Vale dos Suicidas.

1073 Words
Capítulo dois. Astryd Anghel. O caminho de volta para a mansão da minha família fora silencioso. Me perdi em pensamentos, relembrando da conversa com o estranho misterioso. Bem, não tão estranho e misterioso assim. O Duque era conhecido entre a elite Romena, mesmo que eu nunca o tivesse encontrado pessoalmente. Pouco se sabia sobre sua vida pessoal, mas sua fortuna e influência eram tão comentados quanto sua beleza de tirar o fôlego. Os cabelos claríssimos, ondulados e levemente bagunçados, mais os olhos cinzas com pigmentos em vermelho, tinham seu charme, mas, o que roubava a atenção de fato, era sua forma excêntrica e elegante de se vestir, junto à sua pose arrogante e o ar de superioridade, como se soubesse todos os segredos da humanidade e que, de alguma forma, era superior a todos nós. Seth estacionou o carro na frente da mansão e desligou o motor, virando-se na minha direção. — O que conversava com o duque? — sondou, tentando ocultar sua insegurança, mas não teve sucesso com isso, estava em seu olhar. Foi divertido, de certa forma. Seth nunca demonstrou ciúme de mim, ele me tinha como garantido demais, e infelizmente, era. — Nada importante. — Dei de ombros com a falta de detalhes, irritando Seth. Contive a risada que quis soltar, apertando os lábios e virando o rosto. — Astryd, o que ele te disse exatamente? — Seu tom parecia desconfiado, o que me levou a desconfiar também. Por que ele estava tão preocupado? — O duque não me disse nada, Seth. Por quê? Há algo que tenha medo de que eu saiba? — Dessa vez, eu quem sondei, reparando na risada nervosa que meu querido noivo abriu, numa tentativa falha de disfarçar. — Não, claro que não, querida. Compartilho tudo com você, sabe disso. Eu só fiquei receoso. Scorpius é muito influente. Ele presta favores a muitas pessoas. — explicou. Eu apertei os olhos, atenta na sua desculpa esfarrapada. — Mas não é confiável perto de mulheres. Nenhuma mulher de boa índole seria vista com ele sem ter a reputação arruinada. — alertou. — Se estivesse tão preocupado comigo ou com a minha reputação, não teria me abandonado por quase uma hora. — Respondi com irritação. — Onde você esteve? — Que droga, Astryd. Você sabe que eu sou um homem muito ocupado. — Ele se irritou, como sempre. Seth achava que eu era i****a por não perceber seus comportamentos e as mudanças de humor toda vez que era acusado de algo que realmente fez. — Encontrei um cliente importante, não posso desperdiçar oportunidades como essa. — Endireitou os ombros, continuando — Preciso sustentar seu estilo de vida. Só quero o melhor para você, para nós. Quero deixá-la feliz e segura quando nos casarmos, minha querida. — Mentiu descarado, me deixando triplamente mais irritada por sua falsidade. Ele sabia que "meu estilo de vida" atual não era dos melhores. Não era segredo para ninguém que eu não confiava em Seth, mas também não o amava o suficiente para me importar por onde ele se enfiava, contanto que me deixasse em paz. Ele tampouco me amava, mas possuía determinado apego e possessividade sobre mim, por estarmos noivos desde crianças. Nosso casamento fora somente uma aliança valiosa arranjada por meu insano - e agora falido - pai, atolado em dívidas por seu vício em apostas, bebidas e mulheres. Minha família dependia desse casamento para que continuássemos com a nossa amada vida de aparências. Seth inclinou-se sobre o banco para me beijar, mas recusei, me esquivando de seu toque. — Até quando você vai me fazer esperar? — Ele resmungou no mesmo instante. — Ora, até nosso casamento, querido. Como você disse, sou uma mulher de família e tenho uma reputação a zelar. — Respondi com deboche e peguei minha bolsinha, beijando sua bochecha antes de descer do carro. Bati a porta com força e entrei na mansão, arrancando os saltos pelo caminho para não cair pelo jardim devido a embriaguez que parecia mais potente com as luzes fortes da entrada. Encontrei minha irmã mais nova, Asteryn, em frente ao piano na sala de visitas, tentando algumas notas com a professora de música. E errando todas. Ela resmungou chorosa, se queixando sobre não ser boa como eu. — Nunca ficará boa se chorar mais do que treinar, Asteryn. — Disse, fingindo brigar, mas ela não me levou a sério, mostrando-me a língua. — Venha tocar comigo! — chamou. — Prefiro quando você me ensina. — Disse tensa, olhando de soslaio para a professora carrancuda. Não condenava Asteryn, eu também não gostava de ter aulas com ela quando mais nova. Severina era extremante dura e não tinha muita paciência para lidar com crianças. — Não posso, estou muito cansada. — Menti, tentando esconder a embriaguez da minha irmãzinha. — Termine sua aula e amanhã nós tocamos, eu prometo. — Asteryn fez um biquinho e concordou, suspirando cansada. — Onde estão a mamãe e o papai? — Não sei. — Deu de ombros, voltando sua atenção para o piano. Subi as escadas, procurando por mamãe na biblioteca, seu ambiente favorito da casa. Estranhei por vê-lo silencioso. Era rotineiro encontrá-la esparramada sobre o sofá, deleitando-se com um bom livro, enquanto apreciava uma taça de vinho posta sobre a mesinha ao lado, e a vitrola tocando um disco do Mario Reis; mamãe era apaixonada por samba, passou a ter aulas de português para entender o que seu cantor favorito dizia em suas belas canções de amor. Dei alguns passos para dentro do vasto cômodo, finalmente encontrando-a debruçada sobre a varanda. Mamãe parecia diferente, entretanto. Seus cabelos louros, estavam embaraçados e, sua camisola fina de seda, sempre impecável, tinha barro, como se tivesse acabado de afundar os pés na lama. — Mãe? — chamei, unindo as sobrancelhas. O cheiro da biblioteca ficou diferente, tanto quanto a temperatura; muito fria. Todos os pelos do meu corpo arrepiaram-se. Um calafrio contornou a espinha. Era como se meu corpo tivesse ficado em alerta, até mesmo as batidas do meu coração aceleraram. Mamãe estava diferente. Ela virou-se lentamente na minha direção, apavorando-me. Seus olhos estavam totalmente pretos, sem nenhum brilho ou pupila, e quando sorriu, de maneira assustadora, uma quantidade absurda de sangue escorreu da sua boca. Ao redor do corpo, saía fumaça, como se pegasse fogo. O odor de enxofre e cadáver doce ficou mais forte, como uma junção estranha e excêntrica entre um perfume caro e o inferno.
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