• 3 • Amizade e vulnerabilidade

2081 Words
Assim que Mikael ouviu alguém bater na porta e a campainha ser tocada com certa persistência, desligou o chuveiro rapidamente e se secou, enrolando a toalha ao redor da cintura. Logo desceu para ver quem era, já suspeitando quem poderia ser. Olhou pelo olho mágico e, não vendo ninguém ali, foi até a janela, agora podendo ver Paulo sentado na calçada. Ele estava com a cabeça baixa entre os joelhos e parecia rabiscar algo na calçada com um pequeno graveto nas mãos. Mikael então abriu a porta e viu o loiro se virar imediatamente com o barulho que ela fez. Ele de forma meiga, dando passagem para ele entrar, mas ele se demorou, observando-o com aqueles belos olhos azuis e um sorriso travesso ladino. ── O que foi, quer ficar aí fora? ── Mikael questionou, um tanto incomodado com a situação. Só então lembrou que estava apenas com a toalha ao redor da cintura. No mesmo instante, suas bochechas queimaram, ficando ruborizadas. Paulo começou a rir da feição constrangida de seu amigo. ── Anda logo, seu i****a, entra! ── Murmurou, vendo-o passar por ele, e não hesitou em fechar a porta rapidamente antes que mais alguém na vizinhança pudesse vê-lo daquela forma. ── Tá bom! Tá bom... Fique calmo. ── Disse o loiro, indo direto para o sofá e se sentando. Pegou o celular do bolso, talvez se distraindo com algo aleatório, tentando não manter a atenção por muito tempo no corpo do garoto pálido — ele, Mikael — que agora se encontrava levemente irritado. ── Vou me vestir e já venho. ── Foi a única coisa que disse, passando por trás do sofá para então subir as escadas em direção ao quarto. Mas parou ali mesmo, atrás do sofá, quando ouviu Paulo dizer: ── Tudo bem, apesar de você estar sexy assim... ── Novamente, o loiro deu uma risadinha que fez uma veia saltar na testa de Mikael e seus nervos se agitaram. ── Seu i****a! Fica quieto... ── Exclamou, tacando uma almofada nele, e depois correu para o quarto, fechando a porta com pressa. Depois de finalmente colocar as calças, Mikael se deu conta de que ainda não tinha colocado as roupas para lavar. Então, não tinha camisa limpa para vestir. "Droga!" Pensou ele enquanto andava de um lado para o outro, tentando achar uma solução, já que seu maior problema no momento era não deixar Paulo ver seu corpo naquele estado. ── Talvez ele não tenha percebido enquanto eu estava de toalha, né? ── Sussurrava para si mesmo, ainda perambulando nervoso pelo quarto. ── Seu tonto! Estava claro, e com essa pele branquela sua, como ele não iria perceber? ── Ele se via tentando achar qualquer peça de roupa limpa em seu guarda-roupa, mas não havia nada. Todas as roupas estavam sujas, e não tinha muitas opções. [•••] Enquanto isso, no andar de baixo. Paulo tentava se manter distraído com o celular e não pensava tanto sobre o que havia reparado no corpo de Mikael. Ele não queria aborrecê-lo mais do que já o tinha feito durante a provocação, mas com a demora de Mikael em se vestir, acabou deixando o celular de lado e subindo as escadas em direção ao quarto do amigo. Chegando à porta, deu algumas leves batidas na madeira, chamando pelo nome dele. ── Mikael, está tudo bem? ── Perguntou, com um tom de voz firme porém preocupado, ainda do outro lado da porta. Meio em desespero, Mikael começou a devolver as peças de roupa para dentro do guarda-roupa enquanto respondia: ── Sim! Eu só estou procurando uma blusa... ── Respondeu de maneira direta, tentando pensar em algo. ── Ok… quer ajuda? ── O loiro questionou, apoiando uma das mãos na porta e aproximando o ouvido da madeira, tentando escutar o que acontecia do outro lado. ── N-não precisa, já já estarei descendo. ── Mikael arqueou, recuperando o fôlego enquanto fechava o guarda-roupa. ── Tá bom, te espero lá embaixo, vê se não demora. ── Certo, não demoro... ── Depois de ouvir Paulo descer as escadas, Mikael soltou um suspiro aliviado. Como não tinha