BLACK (Revisando)

• 2 • Disfarce e prossiga

Segunda-feira. Já marcavam 07:30 da manhã no relógio. Mikael acordou com um peso no peito, lembrando-se da avaliação física na aula de Educação Física. Ele sabia que os hematomas em seu corpo seriam visíveis, e temia ser notado. Era uma preocupação constante, que o fazia evitar qualquer contato desnecessário. Mas teria que se forçar a levantar para ir ao colégio, no entanto, quem disse que ele conseguia? Seu corpo estava pesado, a sensação era como a de uma bigorna lançada ao mar, afundando sem parar, e isso lhe causava angústia. As dores eram inexplicáveis, mas ele precisava tomar seu banho e seguir normalmente, afinal, era dia de avaliação.

── Que merda! ── resmungou baixo, pegando o celular e ligando para Anna.

Com um pouco de esforço, ela atendeu, e na sua voz era nítido que também tinha acabado de acordar. Ele podia ouvir um leve bocejo, como se ela tentasse disfarçar o cansaço ao afastar o celular da boca e depois retorná-lo perto do ouvido. Isso lhe arrancou um sorriso fraco e efêmero.

── Anna... Preciso de sua ajuda, por favor... e das suas maquiagens.

[•••]

Anna não fez muitas perguntas durante a ligação e, em menos de dez minutos, estava na frente de Mikael. Seus belos olhos esverdeados estavam cheios de lágrimas, e suas mãos delicadas cobriam a boca, claramente espantada com o estado deplorável do corpo de Mikael. Não a culpava, ele faria o mesmo em qualquer outra situação.

Anna sabia bem o que acontecia com Mikael quase todos os finais de semana. Mas não a julgava por não sair correndo para pedir socorro a um adulto. Ele havia escolhido isso, e juntos decidiram não tocar mais no assunto perto de Paulo. Ele não era o tipo de pessoa com quem alguém jamais gostaria de se envolver quando estava em fúria, e não foi fácil segurá-lo quando ele descobriu tudo meses atrás.

── Está tudo bem, Anna... Não se preocupe por minha causa, trouxe a maquiagem?

── S-sim... ── Ela balançou a cabeça, confirmando. Então Mikael a puxou para o seu quarto, onde ela se sentou ao seu lado e começou sua "mágica".

── Vamos começar ── disse ela, começando a aplicar uma camada de corretivo no rosto de Mikael e em parte do tronco e braços.

Anna fez um excelente trabalho escondendo os hematomas visíveis, graças à sua vasta experiência em ajudar Mikael em situações como aquela. Ela seria ótima se decidisse abrir uma empresa especializada em maquiagem.

── Anna, você é uma verdadeira artista ── Mikael comentou, observando-se no espelho, admirado a destreza com que ela escondia os hematomas.

Anna sorriu levemente, mas logo disse, com um olhar sério:

── Esconder os hematomas é fácil, Mika, mas... esconder a dor... essa é outra história. Né?

Mikael sentiu um nó na garganta. Mesmo Anna sabendo o que estava acontecendo, nunca questionava diretamente. Ela apenas ficava ao seu lado, oferecendo seu apoio sem exigir explicações.

[•••]

Ao chegar na escola, Mikael foi direto para sua carteira. Não queria se mover muito, e o que mais desejava naquele momento era descansar o máximo possível e tomar algum remédio para aliviar as dores.

Os alunos começaram a chegar, e logo Paulo entrou na sala. Mikael percebeu o olhar dele sobre si, o loiro parecia estudar cada parte de seu corpo, como um lobo farejando a sua presa.

Mikael sentiu um arrepio percorrer sua espinha, mas manteve a calma, evitando contato visual. Ele não entendia...

Mesmo agora, cercado por meninas que imploravam por sua atenção ── muitas vezes oferecendo mimos ou bilhetes antes das aulas ── ele não desviava o olhar de Mikael, e isso lhe causava esse calafrio pelo corpo.

