Samantha Ferrari
Sou acordada por um barulho e vejo que o meu celular está me irritando. Minha maior vontade é de jogá-lo pela janela, mas eu me seguro. Sem escolhas, começo a me levantar. Ainda me sinto suada e com o sexo pulsando. Eu estou ficando louca pensando nesse homem. Entro no banheiro, tomo um banho rápido, me enrolo na toalha e vou até meu guarda-roupa e escolho uma saia comprida que vai até o tornozelo, na cor preta, com uma blusinha branca. Calço meu sapato de dança preto de saltinho, faço uma leve maquiagem — que não borra enquanto eu danço — e prendo meus cabelos em uma trança. Pego minha bolsa e coloco nela uma roupa extra, caso eu tenha que sair para algum compromisso. Olho ao redor e vejo que não esqueci nada.
Meu quarto é todo pintado de azul bebê, uma cor que acho linda. Minha cama, uma king size bastante confortável, meu guarda-roupa é enorme, todo preto, e complementando o cômodo, há uma tv grande e um aparelho de som.
Um dos lugares que mais gosto de ficar em minha casa é o quarto, mas também amo o jardim. Antes de sair, rego minhas plantas e flores.
No caminho para o trabalho, ouço como sempre a rádio Alpha FM, que começa a tocar Fuggens, Killing Me Softly.
No trajeto faço planos de não enrolar e ligar logo para o Seguro a fim de resolver o problema da batida.
Chego rapidamente na escola, sem incidentes. Vou direto para o escritório e antes de iniciar minhas tarefas, ligo para o seguro do meu carro. Depois de chamar duas vezes, alguém atende.
— Seguro auto vida, bom dia! Meu nome é Helen, em que posso ajudar?
— Helen, meu nome é Samantha Ferrari. Gostaria de relatar um acidente ocorrido no dia de ontem e saber as informações necessárias para a devida solução.
— Senhora Ferrari, teria que saber se a senhora já fez um orçamento nas oficinas para que nós do seguro possamos fazer o p*******o.
— Ainda não. Como aconteceu ontem, ainda não deu tempo de ligar e orçar nas oficinas. Mas e com a pessoa do carro ao qual eu atingi, vocês entram em contato?
— Não. Quem tem que entrar em contato é a senhora. Deixe-me fazer uma pergunta: a senhora fez boletim de ocorrência? — a atendente indaga.
— Não, mas isso é obrigatório?
— Depende da seguradora. A nossa não precisa. Entre em contato com a pessoa que foi prejudicada e peça que ela nos envie um e-mail ou entre em contato telefônico, mesmo, passando o número do seu protocolo, assim mandaremos uma lista de oficinas que trabalham com a gente.
— Ok, então.
— Mais alguma coisa que eu possa ajudá-la?
— Não, só isso mesmo. Farei como me orientou. Qualquer coisa volto a ligar. Muito obrigada pelas informações.
— Não tem de quê! A seguro auto vida agradece a sua ligação.
Encerramos a ligação e o próximo passo é procurar o cartão dele. Disco o número e após alguns toques, uma voz feminina soa do outro lado.
— Bom dia! Gabinete de Damion Filip — a moça fala.
— Bom dia, meu nome é Samantha Ferrari, poderia falar com o Senhor Filip?
A moça demora para responder e eu chego a pensar que a ligação caiu, quando ela volta a falar.
— Me desculpe pela demora. O Senhor Filip não vai poder atender a senhora no momento. Ele está em audiência agora.
A resposta dele me faz pensar que talvez o homem seja um advogado. Lindo daquele jeito, eu o contrataria para agir em todas as minhas causas. Sorrio da minha fértil imaginação e a secretária dele ouve.
— Senhora Ferrari, tudo bem? — ela me pergunta.
— Tudo bem, sim. Desculpe, eu estava distraída. Teria como a senhora anotar meu número de telefone e passar para ele, por favor? Diz que Samantha Ferrari ligou — eu peço.
— Tudo bem. Ele a conhece?