uma camisa limpa, saiu do quarto e foi até o quarto de seu pai, onde pegou uma camisa dele. Mesmo sabendo que, devido ao seu tamanho comparado ao de seu pai, a camisa caberia em três dele, ainda assim era melhor do que nada. Ao menos era o que pensou. Depois de finalmente se vestir, desceu para o andar de baixo e viu Paulo deitado no sofá, com o antebraço sobre o rosto. ── Então, o que vamos fazer hoje? ── Mikael perguntou, uma maneira de avisar que já estava ali, e tentando descontrair um pouco. Imediatamente, Paulo retirou o antebraço da testa e virou um pouco o pescoço, de modo a olhar em sua direção com um sorriso largo nos lábios. ── Jura que não se lembra do que combinamos? ── Mas é claro que me lembro! ── Mikael respondeu, ainda sem ter a menor ideia do que estava falando. Levou a mão até a nuca, massageando-a com um nervosismo nada discreto enquanto sua face se ruborizava. ── Sei. ── Retrucou Paulo, enquanto se sentava no sofá, umedecendo os lábios e soltando um breve suspiro. Talvez desapontado pelo fato de Mikael estar cada vez mais esquecido, principalmente em relação à amizade deles. Mikael sabia que não estava sendo o mesmo de antes, mas se esforçava para manter algo de si vivo. ── Desculpa, eu ando meio cansado. ── Eu não estou te culpando. Deve ser mesmo cansativo t*****r quase todo dia. ── Paulo disse com ar de ironia e deboche, fazendo alguns gestos meio indecentes com a mão. ── Seu... ── Mikael riu da provocação muito bem-sucedida sobre ele, mas Paulo já sabia o que aconteceria. Se levantou rapidamente, na defensiva. ── Ah! Volte aqui, vou te dar um puxão de orelha, seu i****a! ── Durante um curto período, os dois correram pela casa, em uma perseguição de cão e gato. Porém, aquele gato de olhos azuis e cabelo loiro era bem mais ágil. Não demorou muito, mas finalmente, Paulo parou no meio do caminho, colocando a mão sobre o peito para recuperar o fôlego, e Mikael conseguiu alcançá-lo. Mikael não percebeu a mudança de Paulo com o esforço físico e então pulou em suas costas, começando a puxar-lhe a orelha. ── O que foi que você disse, hein? Repete! ── Ai! C-calma, isso dói, Mika... ── Agora foi a vez de Mikael começar a rir dele. ── Pede desculpas ── insistiu, ainda nas costas de Paulo. O loiro balançou a cabeça, levando a mão por cima da dele, fazendo-o parar de puxar a orelha. ── Desculpa! Desculpa... Mika, para... ── Hunf! i****a. ── Mikael completou, soltando completamente a orelha de Paulo, que, por ter a pele clara, estava bem avermelhada na região. Ele então desceu das costas dele. ── Isso foi maldade, quero um beijo para sarar... ── O loiro disse, agora com a expressão de um pet chorão. ── Você vai ganhar é uns tapas para largar de ser i****a. ── Mikael se sentou no sofá, olhando para ele. ── Bora jogar? ── Pode ser. ── Paulo respondeu, revirando os olhos e soltando um suspiro frustrado por não ter conseguido o que queria naquele momento. Havendo uma imensa verdade por trás daquela brincadeira. [•••] Após três horas apanhando de Paulo no Mortal Kombat… Mikael largou o controle de lado, cruzando os braços e fazendo um bico nos lábios. ── Você está roubando, só pode! ── Ele resmungou como uma criança mimada, que não sabe lidar com derrotas. E como de costume, Paulo começou a rir da situação, não conseguindo levar a sério a reação de Mikael, mesmo sabendo que ele estava realmente nervoso por perder. ── A culpa não é minha se você não sabe jogar e fica emburrado quando perde. ── Paulo finalizou o riso, passando a língua nos lábios enquanto olhava mais atentamente para Mikael. ── Essa blusa não é sua. Nem o cheiro dela te pertence… ── Não, as minhas estão para lavar. ── Mikael respondeu de maneira simples e direta, ajeitando a postura no sofá. ── Até o uniforme? ── Ele está limpo, por quê? ── Mikael olhou para Paulo, confuso com os questionamentos. ── Por que não usa ele ou fica sem nada? Essa blusa fede a gente sem