03| Regadas de amor
Está sendo difícil me concentrar nele falando, enquanto minha mente me trai e vai até o meu momento com ele mais cedo na biblioteca. Do nosso quase beijo, e de eu me sentir querendo que ele me beijasse. Que d***a.
— Você está segurando esse livro muito forte. – Samuel interrompe sua fala na metade, afrouxo minha mão envolta do livro. – Está se segurando para não fazer algo de errado? – Olho para o Samuel que está o seu sorriso típico de que consegue ler meus pensamentos.
— Não,. – Reviro os olhos. – Continua.
Ele assente e volta a ler.
Apenas com dois ensaios Samuel está melhor com suas falas. Ainda continuar lendo o livro, não conseguiu decorar como falas, mas isso acontece com o tempo.
Estou prestando mais atenção em seus lábios que se mexem a cada palavra falada. De vez em quando ele sorri, sabe que estou observando ele. Reviro meus olhos e volto a ler o livro.
— Sabe, até que você é uma ótima professora. – Samuel fala na minha varanda.
— Isso foi um elogio? – Eu sei sarcástica.
— Provavelmente. – Ele dá de ombros tímidos. – Você deveria vir para minha festa de sábado.
— Sério? – Franzo minhas sobrancelhas.
— É, vai ser legal. – Ele coloca suas mãos dentro do casaco azul.
— Tudo bem.
— Você vai? – Vejo resquícios de esperança em seus olhos.
— Provavelmente. – Dou de ombros, abaixo do meu olhar para os meus tênis.
— Eu vou indo. – Samuel avisa. E antes que eu possa responder algo, levanto meus olhos e vejo ele entrando no carro. Ergo minha mão e aceno, em um gesto simples. O carro desaparece da minha vista.
Entro em casa e me assusto com meus pais me olhando.
— Vocês estão saindo? – Minha mãe pergunta sorrindo.
— Não – Respondo rápido. – Claro que não.
— Vocês são o que, então? – Meu pai pergunta. – Como os jovens falam, Mary? – Ele direciona sua pergunta para minha mãe.
— Se pegar. – Ela responde. Faço uma careta ao pensar que meus pais pensam isso.
— Não! – Respondo enojada dessa pergunta. Ando até a sala. Meus pais consequentemente me seguem.
— Filha – Minha mãe fala. – Tudo bem você está saindo, gosto do Samuel, ele é um bom garoto. – Sou obrigado a soltar uma risadinha debochada.
— Samuel? Um garoto bom? – Pergunto sentando no sofá.
Sim, sim. – Meu pai senta do meu lado. Ele passa o braço pelo meu ombro.
— Apesar do pai que tem, ele é um bom garoto. – Minha mãe afirma do meu lado. – Ele só tem sentimentos reprimidos.
— Certo. – Falo querendo encerrar o assunto.
— Seria bom se ele achasse alguém bom, como você. – Minha mão me empurra com o ombro.
– Certo – Me levanto. – Acho que já deu essa conversa, vou comer. – Saio da sala em passos rápidos. A cozinha está com um cheiro bom de macarrão com queijo e devoro a comida apenas com o olhar.
****
Arthur e Letícia estão conversando na minha frente, enquanto procuro por alguém. Ainda não sei quem, mas quando o vir saberei.
Marco está do refeitório com seus amigos de banda. Ele sorria para mim ver, meu coração amolece quando vejo sorriso revelando o seu melhor defeito genético, uma covinha. Retribuo o sorriso.
— Você gosta dele. – Arthur acusa.
— Não, não. – Respondo olhando para o meu amigo.
— Gosta sim, olha esse sorriso. – Ele se inclina e toca minha bochecha. Bato em sua mão, o que faz Letícia rir.
— Para. – Repreendo apontando para o seu rosto.
— Tudo bem gostar dele. – Letícia intervém. Olho para minha amiga. – Ele é legal, e você precisa de alguém.
— Acho que sim. – Dou de ombros e encaro minha comida. Dessa vez resolvi comer a comida da escola, não quis trazer minhas famosas frutas e estou muito arrependida disso.
A comida tem uma cor verde estranha e consistência pastosa. Cutuco ela com a minha colher e faço uma careta.
— Por que não trouxe suas frutas? – Arthur pergunta. Olho para ele que faz uma cara de nojo para minha comida.
— Eu sai de casa atrasada e não deu tempo.
— Primeira vez que vejo você chegar atrasada. – Arthur cerra os olhos.
— Você não quis esperar. – Acuso. Ele sorri.