— Mais ou menos — digo, incerta. — Lembre-o da mulher que bateu em seu carro ontem de manhã.
— Está certo — ela concorda. — Pode me passar o número do telefone, então?
Eu faço o que pede e pergunto seu nome em seguida.
— Oh, claro. Meu nome é Isadora Santos, Senhora Ferrari.
— Bom, Senhora Santos, vou dar aula agora e se der para ele retornar o contato, eu agradeceria.
A curiosidade sobre onde ele trabalha me invade. Para estar em audiência ele pode ser muitas coisas. Um advogado, mas também um defensor, juiz, promotor...
Saio de meus devaneios quando chego à sala onde acontecem no momento, as aulas infantis. Lá estão crianças gordinhas, magrinhas e especiais, aguardando para aprender a prática do balé. Olhando para elas eu penso na sorte que tenho de poder ensinar o que sei, mas também penso na possibilidade de um ter o meu próprio bebê.
Cumprimento as crianças e as professoras que me ajudam na aula para os pequenos. Elas que ministram, mas eu sempre estou por perto.
Vou à sala na qual darei minha aula e saúdo os presentes.
— Bom dia, pessoal!
— Bom dia, professora Samantha! — respondem em coro.
Dou risada e eles também.
— Todos prontos? — Eles acenam com a cabeça, concordando, e vou até o rádio e pego o CD de música. De novo, tango de Carlos Gardel. A música se chama Por una cabeza, é do filme True Lies. Na cena entre o ator Arnold Schwarzenegger e a atriz Jamie Lee Curtis. Chamo um aluno e faço com ele uns passos, mostrando para eles o que pretendo que repitam. Eles aplaudem a performance e eu agradeço.
— Obrigada. Mas agora, aos seus lugares. Escolham seus parceiros e comecem. — Agradeço ao meu aluno e logo em seguida toco novamente a música e assim vai essa aula até terminar. Peço que eles treinem com vassouras e eles riem.
— É sério, gente. Até a semana que vem!
No meu escritório, vejo que não há nenhuma mensagem, nenhuma ligação do homem. Fico triste mesmo que não devesse. Sigo com aulas até a hora do almoço, momento em que aproveito para olhar novamente no celular, mais nada de um retorno dele. Sinto uma dorzinha no coração com essa constatação. Quando vejo já é hora de fechar a escola. Ana se despede de mim e promete ligar mais tarde.
— Samantha, o que foi? Você está estranha! — ela pergunta antes de sair.
— Nada, Ana! Só estou cansada. Depois a gente se fala.
No carro, indo embora, ouço algumas músicas tristes que me fazem pensar o porquê de eu estar me sentindo tão solitária desde que o conheci. A verdade é que eu quero ter a oportunidade de encontrá-lo de qualquer forma. Nós só trocamos algumas palavras e ele já me faz tanta falta... O nosso contato foi rápido, mas por algum motivo eu tive a impressão de que ele se sentiu atraído por mim, assim como eu me senti atraída por ele.
Mas é claro que eu me enganei. Afinal, ele só deve se interessar por mulheres impecáveis, de corpo exuberante do tipo modelo.
Chego a casa, acendo as luzes e faço o ritual de sempre.
Após o banho e vestir o baby-doll do Mickey que ganhei, vejo meu celular tocando e corro para atendê-lo. Já imaginando que pudesse ser a Ana, nem olho o visor e digo:
— Oi, Ana. Não precisava ligar tão rápido. Eu estou bem, não aconteceu nada!
Para minha total surpresa, a voz do outro lado não é a dela.
— Não é Ana, mas serve eu?
Meu Deus! É aquela voz sexy dos infernos! Fico sem acreditar que é ele e isso me deixa sem reação.
— Samantha, está aí? Algum problema? — ele pergunta, parecendo preocupado.
— Boa noite, Senhor Damion Filip.
Recupero a consciência, mas continuo meio atônita.
— Vejo que você não me esqueceu... — ele comenta e o meu pensamento é: como esquecer?