caráter, fede a porco imundo, se é que me entende. ── Paulo murmurou, contendo-se o máximo possível. Já era r**m o suficiente ser forçado a ficar em silêncio e sem poder fazer absolutamente nada, mesmo sabendo tudo pelo que Mikael passava nas mãos de seu pai. Agora, talvez fosse pedir demais vê-lo usando as roupas do infeliz que atormentava sua vida. ── É que... bem... eu... quero dizer... ── Ele tentou encontrar palavras que fossem fáceis de serem aceitas, ciente do instinto protetor de Paulo em relação a ele. Não queria dizer algo que o fizesse perder o controle. Antes que pudesse continuar, Paulo se adiantou: ── Eu sei como está o seu corpo, a Anna me contou, e eu percebi hoje mais cedo, quando você estava de toalha. ── Mikael arregalou os olhos sentindo o coração palpitar mais rápido. Paulo prosseguiu: ── E sinceramente, não entendo por que ainda não denunciou ele. Eu te ajudaria, sabe disso. Poderia ficar lá em casa, o Allfred ajudaria com todo o processo também. ── Paulo insistiu mais uma vez nesse assunto, não sendo a primeira nem a segunda vez que tentava convencer Mikael a se livrar dessa situação. Ele temia que Mikael não sobrevivesse até a maioridade, e, para ser sincero, até ele mesmo duvidava que isso fosse possível mesmo faltando apenas dois meses para tal. ── Não é tão fácil assim, Paulo... ── Mikael respondeu, e realmente, não era. Quando o poder é o dinheiro, a balança sempre pende para quem o possui. E no caso, Steve o tinha. Não que a situação financeira de Paulo não pudesse ajudar ele era herdeiro de algo grande. Mikael queria com todas as forças confiar nele e em sua família, mas seu pai também não deixaria barato. Ele queria evitar que Paulo tivesse "problemas". Após uma longa discussão, Paulo se viu vencido pela teimosia de Mikael. Ele engoliu em seco, contraindo a mandíbula enquanto segurava tudo o que queria dizer para si mesmo. ── Bem, olha a hora... ── Paulo levantou o braço esquerdo e olhou para o relógio de pulso. Em seguida, bateu as mãos nas coxas, levantando-se. ── Já está tarde e temos aula amanhã, vou para casa. Amanhã nos vemos lá na escola, tá bem? Se cuida. ── Completou, levando a mão até os fios negros de Mikael, bagunçando-os carinhosamente. Depois, foi em direção à porta. Sabia bem o caminho da saída e, pelos anos de amizade, não sentia necessidade de ser acompanhado até lá. Mikael, por sua vez, não fez nada além de assentir com um simples aceno enquanto o observava sair e fechar a porta. Ele permaneceu sentado, pensativo, observando a porta fechada por um bom tempo. Só voltou ao "mundo real" quando a TV se desligou por inatividade. Ele se levantou, acendeu a luz da sala e seus olhos caíram sobre o sofá, onde percebeu que Paulo havia esquecido sua blusa de frio. Ao pegar a blusa para guardar e devolver depois, um maço de cigarros caiu de dentro dela. Mikael achou estranho. Pegou o maço e notou que ele já estava aberto, com alguns cigarros faltando. Ele e Anna já sabiam desse lado "obscuro" de Paulo, que começou a fumar e beber muito cedo. Não era algo que Paulo costumava fazer perto deles, mas também não era um segredo. Mas… O que realmente preocupava Mikael era o fato de Paulo ter dito há algum tempo que havia parado, e desde então não o havia visto com um maço de cigarros até aquele momento. Mikael se perguntava o que poderia ter levado Paulo a voltar com esse hábito, já que definitivamente não era do tipo de pessoa que se abria facilmente com os outros. Ignorando aquilo por enquanto, Mikael decidiu devolver o maço ao bolso da blusa e foi para o quarto, deixando a blusa próxima à mochila para devolvê-la a Paulo no dia seguinte. Talvez ele pudesse perguntar pessoalmente sobre. Ele deitou na cama, decidido a dormir cedo naquele dia, mas antes retirou a blusa, que, de fato, Paulo tinha razão, ela estava fedendo. Então, deitou-se novamente. [•••]

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