Arthur abre a boca para falar mais alguma coisa, mas é interrompido por uma briga.
Samuel e Donna estão gritando um como outro no meio do refeitório. A loira parece estar com muita raiva, por causa do seu rosto vermelho, suas mãos fechadas em punhos, prontos para bater no capitão. Não dá para escutar muito por eles estarem um pouco longe, o que entendo é que ela está chateada porque ele desmarcou algo com ela ontem.
Isso quer dizer que ela não sabe que ele estava comigo.
Donna sai pisando duro e bufando do refeitório. Maggie como boa amiga que é, vai atrás dela. Samuel senta no seu lugar de sempre. Seus ombros estão tensos.
O sinal toca anunciando o fim do refeitório. A minha comida está intocada e estou com fome. Me despeço dos meus amigos e saio do refeitório. Encontro Marco com o rosto dentro do seu armário. Me aproximo lentamente.
— O que você está fazendo? – Pergunto perto do seu ouvido. Marco dá um pulo de susto e bate com a cabeça no armário. – Ai, me desculpa. – Dou risada.
Marco esfrega sua cabeça bagunçando seus cabelos lisos.
— Tudo bem, tenho que aprender a não enfiar minha cabeça em lugares escuros. – Seguro a risada que está entalada na minha garganta. Ele arregala os olhos ao perceber o que acabou de dizer. – Ah Deus, não era isso que eu quis dizer, eu quis dizer que quero... ou não. É melhor eu ficar quieto. – Sorrio. Marco sorri todo vermelho.
— Eu entendi o que você quis dizer. – Pego sua mão, ele entrelaça nossos dedos. Fico olhando para nossas mãos.
O sinal toca mais uma vez, e aí que tenho que ir.
— Até amanhã. – Ele fala me lembrando do nosso encontro.
— Sim. – Marco se inclina e beija minha testa. Meus olhos vão de encontro com ele.
Samuel está nos olhando.
E sua expressão não é das melhores. Marco se despede e sigo o meu caminho para a aula de química. Os tubos de ensaio estão com um liquido azul e vermelho. Balanço um dos tubos. Mas minha mente não está aqui, está no capitão. Ele estava me olhando, quer dizer nos olhando, de um jeito estranho.
Saio da sala de biologia e esbarro em algo duro e grande. Olho para cima e Samuel está sorrindo. Típico.
— O que foi? – Pergunto saindo da sua frente, sei que estou sendo seguida por ele.
— Queria saber o que está acontecendo com você e o Santiago. – Ele pergunta alcançando meus passos.
— E por que você quer saber? – Pergunto olhando brevemente para ele.
— Por nada.
Paro na frente no meu armário. Abro ele, Samuel encosta no armário do lado.
— Sabe que não precisa ficar preocupado comigo, capitão. Sou grandinha sei me cuidar. – Guardo os livros que não vou usar e pego os que vou.
— Eu não estou preocupado. – Dou uma olhadela nele. Samuel está vestindo sua jaqueta do time azul, com uma calça jeans preta e camiseta branca. Seus cabelos ondulados estão caídos sobre a sua testa, escondendo as sobrancelhas grossas.
— Tem certeza? Seu rosto não engana. – Fecho o armário e toco na sua bochecha rápido. Ele fica estático por causa do meu gesto. Seu rosto vai de normal, para apavorado.
— Se toca Hastings, – Ele dá de ombros. – Eu não estou preocupado. – Ele se recupera rápido e fico confusa com a mudança de humor. E com isso Samuel sai da minha frente.
Me viro para trás e observo seu andar confiante.
Desde que conheço Samuel, ele tem esse andar confiante. Com os ombros relaxados, sorrindo para as pessoas, principalmente para as meninas que se derretem. Rolo meus olhos e vou para minha aula. De uma coisa eu tenho certeza, Samuel Cavanaugh nunca vai mudar.
Com Arthur levando Letícia todo dia embora. E Marco está ensaiando com a banda. Fiquei sem carona. Meu amigo até insistiu me levar, mas disse que não precisava e que iria até a livraria da Lucy. Ele assentiu e foi levar Letícia embora.
O frio de outono está ficando mais intenso, e olha que só estamos no começo do mês. Lakewood é pequena e pacata. As pessoas aqui são fofoqueiras e curiosas. Andar por aqui é sempre ter olhares sobre você. Escondo minhas mãos dentro do meu casaco de frio e ignoro olhares curiosos. Depois de alguns minutos, finalmente chego na Lucy. A livraria é pequena e a única que tem por aqui.
