Prólogo
O despertador soou tão alto que sua queda da cama foi inevitável. Os cabelos negros de sua franja desgrenhada cobriam seus olhos que m*l abriam devido ao curto período de sono e ao cansaço acumulado da semana inteira. O relógio marcava o quinto e último alarme tocado. Estava atrasada. Prendeu os cabelos longos em um coque frouxo com fios que caiam por toda parte, puxou o primeiro cabide e pôs um vestido branco até os joelhos, tomara que caia, em formato lápis, alimentando o corpo saliente que m*l conseguia cuidar. As reuniões exaustivas, idas ao tribunal, coisas que faziam com que sua cabeça não se prendesse ao âmbito pessoal, que por hora também precisava de atenção. Correu pelas escadas do apartamento e pegou o elevador querendo se jogar da janela para chegar ao térreo mais rápido. Fez sinal para o primeiro táxi que apareceu.
— Times Square, por favor! — Joanne sorriu ao entrar.
Sentiu o celular quase berrar, implorando para que fosse atendido. Estava no vibratório, pois se deixasse em toque alto, ficaria o dia inteiro ouvindo sua música favorita na qual havia escolhido como toque de chamadas. Levou o aparelho ao ouvido: era sua melhor amiga, secretaria e quebra-galho. Quando não conseguia se dividir em duas para resolver coisas inadiáveis, sua salvação chamada Cassie, descia dos céus como um anjo para tirá-la do inferno, que por hora havia se tornado sua segunda casa.
— Cadê você? Aaron está te esperando há meia hora! — Era notável que a secretária sussurrava pra que ninguém notasse que estava ao telefone. Mais um dia de atraso se repetia, mas naquele em especial, ela havia se atrasado mais do que todos os outros. Suspirou fundo.
— Diga que estou chegando em 10 minutos — pediu — fui dormir às quatro da manhã, Cassie. Estou tão cansada que o despertador tocou e eu não ouvi.
— Se apresse, a esposa do senhor Parker está aqui soltando fogo pelos olhos contra ele. Se demorar muito, o prédio inteiro estará em chamas quando chegar. — Cassie riu, a amiga poderia perder a paciência, mas nunca a piada.
Elisah era a ex-esposa de Aaron Parker, um milionário das empresas de exportação de petróleo dos Estados Unidos, que apesar de ser um homem muito reservado, cometeu a gafe de deixar que sua ex-esposa descobrisse um filho extraconjugal, alimentando toda a raiva que a mulher já aparentava ter pelos casos anteriores de infidelidade do homem, já que ela era estéril. Apesar das negociações, a antiga senhora Parker se mantinha firme em querer arrancar até o último centavo de seu ex-marido, para que ele jamais a esquecesse. E de fato, para o milionário aquilo estava se tornando inesquecível.
O engarrafamento era constante e estarrecedor, carregado de estresse e cheiro de fumaça. Em meio à aflição o telefone novamente tocou, e o que ela achava ser sua querida secretária ligando outra vez por ter excedido novamente os dez minutos, era na realidade sua irmã, “adorável” irmã.
— Como pôde sumir assim? Estou há dois dias tentando contato com você! — Imediatamente reconheceu a voz melódica e autoritária de sua irmã mais nova como de costume. Ela nunca mudaria, era sua marca registrada. Joanne riu.
— Desculpe, essa semana foi corrida — arfou a morena. — Hoje termino algumas coisas para folgar mais em meus horários.
O motorista estacionou em uma esquina movimentada e a advogada, ainda prestando atenção no trânsito, percebeu que se não se adiantasse a pé estaria em apuros outra vez. Pagou o taxista e se pôs a sair desajeitada pela rua com suas pastas, o telefone no ouvido sendo apoiado apenas por seu ombro magro, e mesmo que estivesse em ligação conseguia ouvir nitidamente as cantadas balbuciadas por homens que a apreciavam com o olhar. A boa e velha Times Square nunca mudava, os anos se passavam e ela ficava ainda mais convidativa. Os carros tão apressados quanto ela, atrasos em todos os prédios e o calor quase insuportável pareciam ser características somente dali.
— Joanne, eu não acredito que você se esqueceu do meu casamento. — Agora sim estava em apuros.
