Letícia Fontenelle
Atualmente curso administração. Sempre fui uma pessoa reservada, com poucos amigos.
Nunca tive um relacionamento, mesmo aos vinte anos. Essa foi uma escolha minha; sempre preferi focar nos estudos em vez de namorar. Agora, até poderia considerar um relacionamento, mas minha vida mudou drasticamente.
Tudo começou quando policiais vieram à minha porta para dar a notícia devastadora de que as pessoas mais importantes da minha vida haviam sofrido um acidente e não sobreviveram. Desde aquele dia fatídico, meu mundo desabou. A dor de perder meus pais foi insuportável; chorei incessantemente, e o luto me consumiu. Isolada, passei muito tempo trancada no meu quarto, perdida em minha tristeza, sem saber como enfrentar a vida sem eles. Minha amiga Naná ficou preocupada, mas não sabia como me ajudar enquanto eu lutava contra o desejo de estar com meus pais novamente.
Por que eu não estava com eles? Assim, morreríamos todos juntos.
Eu sei que isso é um pensamento irracional, e talvez eu devesse agradecer por estar viva. Mas, no meio dessa dor imensa, essa é a única coisa que passa pela minha cabeça.
O funeral foi lotado. Amigos dos meus pais vieram de todos os lados. Eu m*l conseguia prestar atenção nas palavras de conforto que todos repetiam:
"Meus pêsames, sinto muito..."
A cada vez que ouvia, era como se algo dentro de mim se partisse um pouco mais. Tudo o que eu queria era gritar.
E quando finalmente vi a cremação dos meus pais, senti uma dor tão profunda que pensei que não seria possível continuar respirando. Por que dói tanto?
Perguntei isso inúmeras vezes para Naná, mas nem ela sabia o que dizer. Na verdade, acho que ninguém saberia.
Até minha tia, que mora em Londres, veio com minha prima Paty. Não sabia se elas conseguiriam chegar a tempo, mas como única irmã, minha tia precisava se despedir. Elas se falavam quase todos os dias; o vínculo era forte, já que meus avós se foram cedo, deixando-as sozinhas no mundo.
É engraçado como, de repente, tudo muda. E, em um instante, parece que um buraco se abre no nosso peito, uma ferida que parece impossível de cicatrizar.
Minha tia precisou voltar para Londres depois do funeral. Ela me chamou para ir com ela, mas recusei. Minha vida era aqui, no Rio de Janeiro, por mais difícil que estivesse.
Com o tempo, a dor começou a amenizar, embora nunca tenha realmente desaparecido. Os negócios do meu pai… não consegui lidar com eles. Pedi ao advogado da família que vendesse tudo. Não tinha interesse em administrar os inúmeros imóveis que ele possuía.
Agora, moro em uma cobertura enorme no Leblon. Um lugar que parece ter ficado ainda maior e mais vazio, apenas eu e Naná tentando preencher o silêncio deixado por aqueles que se foram.
Naná era minha babá desde que eu tinha seis anos. Desde a morte dos meus pais, ela tem sido meu pilar, me dando todo o apoio e carinho para que eu não afunde no vazio. Talvez por isso eu tenha decidido começar a trabalhar em uma empresa de Arquitetura.
Sou formada em administração, mas nunca exerci a profissão. Mesmo assim, tentei manter a cabeça ocupada. Finjo que está tudo bem, mas a verdade é que ainda estou aprendendo a viver sem meus pais. Um dia de cada vez.
Foi nesse ambiente novo, logo ao chegar na empresa, que meus olhos encontraram o homem mais lindo que eu já tinha visto. Loiro, com olhos azuis penetrantes e um corpo atlético que nem mesmo o terno sob medida conseguia esconder. Ele era simplesmente de tirar o fôlego.
Meu coração disparou na mesma hora. Foi como se, em um instante, eu tivesse me apaixonado perdidamente. Será que amor à primeira vista realmente existe? Se não, acabei de descobrir que existe, porque fiquei completamente hipnotizada por aquele homem.
Fiz vários cursos na área de administração e idiomas, com a ideia de um dia trabalhar no negócio da minha família. Meu pai sempre dizia que eu seria a herdeira de sua rede de imobiliárias, mas eu nunca me vi como uma empresária. Pelo menos, não agora. Talvez um dia.
Lembro de quando meus pais chegavam em casa e me contavam como tinha sido o dia deles no trabalho. Sempre tão atentos e carinhosos, queriam saber cada detalhe do meu dia também. Eles eram o meu mundo. Às vezes, depois das aulas, eu ia ao escritório deles, correndo pelos corredores e brincando com meu pai. Os dois trabalhavam juntos e, dizem, eu herdei a beleza da minha mãe. Ela era ruiva, com olhos verdes, e todos dizem que nos parecemos muito.
Mesmo com tanto amor e tantas lembranças boas, eu sabia que não podia assumir o controle dos negócios da família. Não tinha cabeça para isso. Eu só tinha vinte anos, não tinha amigos, e não me via pronta para lidar com uma rede de imobiliárias. Vendi tudo, porque não queria ficar presa a memórias dolorosas.
Hoje, sou uma mulher rica, herdeira de uma grande fortuna. Mas a riqueza não preenche o vazio. Então, decidi trabalhar. A vaga de administração na empresa já estava ocupada, então aceitei o cargo de secretária. Não é o que eu imaginei para mim, mas por enquanto, é o suficiente para me manter em movimento.
Pelo menos, trabalhando, eu não ficaria em casa o tempo todo pensando nos meus pais. Eu precisava ocupar minha mente, e agora ia começar como secretária do meu novo chefe, o irresistível senhor Guilherme Werkema. Eu começaria na segunda-feira.
Decidi não ir para a empresa com meu carro. Ninguém lá sabe que sou rica, e não precisam saber. Como eu explicaria o fato de estar ali se não precisasse trabalhar? Quem eu sou de verdade não importa. O que importa é que eu preciso me manter ocupada, e se o cargo de secretária foi o que apareceu, vou acompanhá-lo com prazer.
Só porque nunca trabalhei antes, não significa que eu não seria capaz de ser uma ótima secretária. Ainda mais para aquele pedaço de mau caminho que é o meu chefe. Para evitar chamar atenção, vou de táxi ou metrô. De jeito nenhum vou aparecer com meu Range Rover vermelho, que grita “dinheiro”. Ninguém precisa saber do meu estilo de vida.
Pensando bem, talvez fosse mais fácil se eu comprasse um carro mais simples. Um que não levantasse suspeitas. Nunca andei de ônibus na vida, mas sempre ouvi a Naná reclamar que é um inferno, principalmente quando está lotado.
Então está decidido: vou comprar um carro novo, mais modesto. Algo discreto, que combina com essa nova fase da minha vida. Amanhã, depois do trabalho, vou à concessionária e resolvo isso. Não quero que ninguém descubra que sou milionária.
A verdade é que eu não preciso desse trabalho. Tenho mais dinheiro do que poderia gastar em várias vidas. Mas trabalhar é o que me mantém em movimento, é o que me ajuda a seguir em frente e, de alguma forma, me distrai da ausência dos meus pais, que, apesar de tudo, nunca saem do meu coração e pensamentos.