INCOMPLETOS

"Eu te amo, meu amor". Acordei ofegante, sem ar. E sempre assim: olho as horas e ainda é madrugada. Abro a gaveta, pego um frasco, tiro dois comprimidos e engulo. Bebo um pouco de água, arrumo o travesseiro, deito e fecho os olhos, tentando voltar a sonhar, desejando voltar no tempo, sentir seu cheiro, ouvir sua voz. "Que cara é essa? Nem parece que, há poucas horas, conseguiu vencer o Cortes no tribunal." "O que quer? Estou ocupada." "Nossa, que bicho te mordeu?" "Paro o que estou fazendo! Olho para Fernanda Soares, uma grande amiga, mas muito s*******o. Não sabe bater na porta não! Por que a pergunta? Estou normal, meu jeito de sempre." "Claro, o m*l humor de sempre, porém hoje está pior." "Para de enrolar e fala logo o que você quer!" "Tá vendo, parece que não dormiu? Tá com uma cara péssima, sem falar que está distante." "Estou ocupada, Fernanda. Fala logo para que veio?" "Tudo bem. Vim te convidar para irmos à inauguração da nova boate que será na sexta-feira. Ouvi dizer que o lugar é lindo." "Não, obrigado. Detesto multidão, barulho. Vá você. Chame a Monaliza ou o Theo. Não vou." "Ok, Carol, não vou insistir. Quero que saiba que viver presa nesse escritório ou no seu apartamento não vai mudar o passado." Olho para Fernanda saindo da minha sala com olhar triste. Queria ser forte, poder apagar da minha mente meu passado e seguir em frente, deixar a dor e angústia fora do meu coração. Mas não consigo, por isso vivo para o meu trabalho. Essa é a única forma de seguir em frente e assim a vida segue. Passei o dia trancada na minha sala, trabalhando. Olho no relógio, que marca quase nove horas da noite e sempre assim: sou a primeira a chegar e a última a sair. Saio do escritório, ando pelos corredores vazios, entro no elevador. As portas abrem, saio, caminho para o estacionamento. Sinto um arrepio pelo meu corpo, olho para todos os lados, não vejo nada, corro para meu carro, ligo e saio pelas ruas, respiro aliviada. "Bom dia, Carol. O senhor Tenório pediu que, assim que você chegasse, fosse à sala dele. Não se esqueça da reunião com a senhorita Vasquez." "Bom dia!" "Obrigado! Quero ver o que o senhor Tenório deseja. Se a Bianca Vasques chegar antes de mim, leve-a para sala de reunião." "Você está bem!" "Sim, por quê?" "Está com semblante cansado?" "Estou bem, apenas perdi a hora vendo alguns processos e dormi pouco. Já volto." Caminho pelos corredores, espero o elevador. Lembranças dos pesadelos, o medo ainda sinto, casa celular do meu corpo tremer com as lembranças. Balanço a cabeça para afastar os pensamentos ruins. "Bom dia, Sônia! O senhor Tenório mandou me chamar." "Bom dia! Querida, pode entrar." "Obrigada." Bato na porta e ouço o mandar entrar. "Bom dia, mandou me chamar?" "Bom dia, sim. Sente-se. Primeiro, quero lhe parabenizar pelo belo trabalho feito na defesa da senhorita Vasquez e também dizer que tenha cuidado. O Cortes é um homem perigoso, não vai deixar barato o fato de você tê-lo vencido no tribunal, mas não foi para isso que lhe chamei aqui. Imagino que conheça a construtora Lutero?" "Sim." "Pois bem, o Marcos é quem cuida de toda área judicial da construtora, porém ele está fora. Só volta daqui a duas semanas. Recebi o telefonema do Felipe Lutero, o CEO da companhia, que está precisando do Marcos. Como ele não está, quero que você assuma o lugar dele pelas próximas semanas!" "Claro, farei o meu melhor." "Certo, esteja lá amanhã cedo. O Lutero é difícil de lidar, boa sorte." "Obrigado." Deixo a sala do senhor Tenório, vou para minha chegada na sala. Encontro a Bianca, começamos a falar sobre o processo, o dia passou que não percebi, arrumo minhas coisas, deixo a sala, caminho pelos corredores, deixo a empresa, dirijo para casa. Tomei um banho, fiz um lanche, sentei-me na varanda, olhei para a noite escura, penso em reagir, não deixar a dor me dominar. Não consigo. Lágrimas descem pelo meu rosto, soluços saem da minha garganta. Abraço meu corpo, choro sozinha, com o coração sangrando, a alma incompleta. Olho para o imponente edifício à minha frente. Pareço uma boba, admirando a beleza da arquitetura do lugar. "Bom dia! Poderia me dizer qual o andar da presidência?" "E você, quem é?" "Sereio! Essa é a pergunta que uma recepcionista deve fazer para as pessoas que entram nessa empresa? Não que seja da sua conta, sou Carolina Mendez, advogada do senhor Tenório." "Último andar, porta cinco. Vai direto para a sala da presidência." Penso em dar uma boa lição nesta mulher. Como pode uma recepcionista falar assim com as pessoas que trabalham aqui? Droga, estou atrasada. Olho no grande espelho dentro do elevador, arrumo meu vestido e o blazer. Por algum motivo, estou nervosa. As portas abrem, saio do elevador. À minha frente, uma mulher morena. Deve ser a secretária do presidente. Está digitando algo no computador. "Bom dia! Em que posso ajudar?" "Sou Carolina Mendez..." "A advogada!" "Sim." "Só um minuto, vou avisar ao senhor Lutero que está aqui." "Ok." A mulher liga para o senhor Lutero. Imagino que ele deve ter dito algo que ela não gostou. "Pode entrar! Boa sorte." Caminho até a grande porta com uma placa dourada escrito "presidente Felipe Lutero". Sinto um frio na barriga ao pronunciar o nome. Bato na porta, ouço mandar entrar. Entro na sala, o perfume forte e marcante, olho o homem diante de mim. Seus olhos verdes me deixam hipnotizada, minha respiração acelera, não consigo descrever o que estou sentindo. "Bom dia, senhor Lutero, sou Carolina Mendez, a advogada que irá substituir o Marcos nas próximas semanas." "Bom dia, Srta. Mendez. Sente-se, por favor." Sento-me enquanto ele continua a falar sobre as responsabilidades e desafios que enfrentarei durante minha substituição. No entanto, não consigo deixar de notar a forma como seus olhos verdes brilham e como sua voz grave me envolve. Ao longo da reunião, tento manter o foco em nossas discussões profissionais, mas é difícil ignorar a presença poderosa e charmosa de Felipe Lutero. Quando finalmente saio da sala, ainda sinto a intensidade do encontro e tento me concentrar em minhas novas responsabilidades enquanto tento compreender a confusão de emoções que o encontro com Felipe despertou em mim.