amor. Você será o meu sócio e me ajudará a implantar a minha ideia. – Dylan sorriu e abraçou a sua mulher, sussurrando no seu ouvido:
– Então… o que acha de continuarmos o que estávamos fazendo para comemorar essa vitória? – Lilly sorriu e disse:
– Uma ideia maravilhosa…
Na américa….
Ao desligar o celular, Hayley e Kyra olharam para Claire em expectativa. A loira mais nova logo respondeu:
– Tudo certo, iremos para o Japão. As três suspiraram de alegria.
– Tomara que tudo dê certo? – disse Kyra preocupada.
– Vai sim minha amiga, vai sim… – respondeu Hayley.
E as três se abraçaram e naquela noite fizeram um pacto que jamais deveria ser quebrado.
Estariam juntas para sempre, custe o que custar.