Entro no lugar e sou invadida pelo cheiro delicioso de livros.
O sino avisa minha chegada e a dona aparece detrás do balcão. Lucy é dona de cabelos castanhos claros curtos e olhos escuros. Quero chegar na sua idade linda desse jeito. Ela é uma mulher divorciada, com duas filhas, e dona da livraria há muito tempo. Depois que se divorciou ela resolveu que precisava de um tempo para si, e veio parar na cidade esquecida por Deus.
— Gina, pensei que não viria essa semana. – Lucy dá a volta no balcão e me abraça, extremamente forte.
— Estou ajudando nos ensaios do teatro. – Respondo ainda sentindo seu perfume forte, que pinica meu nariz.
— Entendi – Ela volta para o balcão. – Chegou livros novos. – Ela anuncia.
Lucy me entrega dois livros. Pego eles e os examino. Um tem a capa verde musgo que lembra a comida de escola e o outro tem a capa rosa chá. Os dois são livros velhos, por conta da capa desgastada nos cantos.
— Gostou? – Ela pergunta já sabendo da minha resposta.
— Obvio. – Olho para ela com os olhos brilhando.
— Por conta da casa. – Ela diz.
— Sabe que eu posso pagar.
— Mas eu não quero o seu dinheiro. – Ela me dispensa com um gesto da mão.
— Certeza? – Pergunto.
— Gina, você é a única garota que entra aqui. Seu dinheiro não vai fazer diferença. Fica tranquila. – Ela sorri de um jeito meigo. Devolvo o sorriso e dou-lhe um abraço.
— Obrigada Lucy. – Agradeço sorrindo.
— Pode ler aqui. – Ela responde sumindo detrás do balcão.
Sorrio indo até as mesas escondidas da livraria. Abro o livro rosa e afundo nas palavras do livro.
Fico tanto tempo imersa no ambiente dos livros, que nem percebi meu celular vibrando loucamente dentro da minha bolsa. Pego o objeto e olho a hora. m***a. Estou atrasada.
Samuel: Aonde você está, estou dentro da sua casa com seus pais e você não está aqui.
Samuel: É bom você ter uma boa desculpa.
Samuel: Pq você tem celular???
Eu: Desculpa por não ter respondido, estou na livraria.
Samuel: Olha quem respondeu.
Samuel: Estou indo te buscar. Não saia daí.
Eu: Tá.
Guardo minhas coisas. Me despeço de Lucy, que me lança um sorriso meigo. Saio da livraria e o vento do outono bate em meus cabelos. Minha bochecha está ficando dormente, e minhas mãos estão bem escondidas dentro do meu casaco. Donna e Maggie saem de uma loja de roupas, elas saem do lugar como se fossem modelos. O vento que embaraçam meus cabelos, fazem o delas balançaram lindamente. Seus rostos estão corados. Maggie e Donna parecem ter saído de uma revista de moda.
Abaixo meu olhar para meus tênis, surrados e quase sem cor. É o único tênis que eu mais gosto. Enquanto elas andam com botas elegantes, eu prefiro meu tênis velho. Uma luz aparece na rua sem ninguém, ergo o meu olhar e encontro o carro de Samuel estacionado.
Atravesso a calçada e entro no carro. Me esquento sob o vento quente que sai do ar condicionado. Estremeço ao perceber que estava há muito tempo esperando por ele naquele frio. A cada movimento meu, de colocar minha bolsa no meu colo, a passar o cinto. Sinto o seu olhar queimando em mim.
— Vamos ficar aqui parados até quando? – Pergunto fazendo ele ligar o carro.
Está quieto.
Pela primeira vez, Samuel não tem nenhum comentário espertinho de mim, ou para mim. Ele tem toda sua atenção na estrada. E me remexo incomodada com isso.
— Dá pra parar de se mexer tanto. – Ele me repreende.
— Não dá, enquanto você me falar o que houve. – Olho para ele.
Samuel está segurando o volante tão forte, que os nós de seus dedos estão brancos. Seus ombros estão tensos e sua mandíbula travada.
— Você esqueceu que a gente tinha ensaio hoje? – Ele finalmente fala, me deixando confusa.
— É sobre isso? – Pergunto segurando a risada.
— Eu preciso da sua ajuda e você simplesmente se esquece.
— Desculpa, tá legal? Foi sem querer.
— Não foi sem querer, acho que eu não sei que você não quer me ajudar?
— E não quero, mas fui obrigada.
— Tudo por pontos na faculdade? – Ele pergunta irônico.