Paulo parecia perceber quando algo não estava certo, mas nunca comentava. Nem sequer tocava no assunto para que Anna ou alguém mais falassem. Mas naquele dia foi diferente. Ele se sentou atrás de Mikael e sussurrou, bem próximo ao seu ouvido:

── O que aquele desgraçado fez com você agora? ── sussurrou, seu hálito quente perto do ouvido de Mikael.

Por dentro Mikael gritava, queria contar cada mínimo detalhe repugnante das noites em que passou, quase em claro, para seu melhor amigo. Desabafar seria um alívio, mas da sua boca não saía som algum. Só sentia o coração batendo rápido ao ouvir o respirar e o sussurro de Paulo.

Como um "covarde", abaixou a cabeça e não respondeu. Não queria confusão, porque sabia que Paulo já estava disposto a ir atrás de seu pai para matá-lo, e isso só traria problemas para ele. Mesmo que o pai de Mikael estivesse sete palmos abaixo da terra — se deus quisesse, no inferno onde realmente merecia ─ Paulo não merecia um futuro arruinado por causa disso.

Como Mikael não respondeu, Paulo se afastou e ficou quieto, mas podia ouvir o batucar incessante dos dedos sobre a mesa. Nunca o viu tão inquieto. Seus pensamentos foram interrompidos pela chegada da professora.

[•••]

Após três períodos de aula, finalmente chegou o intervalo. Mikael não saiu da sala naquele dia. Paulo e Anna acharam melhor deixá-lo descansar ali.

No final do intervalo, Paulo trouxe o lanche que Mikael não desceu para pegar. Ao menos ele trouxe o que Mikael normalmente comia: uma barra de cereal e a fruta do dia, uma maçã. Deixou-os em cima da mesa, sem dizer uma palavra, e voltou para seu lugar.

Quando o professor Allex chegou, todos se sentaram e um silêncio tomou conta da sala. Ele era o único professor que todos respeitavam e deixavam a aula fluir em paz.

── Bom dia!!! ── Ele disse, sorrindo como sempre. Todos responderam em tom alto e uníssono, exceto Mikael, que m*l conseguia respirar e estava poupando energias. ── Como todos sabem, hoje é dia de avaliação. Meninas, por favor, dirijam-se à sala da professora Alice para serem examinadas. ── Alice era outra professora de Educação Física, uma assistente. E digamos que o que ela tinha de beleza, tinha em dobro de promiscuidade. Era impossível saber com quem ela ainda não havia feito nada na escola. Bem, Mikael, obviamente, era um dos "não privilegiados".

── Ah, não! ── As meninas exclamaram, claramente frustradas com a notícia.

Allex deu uma leve risada e elas, mesmo a contra gosto, se dirigiram para a sala de Alice.

── Bom! Meninos, venham comigo. ── O mais velho disse, e as cadeiras se arrastaram enquanto a sala se esvaziava. Mikael, mentalmente, amaldiçoava a situação.

── Vamos, Mika? ── Paulo o chamou pacientemente, enquanto ele relutava para sair da carteira. Ele colocou uma mão no ombro de Mikael para chamar sua atenção, já que ele estava distante em pensamentos.

── Uh, sim... vamos... ── Respondeu, forçando-se a levantar. Paulo até tentou ajudá-lo, mas Mikael recusou, seguindo até o ginásio, onde seriam feitas as avaliações.

[•••]

Não muito depois, todos já haviam passado pela avaliação, e quando chegou a vez de Mikael, ele sentiu seu corpo tremer, com medo de que o professor notasse algo. Respirou fundo, levantou-se e seguiu até a sala reservada no fundo do ginásio.

Quando entrou, o professor estava anotando algo em uma folha. Ao vê-lo, o professor deixou o papel de lado e ajustou a cadeira para que Mikael se sentasse.