Seus olhos se fecharam e por um momento ela saiu de seu pensamento de trabalho para se lembrar do compromisso com a família, ela havia garantido que não faltaria. Havia prometido ao pai, não havia a menor possibilidade de não ir. Respirou fundo, tentando pensar em algo que não a delatasse e não deixasse transparecer o quanto sua cabeça estivera submersa em trabalho durante as últimas semanas.
— Óbvio que não, claro que me lembro, irmãzinha. — Entrou pelo prédio desajeitada, entrando no elevador largo e espaçoso sozinha. Passou os dedos pelos botões indicando o último andar.
— Está mentindo. — Sua irmã a conhecia, talvez mais do que deveria.
— Não estou, Juliett, eu juro! — Precisava pensar em algo a mais para que ela engolisse, ao menos desta vez. — Até mesmo comprei seu presente, o jogo de porcelanato indiano que printou e me mandou uma dúzia de vezes.
— Oh, nem acredito que tenha de fato lembrado! — A ouviu suspirar pelo telefone. — Entraremos todos em casais, você pode entrar com Brendon. — Conhecia sua irmã o suficiente para sentir o tom desdenhoso dela, o ácido de sua voz quando ela queria atingi-la. Sua querida July, apesar de sua irmã, era a discórdia em pessoa, um antônimo de si mesma. — Nossa família está crescendo, Anne, todos se casando. — A certeza veio ao ouvir seu apelido quase escarrado dado especialmente para o momento, pois a irmã mais nova só o usava para atacá-la. E Joanne, embora tão madura e inteligente, sempre caía. Juliett podia ser baixa, mas sabia sempre como alfinetar seu ponto fraco e atingi-la feito ninguém. — Uma pena você só ter cabeça pra trabalho, papai ficou tão feliz com meu casamento!
— Não tenho cabeça só para o trabalho — respondeu rápido não satisfeita com as investidas de Juliett. — Aliás, você sabe que nunca gostei de expor meus relacionamentos, o que significa que eu até posso ter um.
— m*l consegue atender uma simples ligação, Joanne. — Ouviu-se um leve suspirar do outro lado da ligação — De onde vai tirar tempo pra conhecer alguém?
Sua irmã e suas investidas venenosas. Nunca perdia as chances de usar o que Joanne achava ser sua maior força contra ela mesma. Cada minuto de palavras trocadas era um nível maior de dor de cabeça.
— Juliett, nosso pai não vai me amar menos somente por eu não ter casado.
— Não falo de amor, falo de felicidade — ela riu. — Uma felicidade de que no momento, somente eu poderei dar.
— Você não sabe o que fala. — Havia raiva em sua voz e algo preso na garganta.
— Claro que sei! — Para a irmã mais nova, debochar de Joanne era uma diversão. — Você precisava ver o papai experimentando o terno, sabendo que seria ele a me levar até o altar, quase chorou de felicidade.
— Está sendo sarcástica?
— Que insulto! — Longos segundos se passaram, mas Joanne não conseguia sequer falar, era impossível manter uma conversa sã com a irmã. — Brendon queria entrar com a nova namorada, mas como você não tem um par, a prioridade é a família, não acha?
A mais velha das irmãs Jones havia entendido o sarcasmo da irmã. Seu pai era imensamente feliz por ter visto sua adorável menina crescer e se tornar uma excelente advogada. Ficou feliz com a conquista de sua irmã mais nova, mas algo que seu pai nunca escondera, era a gigantesca felicidade que teria em ver suas duas filhas subindo ao altar para construir suas famílias, nada superaria isso. E Juliett, por sua vez, usava aquilo como alfinete em sua irmã mais velha, algo que sempre dava certo. Mordeu o lábio pensando em todas as vezes que ela sempre abaixou a cabeça se dando por vencida para que a irmã fechasse a boca tagarelando desde que ficara noiva, se gabando ao falar do tal pretendente, de quanto ele era rico, bonito e que vinha de boa família. Por fim, sem perceber, se viu correndo de sua irmã mais nova que somente a procurava para lhe contar sobre sua invejável vida. Pegou o telefone do ombro sem se importar de que algumas pastas caíssem no chão do elevador, e em confirmação de resposta, em um ato impensado, cego e alimentado pelo ego, ela respondeu:
— Não precisa, já que faz tanta questão, levarei meu futuro noivo. — Joanne pôde sentir o sorriso que sua irmã dava através do telefone murchar como rosas no outono, nem mesmo sua respiração era ouvida. — Espero que esteja preparada para conhecê-lo, é um homem excepcional! — A porta do elevador abriu para o desespero da morena. — Preciso trabalhar agora, mais tarde nos falamos.