— Sim, tudo por isso. – Cruzo os braços. – Você é inacreditável, sabia?
— Você também não é muito fácil de lidar Gina.
— Tanto faz. – Dou de ombros.
— Viu? Você é marrenta, sabichona, egoísta e incapaz de manter essa língua dentro da boca.
— E você? Grande capitão – Uma risadinha debochada escapa. – Seu ego é maior que sua cabeça, você é grosseiro, irritante, um i****a e tem comentários espertinhos toda hora. – Samuel desperta o que há de pior em mim. Sinto que meu coração irá sair pela boca a qualquer momento.
Samuel estaciona. Percebo que brigamos o trajeto inteiro. Tiro o cinto e quando vou abrir a porta, Samuel segura meu braço.
— Me desculpa. – Ele fala baixo. Fecho os olhos e respiro fundo. – Não é fácil lidar com você. – Admite. Sua mão ainda está me segurando, como se não quisesse que eu fuja.
— Não é fácil lidar com você. – Me viro, Samuel me solta e o lugar que ele me segurava está formigando.
— Somos ruins. – Ele ri sem humor.
— Com certeza.
— Quer sair para comer? – Sua mudança de humor mais uma vez me deixa confusa.
— Tenho coisas para fazer. – Minto. Menti m*l, mas menti. Samuel parece decepcionado com minha resposta.
— Tudo bem. – Ele responde frio.
Saio do carro antes que eu me arrependa de algo.
Sou surpreendida com minha mãe perto da janela na sala.
— Mãe! – Exclamo. – Você estava espiando? – Repreendo-a.
— Claro, sou sua mãe. – Ela dá de ombros como se fosse a coisa mais normal. – Suba e tome um banho, o jantar fica pronto em vinte minutos.
Assinto e subo as escadas.
Entro na minha banheira de água quente e fecho os olhos. A água me ajuda a relaxar instantaneamente, só que minha mente me trai e olhos cor de mel aparecem.
Samuel pareceu decepcionado quando neguei seu pedido de ter ido com ele comer. O jeito que ele me olhou, o jeito que me tocou. Isso está me mexendo demais com a minha cabeça e não estou gostando.
Saio da banheira quando a água fica fria e sou obrigada a sair. Me enrolo no roupão de estrelas. Minha irmã está na minha cama com olhos de cachorro desamparado.
— O que você quer Bella? – Pergunto indo até o meu closet.
— Eu quero sorvete, só que papai não vai comprar para mim depois da janta, aí eu pensei, se você não poderia ir comigo. – Me visto do meu pijama de corações.
Saio do closet e minha irmã continua com sua cara de cachorro. Sento do seu lado na cama. Isabella tem seus olhos pequenos azuis escuros no meu rosto.
— Tá Isabella, depois da janta eu levo você para comer sorvete. – Minha irmã bate palmas animadas e pula no meu colo.
— Você é a minha irmã favorita. – Ela fala se afastando.
— Eu sou sua única irmã. – Falo antes dela sair do meu quarto.
Decido enviar uma mensagem para Arthur, ver se ele quer ir junto. Ele fala que sim e que me espera na sorveteria do Lorenzo.
As refeições aqui em casa são regadas a serem sempre animadas e cheias de conversas. Meu pai sempre fala do seu dia com a banda The Royals Stars. Que contém um vocalista mesquinho que o irrita. Oliver Foster é conhecido por ser atrasado, egoísta e indiferente com as coisas da banda, o que deixa meu pai louco e com a possibilidade de ele substituir Oliver. Minha mãe conta como foi seu dia na escola, ela trabalha na escola que minha irmã estuda, o que deixa Isabella louca achando que nossa mãe a espiona. É nessas horas que minha irmã fica vermelha de raiva, minha mãe ri dela e meu pai fala somente comigo:
— Filha. – Ele fala em um tom que somente eu escute. Olho para ele. George nunca conseguiu esconder sua expressão de preocupação, é nesse momento que fico nervosa. – Eu só quero dizer que tudo bem você sair com garotos, namorar. Só quero que você continue com seus sonhos intactos, não mude por um romance de colégio.
— Fica tranquilo pai. – Falo tranquilizando. Toco em seu braço fazendo-o sorrir.
As duas que antes estavam discutindo, estão nos olhando estranho.
— O que aconteceu? – Minha mãe pergunta.
— Nada, conversa de pai e filha. – Meu pai responde por nós dois.
Sempre fomos assim. Eu sempre fui mais intima de papai, enquanto Isabella é mais apegada a mamãe. Nossas refeições são assim, regadas de amor.