Ele insistiu sem jeito
- Já sei de tudo! Vim me desculpar.
Ela foi ficando emotiva, se afastando
- Vai embora!
Ele continuou falando que não deveria ter falado do que não sabia e que os presentes eram para as crianças, ela se aproximou, abriu o portão furiosa
- Sabe de tudo o que?
- Não existem mais crianças, eles morreram e meu marido também.
- É isso que queria ouvir?
- Agora pode ir embora em paz.
Ele segurou o portão a impedindo de fechar
- Amira se acalme por favor, sei sobre o acidente.
- Então, trouxe presentes, gostaria de abrir e ver?
Ela ficou encarando séria, deu espaço, ele foi entrando, colocou no sofá da sala
- Linda mesa, eu não sei como falar disso. Mais quero dizer, que respeito o seu luto e a sua dor.
- Ainda que não concorde, com mentiras.
- Não fazia ideia do que estava acontecendo, pensei em tudo, menos isso.
Ela pegou um embrulho
- Então, decidiu brincar de ser louco? Presenteando mortos?
- Deve me achar completamente desequilibrada.
Ele ficou sem jeito, olhando ela abrir
- Não costumo brincar com coisas sérias, só achei que seria gentil, e um pedido de desculpas.
- Não precisa me falar nada, se não quiser, vai ter parabéns?
Ela estava com um bicho de pelúcia nas mãos, sorriu enxugando os olhos
- Não, eu só faço uma oração. Obrigada, pelos presentes!
Ele olhou para a televisão
- Estava assistindo eles? Posso ver?
O vídeo estava pausado, ela estava assistindo um mix de tudo o que tinha das crianças, deu play constrangida
- Não sou maluca, eu só, não sei viver sem eles e nada nunca mais fez o menor sentido.
- A minha vida, acabou. Não existiu um único dia, em que eu não quis ter partido junto!
Ele se sentou no sofá, com aquele olhar cético, deu outro embrulho nas mãos dela
- Abre, não te acho maluca, a vida sem algo para se apegar, é realmente difícil.
- Quer reiniciar o vídeo?
- Tenho o dia todo livre e adoro bolo.
Ela estava constrangida, confusa, pegou o controle remoto na mão
- É melhor ir embora, agradeço muito pela sua intenção.
Foi até a porta cabisbaixa
- Por favor, vá!
Também sem jeito, ele se levantou
- Tudo bem, é melhor eu...
Foi saindo na garagem
- Bom, Amira gostaria de reconsiderar todo o nosso atrito desnecessário e retomar para a sua vaga na empresa?
- Tudo está uma loucura, a cada pedido que faço, só consigo me irritar cada vez mais.
- Ninguém sabe fazer nada e as suas coisas, virtuais...
Ela o acompanhou até a calçada, atenta a tudo, disse apenas que precisava pensar, quase o tocou embora, sem dizer nada, trancou o portão e voltou para dentro, nem o esperou entrar no carro.
Extremamente chateada pela data, pela primeira vez em muito tempo, Amira se sentiu realmente acolhida, porque não tinha muitos familiares e quase não falava com ninguém.
Todos eram contra o modo dela lidar com a perda, até brigas judiciais tiveram, porque a família de Kadu queria coisas diferentes dela e a culpavam pelo o que aconteceu.
Andrus foi para casa com a sensação de dever comprido, quando pedia desculpas, se achava no direito de receber, independente do que fizesse ou do quanto fosse r**m a alguém.
No dia seguinte pontualmente antes das sete da manhã, Amira retornou a empresa, com o cabelo solto escovado e um corte novo, usando vestido soltinho, de mangas compridas, roxo com flores amarelas, na altura dos joelhos, sapatilha discreta e um laço pink segurando a franja. Foi bem recebida pelos colegas, que ainda não entendiam nada sobre sua vida pessoal, mais gostavam dela assim mesmo.
Andrus estava esperando o retorno ansioso, chegou no horário de almoço, ela estava com fones de ouvido, comendo tiras de cenouras e chuchus cozidos, concentrada analisando vários currículos, ele se aproximou sério
- Olá, que bom ter a minha secretária de volta.
- Quer falar comigo sobre a minha agenda?
- Não sei como será a próxima reunião, porque eu preciso viajar novamente.
Ela continuou mexendo no computador, dando atenção, balançou a cabeça que sim, logo o olhou apreensiva
- Já cuidei de tudo, só preciso verificar se o senhor vai ficar no hotel, que eu selecionei.
- Te mandei tudo no email.
- Vou terminar de cumprir o meu aviso prévio, até o natal.
- Já fui ao RH também, obrigada por não me demitir por justa causa, vou pagar tudo, com a minha recisão.
Ele estava mexendo no celular, olhando o que ela enviou, só a olhou alguns instantes
- Vamos esquecer isso.
Foi se afastando
- Seja bem vinda de volta Anira.
- Aí não é lugar de usar fones e nem de comer.
- Espero não ver isso, quando voltar.
Ela concordou, esperou ele entrar e começou comer rápido enchendo a boca, ele retornou em segundos
- Você sabe se aquele restaurante da avenida, precisa de reservas?
Ficou olhando sério, ela com a boca cheia sem conseguir responder, ela foi guardar o pote as pressas e derrubou na roupa o caldo da salada, ele foi se afastando
- Tenho até medo, de olhar seu mapa astral.
- Você é um desastre!