— Quando....
Joanne desligou. Sabia que havia feito uma besteira sem tamanho, mas seu ego, que não era nem um pouco pequeno, era quase incontrolável e imperdoável. A única coisa a ser feita era ligar para sua irmã e desmentir a brincadeira de m*l gosto. Correu pelo escritório e acenou para Cassie através da parede de vidro onde a mesma falava através de leitura labial que estava atrasada. Entrou na sala de reuniões atropelando os próprios pés, na ponta estava sentada Elisah, com o advogado ao lado.
Aaron estava de pé olhando através da alta janela do prédio, o sol maçante escalava o azul do céu ao lado de fora. A vista era quase uma pintura em 3D, digna de um quadro. Aaron tinha e pele branca e seus cabelos, assim como seus olhos eram negros como carvão.. Era bem alto, quase o suficiente para chegar no final da janela, tinha os ombros largos, e uma boca fina e miúda que produzia poucos sons.
— Bom dia, perdoem minha demora — se desculpou a advogada. — O trânsito de Nova York está um caos, vamos dar início.
Elisah passou seus dedos pelos papéis de acordo conjugal com um sorriso de escárnio sobre os lábios vermelhos, esticando os mesmos na direção de Joanne. Uma das mãos era usada de apoio para o queixo na mesa, como se fosse o d***o negociando almas com Jesus. A advogada se pôs a ler as condições impostas por ela nos papéis e então passou para Aaron, que já estava sentado ao seu lado, para que este estivesse de acordo com a situação. Mas o que se ouviu foi a alta risada do milionário.
— Está ficando louca? Perdeu a noção da realidade? Cento e vinte mil dólares de pensão e trinta e cinco por cento das minhas ações? Qual é o seu problema? — Explodiu de raiva.
Ela ria desafiando o próprio d***o, pois todos sabiam do poder que a família Parker tinha, mas como ainda havia um resquício de carinho por ela, Aaron se sentiu no dever de não desampará-la, tal opinião que vinha mudando há semanas após ele enxergar a ganância na mulher que antes fora seu amor.
— Aaron, se controle! — Repreendeu sua advogada. — Como podem ver meu cliente rejeita o acordo e mantém o limite de vinte mil dólares de pensão além de alguns imóveis e artigos de inventário sob o valor de soma de cento e setenta e seis milhões de dólares. Reconhecendo o ato de infidelidade do mesmo, o valor citado acima é mais do que suficiente para amparo psicológico e necessidades como pessoa para suprir seus requisitos básicos.
O advogado da esposa irritada sabia que seria impossível Elisah conseguir mais que aquilo, e naquele instante era possível ler o olhar do profissional suplicando para a ex-esposa aceitar a proposta quase irrecusável. Estava sedenta pela fonte de ser bancada para o resto de sua vida.
— Não. — Antes que a loira prosseguisse, o advogado a atropelou com as palavras, ainda mais desesperado que ela.
— Nos dê sete dias, Joanne, tenho certeza que minha cliente irá pensar melhor — pediu ele.
Elisah se levantou junto ao advogado.
— Vou aguardar por vocês — exclamou. — E você, Elisah, não é sadio que entrem em atrito dessa forma, porque se não entrarem em um acordo, a justiça o fará por vocês. Lembre-se: mais vale um pássaro na mão do que dois voando.
Ela saiu fitando a advogada Jones. Por mais que a resposta não tivesse sido dada, sabia que a mulher havia absorvido suas palavras, se ela não quisesse sair dali de mãos abanando, deveria aceitar a proposta. A morena fitou o amigo na janela, seu olhar se estendia pelo horizonte, nem piscava. Um divórcio não era fácil.
— Pensativo? — Indagou. — Vai dar tudo certo.
Ele sorriu.
— Não é isso. — Fitou o teto. — A vida nos surpreende de uma forma inusitada, sabe?