── Mikael, nome de anjo, não? ── Disse o professor com um sorriso bobo, conseguindo arrancar um sorriso tímido de Mikael, fazendo suas bochechas ficarem levemente ruborizadas. Talvez ele fosse só um menino bobo que ria de tudo e de todos para disfarçar o que escondia por baixo daquela máscara, mas esses pequenos gestos faziam a diferença no seu dia "nublado". ── Está pronto?

── S-sim... ── Mentiu, não estava pronto! Internamente, não queria estar ali, não naquele estado, e com medo do que o professor poderia notar.

── Então, por favor, sente-se. ── O professor disse, e Mikael obedeceu, sentando-se na cadeira enquanto sua cabeça fervilhava com perguntas. ── Será que ele vai perceber algo? E se perceber, o que fará? Talvez, como um adulto responsável, ele chamaria o diretor e enfermeiras para analisá-lo e tomar as providências necessárias... ── Eram algumas das questões que rondavam sua mente.

Mikael temia que seu pai, com seu dinheiro, fosse capaz de impedir qualquer intervenção que o ajudasse.

── Não está nervoso como da última vez, né? ── Perguntou o professor, sorrindo. Isso fez Mikael corar ainda mais. O professor tentou acalmá-lo, mas seu coração estava acelerado, e a tremedeira não ajudava. ── Preciso que fique calmo, Mikael, senão a avaliação pode sair errada. Olhe nos meus olhos e respire fundo, segure a respiração por três segundos e depois solte, bem... devagar, certo?

Mikael seguiu suas instruções, tentando se acalmar, e, para sua surpresa, depois de algumas tentativas funcionou. O professor então pegou o medidor de pressão e o colocou em seu braço. Depois, colocou o estetoscópio nos ouvidos e levantou a borda de sua camiseta para ouvir os batimentos cardíacos. Mikael engoliu em seco, pois sabia que já havia passado um bom tempo desde que Anna o ajudou com a maquiagem, talvez não estivesse fielmente as escondendo.

Felizmente, o professor foi cuidadoso, levantando apenas o suficiente para passar o estetoscópio por baixo da roupa e ouvir seu coração. Anotou algumas coisas no papel e o liberou logo depois.

── Prontinho, Mikael. Está liberado. ── Disse o professor, e Mikael se levantou rápido, agradecendo por ter terminado.

[•••]

── Mi-ka! ── Ouviu alguém o chamar.

Nunca tinha visto alguém tão animado com a sua presença quanto Anna, que logo veio correndo em sua direção, saltando em cima dele e o abraçando.

── Bobo! Por que demorou? ── Sem conseguir conter a dor, Mikael soltou um gemido, fazendo com que ela imediatamente o soltasse e começasse a acariciar seus ombros suavemente. ── D-desculpa, Mika, eu tinha me esquecido disso.

── Ela esqueceu, mas eu não... ── Completou Paulo, franzindo as sobrancelhas e com os braços cruzados, ainda encarando Anna com seus olhos azuis, que pareciam penetrar na alma.

── Não precisa se preocupar comigo. ── Mikael retrucou, cruzando os braços e desviando o olhar, com um leve bico nos lábios.

── Como não?! Aquele porco imundo abusa de você e eu não preciso me preocupar, Mikael? ── Paulo não entendia por que Mikael reagia daquele jeito tão teimoso.

Mas era inevitável ao loiro, ele sempre se preocupou com Mikael de maneira especial, quase como um irmão mais velho, muito mais do que apenas um amigo.

── Shhh! Paulo... ── Anna fez um pequeno biquinho, levando o indicador aos lábios em sinal de silêncio, enquanto olhava para o loiro. Depois de perceber a proximidade entre os dois, ela brevemente corou e se afastou, ajeitando o uniforme antes de continuar. ── Fale baixo, ninguém além de nós dois sabe o que está acontecendo com o Mikael. Esqueceu?

── Desculpe. ── Murmurou Paulo, engolindo seco.

