Damion Filip
Acordei logo que meu despertador tocou. Depois de olhar em volta, vejo um par de olhos azuis pequenos pulando em cima da minha cama. Este é o meu despertador. Minha filha de apenas 4 anos me chamando, como sempre.
— Papai, papai! — chama Cristal, ainda fazendo bagunça na minha cama. Volto a fechar os olhos novamente e viro a cabeça, fingindo dormir. — Acorda, papai. Você prometeu me levar pra escola hoje. Vamos — pede Cristal e desisto de ficar deitado. Espero uma distração dela, pego e jogo-a em minha cama, como sempre faço. Abraço-a e sinto o cheiro do perfume mamãe-bebê que ela adora. Continuo abraçando-a e resolvo olhar no despertador para ver que horas são. 06 da manhã. O costume era que eu ou a nossa governanta, Sabrina, a acordasse.
— Bom dia, Πριγκίπισσα μου. — Significa minha princesa. Desde que ela nasceu e o médico colocou nos meus braços aquele pequeno pacote, a primeira palavra que veio em minha cabeça foi: minha princesa.
Quando ela abriu os olhos e vi a cor deles, encontrei um azul que me lembrava o céu num dia sem nuvem. Balanço a cabeça afastando os pensamentos e vendo que a hora vai passando. Falo pra ela que está na hora de tomar um banho e se trocar. Vejo-a descer da minha cama numa velocidade impressionante para uma criança de 4 anos, sigo direto para o banheiro e tomo meu banho. As lembranças continuam ainda vivas. Vou me trocando e lembro como Alanis, minha ex-mulher, falava que eu não dava mais atenção para ela e que eu só queria saber da Cristal. Alanis sempre teve ciúme de Cristal. Quando me contou que estava grávida, eu fiquei no céu, porque era uma parte de mim que estava se formando na barriga dela, mas Alanis não pensava desse jeito. Ela preferia ficar desfilando numa passarela ao ser mãe do meu anjo. Ela não queria a criança e eu tive que obrigá-la a cumprir a gravidez até o final. Minha relação com ela já tinha acabado há muito tempo e não sei como eu aguentava ficar perto dela. Meu amor acabou no mesmo dia em que ela ameaçou tirar um filho meu. Ela chegou a falar que odiava meu bebê. Os meses passaram e gravidez de Alanis avançava, mas só por fora, porque por dentro ela se mantinha a pessoa feia que não se dava a chance de amar a própria filha. Eu não a aguentava mais. Só permanecia com ela por causa de Cristal.
Nesses meses em que eu sofri muito. Ela reclamava e falava que ia ficar gorda, e durante a gestação ficou impossibilitada de ir trabalhar, com isso ficava em casa, sempre mostrando sua insatisfação com a gestação, até que chegou o momento de dar à luz. Ela gritava para que tirassem dela “aquela coisa”, assim decidi que não iria permitir que minha filha sofresse na mão dela; sem amor, sem carinho. Quando o médico falou que era uma menina, no mesmo momento decidi que seu nome seria Cristal. O médico a entregou para a mãe e Alanis simplesmente ignorou e falou que não queria a criança, então o médico colocou em meus braços aquele pacotinho e o meu mundo se transformou. Decidi, daquele dia em diante, que eu viveria para ela e só ela. Afasto novamente os pensamentos do passado e vou me encontrar com Cristal. A chamo e a ouço lá embaixo, já me esperando para tomar café. Dou bom-dia para Sabrina, me sirvo e fico observando como Cristal é linda.
— Vamos para a escola, Cristal, senão você vai se atrasar — chamo-a e a vejo pegando a mochila que todas as meninas gostam, do tema das princesas. Ela se despede de Sabrina com um beijo e noto que ela sente falta de uma presença materna. Despeço-me também de Sabrina e seguimos nosso caminho. Sempre que posso, a levo à escola.
Eu trabalho como juiz no fórum de São Paulo, tenho que lidar com casos que abomino muito, como violência contra mulher, entre outros. Chego à escola da minha pequena, abro a porta do carro e ela sai, me abraçando com carinho quando se aproxima.
— Daddy ayaattώ[1]. — Fico sempre emocionado com ela falando o meu idioma, grego, então respondo:
— Σ 'αγαπώ πάρα πολύ την κόρη[2]. — Ela me dá mais um beijo e entra na escola. Sigo para fora, ouço meu telefone tocando e atendo-o, colocando no viva-voz. — Fala, Dimitri. — Meu assessor, que está estudando para ser juiz, me liga do fórum.
Demora um pouco para ele responder, mas então o faz.
— Damion, estou te ligando para lembrar que temos uma audiência daqui a pouco.
— Estou ciente, Dimitri. Tanto que estou a caminho — respondo. Encerro a ligação e já dentro do carro, sem mais nem menos, um outro carro se choca com o meu. Quem é o filho da mãe que bateu no meu bebê? Ah, tá! Pode rir de mim. Além da minha filha, meu carro também é o meu bebê. Saio para tirar satisfação com a pessoa que bateu nele e quando me aproximo, vejo que não foi um homem e sim uma bela mulher. Chego mais perto e meu coração dá aquele salto.
Morri e estou no céu, eu penso. Que mulher é essa? Linda, cabelos negros e olhos que fazem eu me perder.
Vendo que ela está meio estranha, preocupo-me e pergunto:
— Moça, a senhora está bem?
— Me desculpa, senhor, eu estou bem — demora, mas enfim responde, com a voz trêmula e um pouco rouca. Meu amiguinho de baixo fica todo eufórico. Merda! Agora não! Acho estranho ele se manifestar. Eu que trabalho no meio de tanta mulher bonita, e olhe que meu amiguinho não se empolgou com elas, nunca desse jeito. Foco em ajudá-la e garantir que nada de r**m lhe aconteça.
— Pois não parece — digo. — A senhora precisa sair do carro.
— Mas eu estou bem! — enfatiza.
— A senhora tem certeza que está bem? — pergunto novamente. Enquanto vou abrindo a porta do carro, vejo que ela tem um pouco de tontura e seguro-a. Linda é pouco para defini-la. Ela é de parar o trânsito. Meus olhos descem por todo seu corpo e meu amiguinho adora tudo. Ela se afasta de mim e se encosta no carro novamente.
— Estou sim, não se preocupe — me responde mais uma vez e em seguida se desculpa pelo transtorno e me pede o número do meu telefone. Coloco a mão dentro do paletó e pego o meu cartão pessoal com os números. Ela também me dá dois cartões e em um deles há seu nome e número de telefone, o que eu presumo que seja. Quando estou para perguntar o nome dela a fim de confirmar, ela se adianta.
— Prazer, Samantha Ferrari — ela se apresenta com uma voz que... Meu Deus!
Imediatamente penso em como seria vê-la gritando meu nome de tanto sentir prazer.
Me apresento também.
— Damion Filip — lhe digo e o toque de sua mão acende-me como uma árvore de natal. Ela desprende sua mão da minha e vejo-a se afastando em direção ao carro, como se estivesse correndo de mim. Ela o liga e se afasta, deixando-me ali parado, vendo aquela perfeição, deusa Afrodite, indo embora. Espero que ela vire a esquina e entro no carro, notando que sorrio feito um bobo.
Damion, você está parecendo um adolescente, penso. Sigo para o fórum, ainda pensando na bela morena. Será que vou encontrá-la novamente?
[1] Papai
[2] Eu te amo muito, filha.