Joanne se aproximou sem jeito e pegou a papelada sobre a mesa.
— O que te faz pensar isso?
Aaron tinha o olhar vazio e distante, embora sua atenção estivesse voltada para aquela conversa.
— Há exatos dez anos eu me casava com Elisah. Ela era a mulher perfeita, inocente, carinhosa, eu a amava mais do que eu posso me lembrar — ele relatou, sonhador. — Antes de descobrir que ela era estéril, eu desejava que todo aquele amor fosse passado aos nossos filhos.
— Aonde quer chegar? — A advogada perguntou.
— Hoje a mulher que eu tanto amei se corrompeu por dinheiro, assim como eu, que me corrompi também. O poder me tornou ignorante, egocêntrico, ao ponto de achar que ter apenas Elisah não me alimentaria como homem, e então eu, em um descuido, ganhei sem querer um amor inexplicável: meu filho. E eu me pego pensando, apesar dos pecados que cometi, eu faria tudo de novo para tê-lo sempre comigo, inclusive me afastar da mulher da minha vida.
Joanne entendia, mas não cem por cento, afinal, ela era apenas uma telespectadora de uma das milhares de novelas que a vida pregava. Parker sorriu desanimado, sabia que seria duro e que haveria uma longa caminhada pela frente. Se aproximou da saída da sala e em um sorriso confiante ofereceu a ele palavras que julgava ser um consolo.
— Eu te admiro, Aaron, se eu puder fazer algo por você além do âmbito profissional, você sabe como me encontrar. — Enquanto saía, continuou. — As coisas irão se acertar.
— Você já faz mais que a sua obrigação, Jo.
— Mesmo que cliente, você é meu amigo, Aaron.
— Eu sei, você também é. Bem, acho que vou me retirar. — A morena saiu da sala, mas não antes sem ouvir as palavras de Aaron.
— Você verá como a vida é capaz de nos surpreender.
(...)
Sentou-se em frente a sua mesa, estava exausta, processos e mais processos. Joanne era conhecida pela fome assídua por empenhar suas ações, assim como a vitória e o exímio serviço prestado, pois este era garantido. Sua rotina maçante fazia com que seu trabalho fosse um sucesso. Cobrava caro, mas ela não tinha tempo para gastar aquele dinheiro. Seu escritório era tão famoso quanto seu nome, e ocupava os três últimos andares do “Flatiron Building”, o prédio mais exótico de Nova York. Seu telefone tocou.
— Alô?
— Querida filha, me desculpe por ligar para seu trabalho. — Era seu pai, seu amado pai. — Tentei ligar no seu celular, mas não consegui.
Ela riu.
— Pai, meu telefone está no silencioso, estava em uma reunião agora há pouco. Como estão todos?
Ele suspirou feliz, parecia cansado como se tivesse percorrido um grande caminho.
— Estamos preparando a casa para receber a família toda a partir dessa semana até o fim das férias.
— Não conheço melhor anfitrião que você. — E de fato, não existia.
— Ah, querida, não é pra tanto. Aqui também é a sua casa. — Sua voz soava doce, mesmo que masculina.
— Vou adorar rever todos, pai, estou com o coração apertado de saudades. — Joanne pegou a xícara de café bebendo um gole, precisava daquilo.
— Sinto sua falta, minha Branca de Neve. — Ouviu o som de torneiras sendo abertas. — Passo Largo também sente. — O som cessou ao outro lado da linha. — Ninguém o montou desde você, todos os dias ele te procura no riacho.
Passo Largo era o cavalo selvagem mais lindo que ela havia visto na vida, seu melhor amigo de infância. Tinha uma ligação inexplicável com o animal, mas devido a sua mudança para Nova York, ele ficara sob os cuidados de seu pai.
— Vou matar a saudade dele, de você e de toda a família.
— A família vai ficar muito contente com a sua vinda, minha filha, ainda mais sabendo que você trará seu noivo para conhecermos! — Pôde jurar que o café saiu pelo nariz de tão grande que o susto fora. Afogada em seu próprio café.
— Quê?! — Perguntou ao patriarca dos Jones.
Um pesadelo.