Mikael jurava que viu uma leve ruborização se formar nas bochechas de Paulo após a repreensão de Anna, algo extremamente raro. Aproveitando a oportunidade, Mikael mudou rapidamente de assunto.

── Está tudo bem. Bom, já já vamos embora, certo? Fiquei sabendo que hoje vamos ser liberados mais cedo.

── Sim! Isso é Bom, né? ── Anna respondeu alegre, batendo palminhas de felicidade.

── Ah! Droga... ── interrompeu o loiro e ambos o olharam ── Agora que vocês tocaram nesse assunto, eu tenho que ir atrás da professora de biologia entregar um trabalho pra ela. Mais tarde, passo na sua casa como combinado, ok, Mikael? ── Paulo disse, e Mikael tentou lembrar do que ele estava falando. Logo, o viu se afastando, o perdendo de vista assim que virou em um dos corredores.

── Ah! Sim... sim, combinado... ── Nesse momento, Mikael sentiu um arrepio gélido correr por sua espinha, pois havia se esquecido completamente de que haviam combinado de passar a tarde juntos jogando ou assistindo algo. Anna, percebendo a confusão dele, não conseguiu se segurar e riu da situação.

── Você esqueceu, não foi? ── Anna lançou um olhar travesso para Mikael, enquanto dava uma leve cutucada na sua bochecha.

── Calada! Eu me lembrei... agora, mas lembrei.

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Enquanto Paulo seguia pela escola atrás da professora de biologia para resolver os assuntos relacionados à sua vida escolar, Mikael e Anna voltaram à sala de aula para pegar seus materiais. Conversaram no pátio até finalmente serem liberados, quando o sinal ecoou por todo o lugar como aviso.

Depois disso, e da longa caminhada até chegar em casa, Mikael finalmente se encontrou parado, olhando toda a bagunça que seu pai tinha deixado para trás. Como se não bastasse ser um covarde, seu pai também era um porco imundo.

Cerca de uma hora e meia depois, Mikael finalmente conseguiu terminar de ajeitar toda a casa. Um esforço considerável que só teria feito devido à visita de Paulo naquele dia. Caso contrário, ele teria se forçado a nada e com certeza teria dormido a tarde toda, ou até o dia seguinte.

Sentado no sofá, com uma postura completamente relaxada, Mikael sentiu seu estômago roncar, fazendo com que sua mão repousasse sobre a barriga e seu rosto formasse uma leve careta de fome. Não se lembrava da última vez que tinha comido algo decente e, definitivamente, não tinha comido nada na escola além do que Paulo tinha levado para ele naquele dia.

Mikael se levantou então e foi até a cozinha, pensando em algo que pudesse fazer com o pouco que tinha no armário. Pelo menos naquela semana, seu pai havia deixado dinheiro mais que suficiente para ele comprar o que precisava. Ainda assim, não queria sair de casa naquele momento. Então, improvisou com o que tinha. Fez uma massa simples com molho branco, do jeito dele, já que não era um grande cozinheiro, mas era o suficiente para matar a fome.

Depois de se alimentar, deixou a louça na pia e decidiu tomar um banho rápido antes que Paulo chegasse.

[•••]

Completamente despido no banheiro, Mikael voltou à realidade e ao real estado de seu corpo. Aquilo tudo fazia com que sentisse nojo e repulsa de si mesmo, sempre achando que a culpa era totalmente sua, por sua mãe ter falecido meses após seu nascimento. Talvez isso fosse o motivo pelo qual seu pai o odiava tanto, a ponto de fazer o que fazia. Talvez ele também achasse que a culpa fosse sua.

Já embaixo d'água, perdido em meio a tantos pensamentos, Mikael não percebeu que já estava chorando como um bebê. Suas lágrimas rolavam pelo rosto, misturando-se com as gotas de água que escorriam sobre sua cabeça, até que ouviu alguém bater na porta e a campainha tocar impacientemente.

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