— Não precisa esconder do seu pai. — Ele gargalhou alto, insistindo na falsa história. — Para você ter aceitado, imagino que ele deva ser um grande homem, dono de muitas qualidades, Juliett me deu a notícia. — Ele parecia tão feliz. — Foi ótimo saber disso, assim conseguimos arranjar um par a tempo para o Brendon.
O d***o em forma de irmã? Juliett era na verdade, o próprio d***o. O jogo de saia justa em que se encontrava agora era a última coisa que faltava para perder sua sanidade. O que faria agora? Desmentiria a história contada por seu ego sem que pudesse pensar? Sabia que aquilo lhe custaria caro, precisava pensar em algo para não alimentar a história de um noivo que jamais existira.
— Juli- — Tentou, mas seu pai voltou a cortá-la.
— Meu bem, você não sabe a felicidade que me traz sabendo que encontrou o homem ideal para você, meu sonho está se realizando! Estou ansioso para conhecê-lo e dar um abraço cheio de saudades em você. — Ele gargalhou. — Dá pra acreditar? Minhas duas filhas se casando!
Seu coração se partiu, seu pai estava se alimentando de uma mentira chula. Céus, como não havia pensado em seu pai? Não havia como adivinhar que Juliett contaria tudo para a família toda. Desde quando ela havia se tornado tão fofoqueira?
— Pai, eu...
— Filha, saiba que eu te amo. Não vou atrapalhá-la novamente, nos falamos no domingo, estou ansioso para vê-la! — Terminou, mas antes de desligar ouviu Joanne dizer que o amava mais que tudo.
A merda estava feita, e a consequência seria a pior possível. Qual seria a cara de seu pai quando visse que nunca havia existido um noivo, quando percebesse que aquilo não passara de uma mentira descabida de seu ego? O enganara e nem sequer teve coragem de dizer que tudo não havia passado de um m*l entendido. Havia feito aquilo e agora ela precisava corrigir.
— Cassie! — Gritou para sua solução.
Não demorou muito para que sua amiga aparecesse em sua sala ofegante, sem entender o desespero, atendendo seu socorro.
— Pra que isso? Escandalosa. — Ela se sentou na poltrona.
— Eu passei dos limites dessa vez. — A morena andava de um lado para o outro de sua sala tentando encontrar naquela bendita hora uma solução para o problema que não parecia ter resposta.
Cassie riu enquanto se analisava diante a um espelho quadrado tão pequeno que cabia em sua mão.
— Qual é a merda dessa vez?
— Eu tô muito ferrada. — Ela repetia consigo mesma, em looping.
A loira foi até Joanne e segurou seus ombros, forçando-a a fitar sua amiga.
— Calma, ok? O que houve?
— Domingo à noite eu irei para o Texas para as férias e o casamento da July. O inferno da minha irmã me alfinetou sobre todos terem noivos, e eu num momento impensado disse que levaria o meu, só que ele não existe. — A morena não deu pausa para explicar, tomou outro gole de café como se fosse água.
A loira fitou novamente sua aparência no espelho enquanto afofava os cachos dourados, ainda não entendera cem por cento.
— E daí? É só dizer que você estava brincando.
Ah, se fosse tão simples!
— Eu não posso.
— Por qual motivo?
— O grande problema é que eu recebi uma ligação do meu pai dizendo que ele estava muito feliz com o meu noivado, ou seja, a i****a da Juliett simplesmente resolveu contar a notícia com uma trombeta para a família inteira. — Ela arfou. — O pior é a felicidade dele com a notícia, como eu vou chegar na fazenda e dizer que era mentira ou que terminamos?
— É só não ir!
A advogada gargalhou de forma que ironizasse a ideia sem sentido de sua amiga.
— Você não ouviu? É o casamento da minha irmã! A família inteira reunida, não posso não ir.
Dessa vez a melhor amiga não poderia ajudar a morena. Aquele era, literalmente, um problema que só caberia a ela resolver.
— Eu acho incrível como você consegue atrair problemas com tanta facilidade. — A cacheada guardou seu pequeno espelho dentro da bolsa ao lado da mesa.
— Às vezes eu me surpreendo comigo mesma.
— É quase um imã de problemas, às vezes acho que você tem uma irmã gêmea que advoga por você. — Ela insistiu rindo. Mesmo que fosse preocupante, era engraçado. — Acha mesmo que não pode desmentir, dizer que terminaram ou não ir?
— Cassie, eu tenho uma imagem a zelar na família. Está fora de cogitação não ir, é a minha família, seria terrível da minha parte faltar no casamento da minha própria irmã! — A essa altura, o barulho de seu salto ecoava sobre o assoalho de sua ampla sala. Mesmo que o ar condicionado permitisse uma temperatura agradável, sua testa suava pelo nervosismo de resolver a situação o quanto antes.
— Joanne, é melhor dizer que era brincadeira ou ir e dizer que terminaram.
Se escorou sobre sua porta de vidro temperado enquanto as palavras de felicidade de seu pai ecoavam em sua cabeça como um mártir. Trabalhava como uma escrava, eram raras as vezes em que ia até o Texas para visitá-lo, e ultimamente eram poucas as vezes em que conseguia falar com ele por telefone. Depois da morte de sua mãe, Joanne passou a se esforçar ao máximo para ser uma boa filha, talvez suprindo o carinho que seu pai há muito tempo não recebia. Seria péssimo de sua parte se chegasse à fazenda dando más notícias, ainda mais depois de tanto tempo sem vê-lo, tirando do coração de seu pai um desejo antigo que ela mesma havia alimentado.
— Não posso. — Estava prestes a ter uma ideia, uma péssima ideia. — Preciso de um noivo.
Os olhos da amiga se fecharam repetidas vezes enquanto seus ouvidos digeriam a informação da mulher à sua frente.
— É óbvio que você não vai conseguir um noivo em três dias. — Sua nova risada foi quase debochada. — Mesmo que seja muito bonita, por que alguém em sã consciência iria para uma fazenda no meio do mato com uma desconhecida?
Joanne cruzou os braços vestindo um sorriso maléfico nos lábios cor de rubi.
— Porque eu poderia pagar muito bem.
Os olhos de Cassie se estreitaram em desconfiança, aquilo era demais para Joanne.
— Você vai pagar um garoto de programa?
Joanne sacudiu a cabeça negativando as palavras de sua secretária, aquilo nem sequer lhe passou pela cabeça, e só de cogitar já arrepiou, não procurava por sexo.
— É claro que não — rebateu. — Eu falo de um modelo ou de um acompanhante. — Cassie rolou os olhos pelo extenso cômodo, abriu o polegar e o indicador roçando o queixo entre os dois dedos, numa expressão de intenso pensamento, prendia seu olhar como se ela estivesse formulando uma extensa situação em pensamentos. Joanne a conhecia bem, e sua afirmação veio quando a loira levou a ponta da língua aos dentes da frente.
— Então você precisa de um noivo, né? — Cassie perguntou com um sorriso travesso, enquanto suas mãos apertavam seus próprios braços em ansiedade.
— Em que está pensando? — Joanne arqueou as sobrancelhas, conhecia aquele sorriso e coisa boa não era.
— Acho que sei onde encontrar um noivo.
— Como assim? — Indagou a morena.
A loira correu para sua mesa, ao lado da mesa de Joanne. Jogou tudo o que estava guardado em sua gaveta secreta no chão, daria a Joanne uma chance de contornar a situação, uma chance de dar vida ao jogo, de fazer seu pai tão feliz como nunca havia sido. Pegou um cartão preto cintilante nas mãos com as iniciais “E. C.”, onde podia-se ver um número de telefone num tamanho pequeno.
— O que é isso? — Perguntou a advogada. Piscou os olhos cinzentos algumas vezes ainda sem entender o fundamento do cartão, que mais parecia um enigma.
Ela sorriu de lado.
— Já que não pode desmentir, eis o seu noivo.
Arqueou as sobrancelhas.
— O que é isso? — Não podia ser possível, Cassie era tão peculiar que até se aparecesse com um desenho, por mais claro que pudesse ser, precisaria de uma explicação.
— Um acompanhante. Ele literalmente só acompanha as mulheres, não trabalha com sexo.
— Meu Deus, meu Deus... — Joanne tentava se adaptar à ideia.
— Você tá surtando mesmo?
Aquilo cheirava a uma péssima ideia. As coisas ainda não haviam saído do controle, mas bastava um simples erro de cálculo para poder virar um enorme problema. Contratar um homem para se passar por seu noivo era algo absurdo e extravagante. Não conseguiria se portar na frente de sua família como se fosse noiva de um estranho desconhecido, mas era uma questão de tentar nadar ou morrer afogada.
— Não sei o que fazer — disse para Cassie que lhe entregou o pequeno cartão. — De onde pegou esse cartão?
— Eu queria um namorado de mentirinha para fazer ciúme para um ex, e uma amiga me deu esse cartão. Na época eu nem precisei, já que acabamos voltando. — Os olhos verdes de Cassie estreitaram com o sorriso fino que ela deu. — Pensa bem antes de ligar, você precisa botar na balança os prós e os contras.
— Meu Deus, não há uma vez em que Juliett me ligue e não me estresse. — Ela colocou o cartão em sua carteira, estava prestes a fazer uma das maiores loucuras de sua vida. Havia tantos compromissos para resolver, mas sua cabeça girava entorno daquele problema como um furacão. — Mas dessa vez ela se superou.
Cassie ajoelhou-se no assoalho reunindo todas suas coisas jogadas da gaveta secreta.
— Quando lembro da sua irmã, agradeço por ser filha única — sibilou ao encaixar a gaveta no armário.
— Eu acho muito solitário não ter irmãos ou primos.
Cassie não tinha irmãos, era filha única, de pais que também haviam sido filhos únicos.
— Prefiro ser sozinha ao ter uma irmã como a Juliett — exclamou de novo, dessa vez rindo como se fosse piada. — Mas por outro lado, se fosse uma irmã como você, talvez seria legal.
— Ela não era assim, não que eu me lembre. — Sua cabeça rodava com a situação esdrúxula. — Eu queria sumir, olha só o que estou prestes a fazer.
— Ela declarou guerra, Joanne. — Cassie era fogo de palha.
— Essa guerra já foi declarada há muito tempo.
— E você está igual a uma barata tonta no meio do campo de batalha — exclamou Cassie. — Se eu fosse você entrava nessa pra ganhar.
— Não sei, Cassie.
— Sabe sim! — A amiga segurou seu rosto entre as mãos. — Vai esperar ela ter um filho pra esfregar na sua cara?
(...)
A água gelada caía sobre suas costas rijas de estresse e cansaço. Os cabelos colados pelo corpo macio e curvilíneo eram arrastados junto à correnteza da água pela pele leitosa. A ideia de contratar alguém para se passar por seu noivo lhe parecia apavorante, assim como mentir para toda sua família, demonstrando uma relação que não existia, com um homem que lhe trataria como desconhecida após aquilo tudo. Ao menos que ele fosse um bom ator, mesmo assim aquilo soava estranho. No entanto, o desconforto e a chateação de contar a verdade para a irmã e se passar por mentirosa era ainda maior, assim como a tristeza de seu pai, que seria imensa se visse a filha passar mais um ano solteira, já que o noivo era apenas uma peça pregada. Sentou-se sobre a tampa do vaso com o cartão em mãos tentando encontrar a resposta que precisava. Deveria ou não? Nunca saberia se não tentasse. Antes arrependida de ter feito do que de não ter tentado.
Como a esperança é a última que morre, discou os números aguardando uma possível salvação, mas a ligação apenas chamava. Talvez fosse algum sinal vindo direto do Universo mostrando a ela o tamanho da loucura que faria. Talvez aquilo se transformaria num problema ainda maior do que simplesmente contar a verdade. Mas antes mesmo que ela pudesse desligar o telefone e desistir da chamada, ela ouviu com clareza:
— Alô? — Era uma voz firme e grave.
Seu coração bateu mais forte, algo parecia apertar seus pulmões, que pareciam não encher de ar. Não acreditava que estava fazendo mesmo aquilo. Jamais cogitou ter que pagar por um serviço depravado, a companhia de um homem.
— Boa noite. Ethan Chaos? — A tentativa de manter uma voz firme e decidida foi falha, desde o início.
— Ele mesmo, quem deseja? — Sua voz era repleta de autoridade, e ela gostou daquilo. Costumava usar o mesmo tom para demonstrar presença a seus clientes e pelo visto ele fazia uso da mesma tática.
— Joanne Jones.